Segunda-feira, 18 de Novembro de 2024

Ícone do ‘folk’ em PG, Alisson Camargo navega pelo rock, tropicalismo e Jovem Guarda em EP de estreia

2020-11-07 às 16:59

Principal referência do folk em Ponta Grossa, gênero que coloca o violão e a letra em primeiro plano, o cantor Alisson Camargo também navega por outros mares, como o rock, o tropicalismo, a Jovem Guarda e o samba. Após 16 anos fazendo covers, ele agora está ganhando os ouvidos e o coração do público com a sua própria música

Alisson Camargo é, atualmente, a principal referência da música folk em Ponta Grossa. Ele não sabe dizer ao certo quando conheceu o folk contemporâneo, esse gênero musical que teve o seu ápice na década de 1960 e que tem como foco os instrumentos acústicos e as letras politica e socialmente conscientes. Porém, ele tem certeza que foi por meio do cinema, na trilha sonora de alguns filmes a que assistiu quando era adolescente, como o clássico Forrest Gump (Robert Zemeckis, 1994).

“Tem uma cena muito marcante e linda nesse filme. A personagem Jenny se apresenta nua para uma plateia masculina, com apenas um violão cobrindo o seu corpo. Ela canta ‘Blowing in the Wind’ [de Bob Dylan] e sonha em ser cantora. Ao final, ela é vaiada e até jogam alguns objetos nela, pois a intenção dos espectadores era outra. Uma sacada incrível do diretor ao mostrar o quão desinteressante para a sociedade conservadora eram os temas trazidos pela juventude e como o jovem, sobretudo a mulher, era visto apenas como um objeto de desejo”, descreve o músico.

Não foi por acaso que, na revolução comportamental dos anos 60, Bob Dylan personificou a voz de uma geração inteira nessa letra. “Ele mudou o mundo! A trilha sonora desse filme é demais”, diz Alisson, entusiasmado. Dá para perceber que Dylan, o precursor do folk contemporâneo e representante máximo desse gênero, é uma das principais influências do músico ponta-grossense.

“Para mim, a música precisa ter uma mensagem útil, ela não é somente entretenimento, é a trilha sonora da nossa vida” (Alisson Camargo)

Multiplicidade

Alisson, no entanto, não gosta muito de ser classificado como um músico exclusivamente de folk. “Nós adoramos colocar rótulos nas coisas, e na música não é diferente, mas, para mim, música é música, independente do gênero. Aliás, tá aí o primeiro rótulo: gênero musical”, aponta. Entretanto, pedimos que ele citasse algumas outras influências que formaram a sua personalidade musical. “Por ser uma pessoa que escolheu o rock como um estilo preferido desde piá, é natural que esse estilo seja mais evidente na minha música. Mas, desde pequeno, por influência da minha mãe, ouço muito Caetano, Gil, Roberto e Erasmo Carlos, Os Mutantes, além de artistas de samba, como Martinho da Vila, Alcione e Zeca. Tenho certeza que, de maneira mais ou menos evidente, esses artistas estão presentes no meu jeito de compor”, afirma.

Ele aproveita para traçar alguns paralelos entre artistas e estilos que, à primeira vista, parecem ser completamente diferentes, mas que, ao se ouvir atentamente, mostram-se numa mesma linha. Os primeiros são Cartola e Dylan, que ele considera muito próximos. Segundo Alisson, as canções “Preciso me Encontrar” e “Blowing in The Wind” têm a pegada do violão como protagonista e uma letra profunda e marcante, por exemplo. O blues e o repente nordestino também entram nessas relações de proximidade. Ele opina que “são estilos derivados de nacionalidades distintas, mas de realidades sociais muito semelhantes, perceptível pela temática das letras, como a pobreza, a seca e o preconceito”.

Em seu primeiro trabalho autoral, o EP Amores, Cores e Flores, Alisson garante que o público vai reconhecer essa multiplicidade, encontrando desde o violão do ídolo Bob Dylan às sonoridades da Jovem Guarda e da Tropicália.

Nova fase

Os frequentadores de barzinhos em Ponta Grossa certamente já ouviram Alisson Camargo tocar e cantar, indo do folk à MPB. Já nos pubs, o músico assumia a guitarra e o microfone com a banda Camargo e os Bacanas. As crianças também já o (ou)viram tocando baixo junto com a banda Casa Cantante. Ele também é presença certa aos finais de semana na Frederica’s Koffiehuis, em Carambeí, e já se apresentou em diversos festivais, como o Festival Universitário da Canção (FUC) e o Sexta às Seis. A sua identidade vocal, dizem, é muito parecida com a de Nando Reis, de quem ele também é fã. E aí, lembrou?

Depois de 16 anos na música e com uma carreira consolidada, Alisson investe agora na música autoral, o seu sonho. Ele conta que, quando aprendeu a tocar um instrumento, aos 15 anos de idade, as primeiras músicas que interpretou eram compostas por seu irmão, Dennis. “Então, posso dizer que a minha vida na música iniciou por meio de composições próprias. Considero importante o artista mostrar as suas composições, as pessoas ouvirem o que temos a dizer por meio da nossa música. É sair da posição de conforto de um repertório de artistas já consagrados para expor a sua versão, a sua leitura do mundo”, afirma.

“A gente conhece música de artistas do Brasil inteiro, mas não conhece a música do vizinho da esquina” (Alisson Camargo)

Música independente

O músico destaca ainda a importância de o público local valorizar os trabalhos autorais. Segundo ele, as plataformas digitais trouxeram a possibilidade de ouvir aquilo que está próximo e que, infelizmente, não toca no rádio. “A gente conhece música de artistas do Brasil inteiro, mas não conhece a música do vizinho da esquina”, reflete.

Para além de plataformas de streaming (como Spotify, Deezer, Apple Music, YouTube Music, entre outras), ele defende também a necessidade de sensibilizar as rádios locais para que insiram trabalhos de músicos independentes na programação. “Tenho certeza de que isso seria uma boa forma de apoio à arte e à cultura local, e lhes renderiam uma boa publicidade”, aponta.

Ser reconhecido e valorizado pelo seu trabalho é algo que todo mundo sonha, mas, como compositor, Alisson almeja mais: que a sua música encontre o público, chegue às pessoas e tenha um sentido para elas. “Quero que, de alguma maneira, a mensagem que a música carrega agregue algo positivo na vida de cada um que a ouvir. Que emocione, que faça rir, que represente algo. Para mim, a música precisa ter uma mensagem útil, ela não é somente entretenimento, é a trilha sonora da nossa vida.”

Amores, Cores e Flores

O EP Amores, Cores e Flores está chegando ao público em pequenas doses, com uma música por mês. O público já pode ouvir as músicas “O Esquecido”, “Amores, Cores e Flores” e “Dia Ruim”, e até o final do ano serão lançadas ainda “Pé de Amora”, “Bart Aqui”, “A Valsa”, e “Loves, Colors and Flowers” (versão em inglês e remixada). Todas elas têm a sua particularidade, que vão mostrar a versatilidade defendida por Alisson.

“Estou muito feliz com o feedback das pessoas, é mágica a leitura que elas fazem das composições. Outro dia, uma senhora comentou em uma postagem minha que tinha adorado ‘Dia Ruim’. Ela havia passado por problemas graves de saúde e disse que se sentiu motivada pela letra da música. Não há o que pague isso: saber que, por meio da sua música, você pode levar conforto e motivação a alguém em um momento difícil”, relata o compositor. Nesta canção, Alisson reuniu diversas participações especiais de artistas ponta-grossenses: Bianca Rocha (que mora atualmente no Canadá), Bárbara Stacheski (hoje na Alemanha) e David Barros (da banda Cadillac Dinossauros).

Aliás, toda a produção do álbum está sendo feita em Ponta Grossa. As gravações aconteceram na Do It Music Center e no Estúdio Jardim Piralinda, e a mixagem e masterização estão a cargo do Studio Tarcísio Marenda (exceto “O Esquecido”, que foi produzido por Sanjai Siri, em São Paulo). Vários músicos locais participam da produção, como Nicolas Pedrozo Salazar, Gustavo Mayer, Luiz Vinicius e Alexandre Mello. Completam a lista o artista visual Felipe Berger e a produtora audiovisual Bel Zan.

Por Eduardo Godoy | Fotos: Nicolas Pedrozo Salazar