Mário Novelli morava em Santo André/SP e foi um dos 25 mil soldados brasileiros que embarcaram junto à Força Expedicionária Brasileira – FEB, para combater o nazifascismo, em solo italiano, entre 1944 e 1945. Ele era da 8ª Companhia, III Batalhão, do 6º Regimento de Infantaria.
Desde quando foi convocado para os treinamentos, ainda no Brasil, ele manteve o costume de escrever em um diário e o fez durante o internato, durante a viagem de travessia para Europa e nos dias em que serviu na Companhia de Comando do III Batalhão. Porém, Mário morreu jovem, aos 39 anos de idade, vítima de problemas cardíacos, agravados por uma depressão profunda, que hoje se conhece como estresse pós-traumático, fruto dos dias que passou na Itália.
O diário dele seria apenas mais uma história em um baú de família, se não fosse o empenho do sobrinho-bisneto dele, Gerson Doria, que se interessou pelo assunto, sempre falado entre os parentes, mas, nunca exteriorizado para outras pessoas. Ele foi atrás do diário e acabou encontrando mais de 50 fotos do tio-bisavô combatente.
Foi aí que ele conheceu o jornalista, professor doutor, Helton Costa, pesquisador sul-mato-grossense e apaixonado pelos estudos sobre o Brasil na Segunda Guerra. Quando os dois conversaram, nasceu ali mesmo a obra “Dias de quartel e guerra: diário do Pracinha Mário Novelli” (Editora Matilda, 2021).
Helton pesquisa a participação brasileira na guerra há quase duas décadas e tem dois livros sobre o tema. A ele coube transcrever e inserir as notas explicativas dos termos, locais, batalhas e pessoas citadas no diário. “Quando eu li o diário, foi paixão à primeira vista. A história era muito interessante e cobria um período pouco tratado na historiografia brasileira, que é o tempo de internato no interior de São Paulo, para adestramento da tropa. No caso do batalhão dele, foi em Araçatuba. Mário escrevia muito bem e o diário mostra seu lado humano, com seus amores, seus momentos de ira e suas decepções”, explica o jornalista.
“O meu tio avô encerrou dizendo que um dia sonhava em ver aquele diário publicado em forma de livro. Morreu muito jovem e não teve esta oportunidade. Agora, mais de 75 anos depois, o trazemos de volta para nos contar, por meio de seus escritos, como foram aqueles dias de incerteza, medo e também de glórias. Ele perdeu amigos íntimos e viu companheiros que ele considerava como irmãos, serem feridos e mandados para hospitais. Com tudo acontecendo ao redor, ele tinha que manter a cabeça fria e continuar na missão dele, que era ser uma espécie de faz-tudo dentro do batalhão, trabalhando com remuniciamento, como motorista, tirando hora e mesmo guarnecendo pontos estratégicos”, explica Gerson.
Sobre Mário
Mário era o filho mais novo de sete irmãos. O pai e a mãe dele eram imigrantes que vieram de Buti/Toscana e de Arezzo. Chamavam-se Giuseppe e Gemma.
O Pracinha serviu no exército, foi dispensado e reconvocado em 1942, um pouco antes de o Brasil entrar na guerra. Já estava com 27 anos de idade quando foi chamado. Largou o trabalho como tapeceiro e voltou para o exército. Era uma pessoa calma, instruída e um amante do cinema. Todo tempo livre que tinha, se dedicava a contemplar a sétima arte. Em 1942 comprou um caderno e começou a registrar tudo o que acontecia no quartel. Por isso, o livro abrange de 1942 até agosto de 1945.
Mário também fazia questão de registrar os bons momentos e alguns treinamentos, em fotografias. O livro conta com mais de 50 registros fotográficos no Brasil e na Itália.
“Meu tio-bisavô era uma pessoa bastante adiantada para a época. Lia muito bem, escrevia muito bem, falava italiano fluente, pois, trazia a herança cultural de casa, e ainda entendia e conversava um pouco em inglês. Tanto é verdade, que a gente nota que era para ele ir para infantaria, como integrante de algum grupo de combate (ele era campeão de tiro), mas, os superiores o puxaram para servir junto ao posto de comando do batalhão”, explica Gerson Doria.
“Talvez por conta desta carga intelectual que ele trazia consigo, que era natural dele, a guerra se mostrou bastante bruta para o Mário. Com o tempo, tudo que ele vivenciou foi afetando a sua saúde física e ele faleceu em 1954, apenas nove anos depois da guerra, sem deixar nenhum descendente e sem nunca ter sido casado”, explica Helton.
Desejo realizado
No final do diário, Mário deixou um aviso para quem fosse ler aquelas palavras. Ele escreveu: “não façam caso das minhas palavras alterando cartas que já tenho escrito, porque já estou acostumado com a nossa gíria, e também gosto de falar demais. Até gostaria de ser um escritor escrever um grande livro para mostrar ao mundo o que é a guerra”. Gerson e Helton cumpriram a vontade do autor, apenas fazendo as correções/atualizações ortográficas e gramaticais e inserindo notas de rodapé quando necessário.
O livro está à venda no link https://clubedeautores.com.br/livro/dias-de-quartel-e-guerra
Sobre os autores
Gerson Doria é profissional de Recursos Humanos e foi o sobrinho-bisneto que pesquisou as lembranças familiares e acabou por descobrir uma relíquia que agora colaborará com história nacional social e militar. Foi ele quem digitalizou fotos e conferiu documentos originais da família. Mora em Santo André/SP.
Helton Costa é o autor dos livros “Confissões do front: soldados do Mato Grosso do Sul na Segunda Guerra Mundial” (2013/Arandu) e “Crônicas de Sangue: jornalistas brasileiros na Segunda Guerra Mundial” (2019/Clube de Autores). É doutor em Comunicação e Linguagens, especialista em Arqueologia e Patrimônio e fez estágio pós-doutoral em História. É natural de Dourados e criado em Ponta Porã, ambas cidades do MS. Atualmente reside em Ponta Grossa/PR.
da Assessoria