Em 2017, aos 40 anos de idade, Andreia Tokutake enfrentou um quadro de depressão. Para dar a volta por cima, ela entrou com tudo no mundo do fisiculturismo. E hoje, aos 46 anos, a ponta-grossense já acumula diversos prêmios nacionais e internacionais dentro do esporte. Além de ter restaurado a saúde mental, ela construiu um “shape” invejável e se tornou exemplo de disciplina e persistência.
Por Michelle de Geus
A ponta-grossense Andreia Tokutake descobriu o fisiculturismo em 2017, aos 40 anos de idade, quando já era mãe de três filhos. Foi nessa época que ela iniciou a sua carreira como atleta da modalidade. O primeiro campeonato surgiu apenas um ano mais tarde, em 2018. E, de lá para cá, ela já acumulou inúmeras conquistas, que exibe com orgulho na estante, na forma de troféus e medalhas. A vitória mais recente foi em julho deste ano, com o título de campeã do Los Angeles Championships, nos Estados Unidos, considerada uma das mais importantes competições do fisiculturismo mundial.
Uma das principais influenciadoras no segmento esportivo em Ponta Grossa, Andreia, atualmente com 46 anos, compartilha a sua rotina de treinos e cuidados com a saúde para mais de 104 mil seguidores no Instagram, que enxergam nela um exemplo de força de vontade e persistência – e também um exemplo de que nunca é tarde demais para começar um esporte e até se destacar nele. Junto a isso, a fisiculturista auxilia outras pessoas a conquistarem os seus objetivos através de projetos voltados à saúde e bem-estar. Mas como ela se tornou um dos maiores ícones locais da musculação?
Esporte sério
O esporte sempre esteve presente na vida de Andreia. Desde muito jovem, a atleta frequentava academia, mantinha uma vida saudável e cuidava da alimentação. Ela chegou a fazer balé, jazz e a participar de provas de corrida. O fisiculturismo, porém, era algo que até então nem lhe passava pela cabeça. “O universo do fisiculturismo era muito distante de mim. Eu via as fotos de atletas nas academias, mas nunca me chamou atenção para que eu entrasse no esporte”, relata.
Isso começou a mudar em 2017, quando Andreia enfrentou um quadro de depressão e buscou algo que a desafiasse e exigisse mais do corpo e da mente. Ao pesquisar sobre o fisiculturismo, ela se apaixonou pelo esporte. “O ponto decisivo para que eu entrasse nesse mundo foi quando me falaram que era muito difícil. Aí eu soube que era isso mesmo que eu queria e que o fisiculturismo entraria na minha vida”, aponta. Entre as coisas que mais a atraíram ao esporte, ela cita justamente a intensidade de sua desafiadora prática. “O fisiculturismo não é uma brincadeira, muito menos uma vitrine de meninas bonitas que querem subir no palco para conseguir patrocínio. É um esporte sério, que exige muito esforço e muita dedicação”, define.
Paixão por desafios
O primeiro passo de Andreia foi buscar os melhores profissionais para preservar a sua saúde e feminilidade. “O meu objetivo nunca foi ganhar dinheiro com o fisiculturismo, mas ter mais qualidade de vida e saúde mental. Então, busquei profissionais qualificados que pudessem me ajudar e cuidar de mim”, explica. Mesmo com acompanhamento profissional, ela reconhece que a mudança foi desafiadora. “Você não acorda e decide que vai virar fisiculturista. Eu tive que ser muito forte, a minha cabeça teve que mudar, e esse processo tem que vir de dentro”, explica.
Os desafios são diários. Andreia vive uma rotina de sacrifício constante – compensado pela qualidade de vida que ela desfruta. Além dos treinos diários, de domingo a domingo, com duas horas de duração em média, ela precisa abrir mão de festas com a família e de jantares com os amigos para manter uma dieta rigorosa. Mas nada que ela não tire de letra. “O fisiculturismo é concentração o tempo todo, e isso, para mim, é apaixonante, porque eu sou uma pessoa que adora desafios. Eu não sou de desistir das coisas facilmente”, observa, reforçando que o empenho é recompensado com saúde e disposição.
Rotina regrada
O dia a dia de Andreia é regrado. Às 6 h, quando boa parte da população ainda está dormindo, o alarme avisa que é hora de ela ir treinar. Como dito anteriormente, Andreia passa cerca de duas horas na academia, entre musculação e exercícios cardiorrespiratórios. Um dos treinos mais exigentes, para ela, é o de glúteos. “Até hoje a elevação de quadril é um exercício difícil para eu fazer. Com a dieta, eu já sofri mais, mas agora eu consigo dizer que é tranquilo”, conta.
Engana-se quem pensa que a rotina da atleta termina quando ela sai da academia. Andreia comenta que a vida de atleta segue por 24 horas, em virtude dos cuidados com a alimentação. “Você precisa ficar atenta para pesar a comida, preparar as marmitas, respeitar os horários de comer e se concentrar para não cair em tentações”, aponta.
Além dos treinos, alimentação, consultas médicas regulares e campeonatos, ela divide o tempo entre a empresa onde trabalha, as aulas de inglês, os cuidados com a casa e as atividades como influenciadora. Por conta disso, ela entende que a falta de tempo para treinar não passa de uma desculpa. “Quando nós queremos, nós arranjamos tempo. É por isso que eu sempre falo que tudo começa pela cabeça. A pessoa tem que ser mais forte do que as próprias desculpas”, ensina.
O segredo para a conquista dos objetivos, na visão de Andreia, reside na disciplina. “Ninguém acorda motivado todos os dias. Às vezes eu também tenho preguiça de ir à academia. Mas a minha disciplina fala mais alto e eu saio de lá com o dever cumprido”, relata.
Uma pessoa feliz
Entre começar a levar o esporte mais a sério e participar da primeira competição, em 2018, Andreia levou um ano. Desde então – ou seja: dentro de apenas quatro anos –, ela já amealhou conquistas importantes no fisiculturismo. Entre as principais, foi vice-campeã sul-americana no Peru, em 2019; segunda colocada no sul-americano Olympia na Argentina, em 2021; top 2 no Mr. Olympia Brasil, realizado no mesmo ano; e, em 2022, primeiro lugar no Los Angeles Championships, na cidade americana de mesmo nome. “Quem não conhece o esporte pensa que o vice, o terceiro ou o quarto lugar não têm muito valor, mas, para você subir num palco no fisiculturismo, teve uma caminhada muito árdua e uma superação muito grande”, observa.
Apesar de contar com o apoio da família e dos amigos, Andreia admite que foi desafiador começar a competir aos 41 anos. Entre outros fatores, as comparações com atletas mais jovens eram quase inevitáveis. “Eu tive que ter um psicológico muito forte para acreditar que não era a idade que ia me limitar. Hoje, depois de tantos anos, eu sei que a minha única obrigação é comigo mesma, de subir no palco e apresentar o melhor ‘shape’ que eu consigo aos 46 anos de idade e com três filhos”, declara.
O corpo de Andreia mudou significativamente desde 2017. Embora a luta para aperfeiçoar o físico continue, ela afirma que, “no geral”, sente-se bem com o próprio corpo. “Me diz qual mulher está totalmente satisfeita com o próprio corpo… Nós sempre queremos mudar alguma coisa, não é?”, brinca. “Mas, no geral, eu olho no espelho e vejo uma pessoa feliz e gosto muito do jeito que eu estou”, observa, detalhando que as suas partes preferidas são o abdômen e os braços, mas que gostaria de afinar a cintura, melhorar os glúteos e aumentar as pernas. “Para mim, não há padrões. O corpo ideal é aquele com o qual você se sente bem e feliz”, pondera.
Mais fortes
Disciplina, foco e resiliência são alguns dos benefícios que o fisiculturismo trouxe para a vida de Andreia, diz a atleta. “Nós ficamos mais fortes, mas não falo da questão física, e sim mental”, comenta, observando que leva esses ensinamentos para todas as áreas da vida. “Nós percebemos que sempre podemos fazer um pouco mais e se dedicar um pouco mais. É um esporte lindo, de pessoas fortes mesmo”, reforça.
Apesar de todos os ganhos e alegrias proporcionados pelo esporte, Andreia relata que o fisiculturismo, como qualquer esporte, também trouxe alguns momentos desafiadores. “Houve um campeonato em que eu queria muito competir. Para isso, emagreci sete quilos em uma semana. Mas não consegui me classificar. Foi sofrido e frustrante”, confessa. Com o corpo e a mente mais preparados, ela conta que superou o momento com um excelente resultado no campeonato que veio logo em seguida.
E, por falar em alegrias, um dos maiores prazeres na vida de um fisiculturista, para a atleta, é justamente o de subir em um palco. “Não é fácil chegar até lá. É como se você tivesse passado meses estudando e, no dia da prova, conseguisse tirar uma boa nota. É uma felicidade imensa”, descreve.
Na opinião dela, não há uma idade específica para o atleta parar de competir. No entanto, embora haja pessoas de 70 anos que ainda participem de campeonatos, a maioria encerra a carreira por volta dos 50 anos. “Penso que é até onde o seu corpo ainda está competitivo, e isso vai muito do ‘feeling’ de cada treinador e de cada atleta. Eu ainda não sei quando vou parar. Pretendo fazer mais competições”, planeja.
Musa inspiradora
A dedicação de Andreia ao fisiculturismo é tamanha que ela se tornou exemplo de superação e força de vontade. “As pessoas reagem com admiração [ao desempenho dela no esporte], e eu fico muito feliz em poder inspirar os outros a acreditarem que também podem fazer aquilo que têm vontade”, afirma.
Uma das formas que ela encontrou de agradecer àqueles que a acompanham e incentivam foi através do projeto “Você Pode Mais”, que tem como objetivo mudar os hábitos de vida e resgatar a autoestima dos participantes. Criado em 2018, o projeto oferece gratuitamente acompanhamento de nutricionista e “personal trainer”, de forma on-line ou presencial, por três meses. “Esse projeto é a minha menina dos olhos. É muito gratificante ajudar as pessoas a acreditarem que tudo é possível”, define.
Afinal, qual é o segredo?
O segredo para se tornar um campeão, no entendimento de Andreia, consiste em manter a humildade. “Nós nunca podemos achar que já sabemos tudo e que já chegamos ao maior nível possível. Temos que buscar sempre a nossa superação e aprender todos os dias”, ensina. Como parte dessa busca pela humildade, ela acrescenta que o bom atleta não pode se deixar iludir por títulos e conquistas. “O maior atributo de um fisiculturista é saber que chegou lá, mas com os pés no chão e tendo consciência de que não é para sempre. Hoje você está no auge, mas amanhã você pode se deparar com um atleta um pouco mais preparado”, alerta.
Como conselho para quem sonha em se tornar fisiculturista, Andreia deixa as mesmas palavras que ouviu no início da carreira. “Tenha paciência, que o seu corpo vai responder. Não queira ganhar tempo e pegar atalhos para que o seu ‘shape’ cresça mais rápido”, sugere.
Outro aspecto importante, segundo ela, consiste em estar ciente de que a jornada é longa. E que, para enfrentá-la, é necessário aproveitar o processo. “Do primeiro ao último lugar, todo fisiculturista é um campeão. Todos que estão ali passaram pelo mesmo processo de tomar água, comer pouco e treinar muito”, afirma. “A beleza do esporte é que todos os competidores estão em uma condição excelente. O que diferencia o primeiro do último lugar são detalhes que o árbitro decide na hora. Acredite em você e nunca se subestime.”
Fotos: Paola Antunes
Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #292 Setembro de 2022.