A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aumentou a indenização que um laboratório terá de pagar ao espólio de uma paciente que desenvolveu compulsão por jogos ao usar remédio para tratamento da doença de Parkinson. Ela dilapidou todo o seu patrimônio em decorrência do efeito colateral do medicamento – que não constava da bula na época em que ele foi utilizado.
Diagnosticada com Parkinson em 1997, a paciente passou a usar o medicamento Sifrol, cuja dose foi aumentada por recomendação médica em dezembro de 1999. No período de julho de 2001 a setembro de 2003, ela desenvolveu o chamado jogo patológico e acabou perdendo mais de R$ 1 milhão. A compulsão terminou tão logo o uso contínuo do medicamento foi suspenso.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) condenou o laboratório a pagar danos morais e 45% da perda patrimonial, pois reconheceu a culpa concorrente da paciente por ter utilizado o remédio em dosagem maior do que a recomendada.
A ministra Nancy Andrighi, relatora dos recursos do laboratório e do espólio da paciente – que morreu no curso do processo –, afirmou que o caso deve ser resolvido com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), pois diz respeito a acidente de consumo, na modalidade fato do produto, uma vez que o medicamento não teria oferecido a segurança legitimamente esperada pelo usuário, em virtude da falta de informações sobre os riscos.
A relatora ressaltou que, no caso de medicamentos, o fabricante tem o dever de informar sobre o risco inerente ao seu uso, como previsto no artigo 9º do CDC – cuja violação caracteriza defeito do produto e gera a responsabilidade objetiva do fornecedor pelo dano causado.
“O fato de um medicamento causar efeitos colaterais ou reações adversas, por si só, não configura defeito do produto se o usuário foi prévia e devidamente informado e advertido sobre tais riscos inerentes, de modo a poder decidir, de forma livre, refletida e consciente, sobre o tratamento que lhe é prescrito, além de ter a possibilidade de mitigar eventuais danos que venham a ocorrer”, disse.
Segundo a ministra, ficou comprovado no processo que o jogo patológico – doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – foi efeito colateral do medicamento e que tal risco não constava da bula naquela época (atualmente, a bula alerta sobre essa possibilidade).
Para a relatora, a responsabilidade da empresa não pode ser afastada sob a alegação de se tratar de risco inerente ao desenvolvimento do produto, o qual não podia ser conhecido ou evitado no momento em que o medicamento foi colocado em circulação. Afinal, disse Nancy Andrighi, o defeito já era existente desde o momento da concepção do produto, “embora não perceptível a priori, caracterizando, pois, hipótese de fortuito interno”.
A ministra considerou ainda que a culpa concorrente do consumidor não está elencada nas hipóteses que excluem a responsabilidade do fabricante, previstas no parágrafo 3º do artigo 12 do CDC. Para ela, a responsabilidade por eventual superdosagem ou por problemas com interação medicamentosa não pode recair sobre o paciente que segue estritamente as recomendações do seu médico – como no caso.
Ao afastar a culpa concorrente, Nancy Andrighi determinou o pagamento integral dos danos materiais. Levando em conta que a vítima tinha doença de Parkinson e que, por causa da compulsão, deixou de trabalhar como advogada quando já estava com mais de 50 anos, “fase de maior dificuldade de retorno ao mercado de trabalho”, a ministra aumentou o valor dos danos morais de R$ 20 mil para R$ 30 mil.
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Informações: Superior Tribunal de Justiça Imagens: Freepik