Domingo, 05 de Maio de 2024

Debate D’P: Taxar grandes fortunas reduz a desigualdade social?

2023-05-01 às 14:16
Foto: Reprodução

Em tempos de crise, costuma ressurgir um tema que, na visão de alguns, é a saída ideal para tornar a sociedade um pouco menos desigual e contribuir para o desenvolvimento econômico como um todo: a taxação de grandes fortunas. Mas será que funciona? Veja a opinião de quatro especialistas

Por Vitor Carvalho

Os reflexos da pandemia do novo Coronavírus ainda afetam a economia global. Nos últimos anos, inúmeros países deixaram de crescer, moedas se desvalorizaram e a inflação subiu. No Brasil, a COVID-19 causou um profundo impacto na economia e colocou em evidência a desigualdade social. Em momentos de crise como esses, costuma ressurgir um tema que, na visão de alguns, é a saída ideal para criar recursos contra essa realidade e tornar a sociedade um pouco menos desigual: a taxação de grandes fortunas. Apesar de o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) constar na Constituição Federal, esse tributo nunca foi regulamentado no Brasil.

Já em outros países houve a sua implementação, com casos que deram certo e outros que não funcionaram como o esperado. A vizinha Argentina possui uma relação única com esse tributo. Por lá, o IGF existe desde 1973 e foi modificado diversas vezes. No começo, a arrecadação desse tributo representava 4% da economia, mas hoje não passa de 2%. Historicamente, o país sofre com a fuga de capitais devido à instabilidade econômica e a falta de segurança governamental.

Na Europa, quase todos os países ocidentais já implementaram esse tipo de imposto em algum momento, com exceção de Portugal, Bélgica e Reino Unido. Muitos deles já revogaram a tributação, principalmente em virtude da baixa arrecadação em comparação com os seus respectivos Produtos Internos Brutos (PIBs) e a possibilidade de fuga de capital. Um dos últimos países a abolirem o imposto foi a França, em 2017. Como justificativa, o presidente Emmanuel Macron alegou a facilidade para ser burlado e a transferência de capital para paraísos fiscais.

No entanto, três países europeus ainda persistem com o IGF. Na Espanha, as alíquotas variam de 0,5% a 2,5% e são tributados indivíduos com patrimônios acima de R$ 3,8 milhões. Já na Noruega e na Suíça, a cobrança é descentralizada e a arrecadação fica por conta dos governos regionais. Além disso, somente pessoas físicas são afetadas, e, em ambos os países, a alíquota não ultrapassa 1%.

E, na realidade brasileira, será que é possível aprovar e fazer funcionar esse imposto? É o que os nossos quatro convidados tentarão responder na página ao lado.

SÓ FUNCIONA SE FOR BEM FEITO

“O Imposto sobre Grandes Fortunas tem muito apoio popular. Contudo, apesar de sua ampla base tributária, que inclui todo o patrimônio pessoal do contribuinte, como imóveis, depósitos bancários e ativos financeiros, a sua arrecadação se mostrou baixa, tendo sido abolido na década de 1990 em vários países da Europa. As causas para a baixa arrecadação estão no elevado limite de isenção, nas baixas alíquotas, na não-incidência sobre pessoas jurídicas, na transferência da riqueza financeira para paraísos fiscais e na subavaliação dos imóveis. Por outro lado, os países que mantiveram esse tributo desenvolveram uma legislação e uma administração bem detalhada e complexa, verificando-se que o IGF tende a ser mais eficiente com menor número de alíquotas, limite de isenção mais baixo, abrangendo pessoas jurídicas, tributação especial para não residentes, e presença de normas ante evasões severas. Se o Brasil seguisse essa linha, o IGF seria uma importante fonte de arrecadação. Mas, se isso não for possível, seria melhor ajustar a legislação do Imposto de Renda para se ter uma justiça social maior. Além disso, pensar em como cobrar o estudo nas universidades públicas e diminuir os subsídios dados às grandes empresas”

Foto: Divulgação

Celso José Costa Júnior, professor do curso de graduação em Economia e do mestrado em Economia da UEPG

HÁ ALTERNATIVAS MAIS RAZOÁVEIS E REALISTAS

“Em um país de grande desigualdade como o Brasil, o IGF tem um apelo considerável. A ideia de tributar mais quem tem mais não é incorreta. A questão central do IGF é saber qual a base de cálculo a ser adotada. Será sobre dinheiro, investimentos, herança, imóveis? Será cobrado sobre os maiores salários também? Será cobrado da pessoa física? Se sim, os bens iriam para a pessoa jurídica e vice-versa. E o que é uma grande fortuna? Não haveria bitributação? Juros, lucros, imóveis, veículos já são tributados. Muitos países já adotaram esse imposto e resolveram abandoná-lo pela sua baixa arrecadação frente ao que era esperado. Os muito ricos contam com consultorias tributárias eficientes. Há ainda a questão da mobilidade de capital e do crescente número de ativos, ou criptoativos, que tornariam a tributação muito difícil. Uma alternativa razoável e mais realista seria reduzir a tributação indireta – aquela que está ‘embutida’ no preço dos produtos e que, portanto, é mais regressiva – e aumentar o imposto incidente sobre o fluxo de riqueza daqueles com maior capacidade contributiva. Teríamos assim uma tributação mais justa e transparente”

Foto: Fábio Ansolin

Cleise Maria de Almeida Tupich Hilgemberg, professora do curso de graduação em Economia e do mestrado em Economia da UEPG, e diretora do Centro de Educação Empreendedora (CEE-UEPG)

SUPER-RICOS PRECISAM CONTRIBUIR MAIS

“Acredito [que pode reduzir a desigualdade social], até porque uma reforma tributária justa e solidária precisa levar justiça ao sistema brasileiro de tributação. Ou seja, dividir de forma mais equilibrada a carga tributária, sem pesar tanto para quem ganha menos, como acontece atualmente. E uma tributação mais efetiva sobre lucros e dividendos, sobre o patrimônio e sobre grandes fortunas, sempre foi uma bandeira da nossa bancada no Congresso. Temos um exemplo de injustiça tributária agora, com a falta de reajuste na tabela do IR [Imposto de Renda]. A última correção foi em 2015, e os governos Temer e Bolsonaro ignoraram o assunto completamente, deixando o ônus para o assalariado, aprofundando ainda mais a injustiça tributária no país. Temos que mudar essa lógica segundo a qual quem pode mais paga menos do que aqueles que podem menos. Vem daí a importância da pauta de taxar os mais ricos e combater a concentração de renda, que continua nas mãos de um seletíssimo grupo. O tributo sobre grandes fortunas já existe em alguns países desenvolvidos. Por que não podemos fazer uma discussão honesta no nosso país a respeito disso? Os detentores de grandes fortunas precisam contribuir mais para o financiamento do Estado e o desenvolvimento socioeconômico brasileiro”

Foto: Divulgação

Enio Verri, deputado federal, economista e professor de Economia

CAMINHO PARA A IGUALDADE É OUTRO

“Não há exemplo na história de que a taxação de fortunas, afugentando o capital, tenha ajudado no crescimento econômico e na redução da desigualdade. O que leva a uma maior e mais duradoura igualdade social são o fortalecimento das instituições democráticas e o investimento em educação, infraestrutura, tecnologia e produção, o que só ocorre em um ambiente de cooperação público-privado de capital. É muito provável que a taxação de grandes fortunas, já a médio prazo, reduza a arrecadação de tributos pelo Estado devido à fuga de capital e à redução de investimento privado, dificultando ainda mais a busca pela igualdade social. Vale lembrar que o PIB Potencial do Brasil – que é a taxa de crescimento que não pressiona o capital disponível, a oferta de mão de obra e a capacidade de produção – já é muito baixo, e, sem que haja investimentos nas áreas citadas com a ajuda do capital privado, medidas de transferência de renda [expansão de crédito] levarão a um aumento da inflação, altas taxas de juros, menor crescimento e, por fim, recessão, afastando-nos ainda mais da igualdade social. O mundo pós-COVID e pós-guerra da Ucrânia está ligado no modo protecionista, o que já dificulta a captação de recursos externos para investimentos no Brasil. Assim, não me parece que promover a fuga do capital privado seja um bom caminho”

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Maurício Scheffer, empresário, CEO da Scheffer Capital Group Ltd

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #294 Março/Abril de 2023