Quarta-feira, 11 de Junho de 2025

Endividamento atinge 78,2% das famílias; UEPG promove projeto gratuito de educação financeira

Atendimento gratuito ajuda a mapear dívidas, renegociar valores e reorganizar a vida financeira de quem já não consegue pagar nem as despesas básicas
2025-06-10 às 12:02
Da esquerda para a direita: Andressa e Cleise | Foto: Edu Vaz- D’Ponta News

O programa ‘Manhã Total’, da Rádio Lagoa Dourada (98.5 FM), apresentado por Eduardo Vaz e Rudolf Eric Christensen nesta terça-feira (10), destacou um projeto da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), em parceria com o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), voltado ao atendimento e educação financeira de pessoas superendividadas. A ação é conduzida pelas professoras Cleise Maria de Almeida Tupic, do Departamento de Ciências Econômicas, e Andressa Pacenko Malucelli, do Departamento de Direito. O projeto é gratuito e busca não apenas auxiliar quem já perdeu o controle financeiro, mas também conscientizar a população sobre as causas do endividamento. Ele ocorre no Centro de Educação Empreendedora, ao lado do campus central da UEPG, com triagens presenciais e agendamento via WhatsApp.

Endividado ou superendividado?
Durante a entrevista, as professoras explicaram a diferença entre estar endividado e superendividado. A professora Andressa Malucelli destacou que o endividado é aquele que tem dívidas, mas ainda consegue pagá-las. Já o superendividado entra em outra categoria, reconhecida em lei. “É preciso que a pessoa física tenha contraído dívidas de boa fé e com a intenção real de pagar, não de forma maliciosa. Além disso, o valor total das dívidas deve estar prejudicando a pessoa no pagamento de suas necessidades elementares”, afirmou.

Para a professora Cleise, esse cenário tem raízes históricas e sociais. “Isso é histórico, se considerarmos a década de 80, a nossa questão de economia já não nos permitia fazer um planejamento e isso era por conta da inflação muito rápida”, explicou. Segundo ela, o brasileiro ainda não tem o hábito de planejar o futuro financeiramente, o que favorece o comportamento de consumo imediato. “Ao você empilhar, você se esquece que o cartão de crédito tem juros e a fatura chega e que você tem que pagar”, alertou.

A professora lembra que, mesmo diante de uma renda baixa, o controle é possível. “Por menor que seja o salário da gente, com a educação financeira se consegue”, afirmou. Ela também reforça que a dor do bolso é uma das mais sentidas. “A parte que mais dói do corpo humano é o bolso”, brincou.

Endividamento ainda afeta maioria das famílias brasileiras
A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) revelou que a proporção de famílias com dívidas a vencer subiu de 77,6% em abril para 78,2% em maio. Os dados são coletados junto a cerca de 2.200 consumidores no município de São Paulo.

A pesquisa considera como dívida parcelas no cartão de crédito, cheque especial, carnês de loja, crédito consignado, empréstimos pessoais, cheques pré-datados e financiamentos de imóveis e veículos. O cartão de crédito segue como o principal vilão do orçamento, citado por 83,6% dos endividados como a modalidade mais utilizada.

O número de consumidores com contas em atraso também cresceu: passou de 29,1% para 29,5% no intervalo de um mês. E aumentou ligeiramente a parcela daqueles que declararam não ter condições de pagar dívidas vencidas, saltando de 12,4% para 12,5%.

Um recorte por faixa de renda mostra que o endividamento caiu entre as famílias com renda de até três salários mínimos (de 81,1% para 81,0%), mas aumentou entre as demais. Na classe média baixa (três a cinco salários), a proporção subiu de 79,0% para 80,3%. Entre os que recebem de cinco a dez salários mínimos, o índice foi de 75,7% para 78,9%. Já nas famílias com renda acima de dez salários, houve uma leve alta, de 67,3% para 67,6%.

Quanto à inadimplência, a maior parte dos atrasos continua concentrada nas famílias de menor renda. Ainda assim, a inadimplência aumentou entre os consumidores da classe média baixa (de 27,8% para 28,9%) e da média tradicional (de 21,3% para 22,8%). Nas faixas mais altas, houve uma discreta queda.

Quando a situação sai do controle
A professora Cleise relatou que o projeto também recebe pessoas que já perderam o controle financeiro e veem suas vidas serem afetadas pela dívida. “Quando a situação do superendividamento chega a um extremo, o desespero é muito grande que a pessoa busca ajuda porque acaba abalando a saúde e família e se perde tudo o que tem”, disse. Ela aponta que esses casos costumam ser os mais receptivos ao processo de reeducação. “Pensam ‘eu não quero entrar nisso de novo’”. Já para a professora Andressa, o grande erro é esperar chegar nesse ponto. “O maior erro das pessoas é chegar nesse extremo e não buscar ajuda”, pontuou.

Como funciona o projeto
O projeto atua com triagem e atendimento em dois formatos: para casos de orientação financeira, que são encaminhados ao Consultório Financeiro, e para casos de superendividamento, que seguem um processo estruturado baseado na Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021).

O primeiro passo é identificar todos os credores do consumidor. “Quando recebemos a pessoa no projeto, temos o trabalho de auxiliar a identificar quem são os credores porque muitas vezes a pessoa não consegue identificar”, explicou Andressa. A partir desse levantamento, o setor de Economia estabelece um plano de renegociação que considere a renda real do consumidor. “Quanto é possível aquele consumidor oferecer de pagamento levando em consideração o salário dele”, completou.

Ela enfatizou que o objetivo não é o perdão da dívida. “A ideia é que você consiga renegociar as dívidas de maneira justa e individualmente com cada credor”. A mediação é feita com apoio do Poder Judiciário, o que facilita o diálogo com as instituições financeiras. “Fazemos esse plano de renegociação e todos os credores são chamados para uma audiência”, explicou. Se algum credor não quiser negociar, o consumidor poderá acionar a Justiça futuramente. “No projeto ninguém vai obrigar o credor a aceitar a proposta, é uma tentativa”, disse.

O que pode ou não ser renegociado
Andressa esclareceu que nem todas as dívidas se enquadram na Lei do Superendividamento. Podem ser renegociadas: empréstimos consignados, pessoais, cheque especial, cartão de crédito, contas de água, luz, telefonia e dívidas em lojas. Já financiamentos de imóveis e veículos, dívidas tributárias (como IPTU, IR, ICMS, ISS) e pensão alimentícia não entram no processo.

Educação financeira começa na infância
A professora Cleise destacou que hoje já há iniciativas de educação financeira nas escolas, o que pode ajudar a mudar esse cenário no futuro. “Você vai mostrando a realidade para a criança. Essa educação que está sendo colocada gradativamente nas escolas faz com que as crianças levem para casa e questionem os pais”, comentou.

Ela também coordena o Consultório Financeiro, que funciona paralelamente ao projeto de superendividamento e ensina o planejamento familiar. “Embora tenha planilhas modernas disponíveis no celular, o ideal é anotar na boa e velha cadernetinha e, acima de tudo, acompanhar”, orientou.

O perigo do cartão de crédito
Segundo Cleise, o uso mal planejado do cartão de crédito é uma das principais armadilhas. “Você não se dá conta muitas vezes, mas ao renegociar aquilo antes de se ver o que deve, você assume uma segunda dívida. E depois nota que a parcela é maior do que aquilo que você ganha”, alertou.

Para ela, é essencial saber exatamente o que se deve e negociar com base nisso. “Deve-se olhar o que é a dívida, qual o valor e o que tem de juros embutidos”, disse.

Como buscar ajuda
O projeto funciona ao lado da UEPG Campus Central, no Centro de Educação Empreendedora. O atendimento pode ser presencial para tirar dúvidas, das 8h às 17h, com entrada pelo estacionamento da universidade (Rua Dr. Penteado de Almeida, nº 228 – Centro). Também é possível agendar um atendimento pelo WhatsApp (42) 3220-3320. “Se for um caso que já há características de superendividamento, infelizmente vamos ter que informar que já há uma lista de espera. Por conta disso que uma triagem vêm sendo feita, pois nem todos os casos chegaram ao superendividamento e podemos ajudar de outra forma”, finalizou Cleise.

Acompanhe o programa na íntegra:


Por Camila Souza.