Gislene Aparecida Cordeiro estava num canto do Restaurante Universitário cortando cenouras em formato de coração. Com a touca nos cabelos e o tradicional avental branco, tem os olhos atentos ao preparo da refeição para a comunidade universitária, sempre com um sorriso no rosto. Não é para menos: são 11502 dias de Universidade Estadual de Ponta Grossa. Com a aposentadoria no horizonte, ela é um dos símbolos de trabalho neste dia Dia do Servidor, comemorado hoje (28).
Era 02 de maio de 1993, dia em que ingressou como agente universitária na UEPG, e a primeira tarefa dentro da cozinha foi preparar 45 quilos de arroz. A incumbência foi recebida com certo receio. “Como é que vou cozinhar tanta comida assim, meu Deus?”, pensou, já que era arroz para um batalhão de mais de 1500 pessoas. “Mas eu fui fazer, porque adoro aprender as coisas, né”, conta Gisa, como é conhecida entre os colegas. Junto com a nova rotina, ela trouxe o talento artístico, desenvolvido em artesanatos que fazia antes de entrar na Universidade.
A arte de Gisa, então, invadiu o RU do Centro. Ao passar pela catraca, pegar o prato e servir a comida, as pessoas sempre se deparam com alguma “invenção”: flores feitas com tomate e salsinha; um urso na banheira, de arroz e feijão; ou um carrinho de cenoura e abobrinha. O motivo? “Adoro enfeitar, deixar as coisas mais bonitinhas, mais alegres. Por mim, todo dia era dia de cabelo maluco, de enfeite nas mesas”, ri. Mesmo depois de trabalhar por um tempo na Fazenda Escola e mais de uma década na Secretaria do curso de Direito, cada data era motivo para trazer alguma cor para os lugares.
O passado é sempre bom
A servidora retornou para o trabalho no RU em 2017, mesmo local onde tudo começou na UEPG. E o recomeço sempre traz à tona memórias. “A gente tinha que escolher o feijão e o arroz, cortar as batatas à mão, dobrar os guardanapos, e assim íamos fazendo as coisas”, pontua. A vivacidade da juventude de outrora faz Gisa pensar que, mesmo tendo que fazer tudo manualmente, as coisas eram mais fáceis. “A gente trabalhava tanto, e eu sempre estive muito alegre e animada com as minhas tarefas”, ressalta. Algo que não sai das recordações alegres são os dias de Festival Nacional de Teatro (Fenata) e de Jogos Estudantis da Primavera (Jeps).
“Enchia de pessoas no pátio, a gente chegava aqui no RU de madrugada para preparar o café da manhã dos artistas e também dos atletas, e depois ia embora de madrugada”, conta. Mesmo com a correria, ela não se arrepende de ter se doado ao trabalho. “Tinha dias que eu dormia aqui, porque a gente amava esses dias de evento e servir o pessoal, era muito gostoso”, afirma. Ver a Universidade cheia de gente, especialmente de alunos, sempre foi motivo para fazer brilhar os olhos de Gisa. “Quando eu entrei, a maioria dos cursos da UEPG eram no Centro ainda, então sempre tinham pessoas pelo pátio, conversando, pelas escadas… até hoje esse pessoal da época me para na rua pra me cumprimentar”, recorda.
Servidora, mãe e avó exemplar
Ver tanta gente passar pelos bancos universitários acendeu em Gisa o desejo de ver seus filhos também com um diploma de ensino superior. Mas o sonho só se tornou realidade com os netos: ela estava empenhada nos serviços da cozinha, quando veio a notícia da aprovação da neta no curso de Letras da UEPG. “Eu soltei um grito tão alto, meu Deus, que alegria. Comecei a ligar pra todo mundo. Meus filhos não quiseram estudar, mas meus netos irão seguir por esse caminho [de estudos]”, pondera. Foi uma vitória dupla para a avó que criou três dos sete netos, depois do falecimento da filha, há 16 anos.
“Peguei meus netinhos crianças, uma com dois aninhos, outra com seis e o mais velho com dez”, pontua. Não tem como se recuperar da perda de uma filha, mas Gisa seguiu. Criou pessoas da família e viu crescer muitos jovens que passaram pela UEPG. Valeu tudo à pena. “Eu amo muito trabalhar aqui”, disse depois de deixar cair uma lágrima. Foi uma vida inteira dedicada a uma instituição que a acolheu ainda jovem. “Eu trabalhava como diarista antes de entrar, e acabei fazendo muita coisa aqui dentro, não foi apenas cozinhar. E tudo eu fiz com amor”, assegura. A UEPG é a primeira casa de Gisa. “A maior parte do meu dia eu passo aqui dentro, e fazer parte disso aqui é algo que vou levar pro resto da minha vida”, finaliza.
da assessoria