Quarta-feira, 02 de Abril de 2025

Projeto da UEPG capacita alunos e professores no combate à desinformação

2025-04-01 às 14:52
Foto: Daniel Américo

Dados de uma pesquisa de 2024 do Instituto Locomotiva, divulgados pela Agência Brasil, revelam que oito em cada dez brasileiros já deram credibilidade a notícias falsas em diferentes meios. E os assuntos eram variados: 64% estavam relacionados à venda de produtos, 63% diziam respeito a propostas em campanhas eleitorais, 62% envolviam políticas públicas como vacinação, e outros 62% tratavam de escândalos envolvendo políticos. Adicionalmente, 57% dos casos envolviam conteúdos mentirosos sobre economia, e 51% estavam relacionados a notícias falsas sobre segurança pública e o sistema penitenciário.

Para tentar mudar essa realidade em âmbito local, a UEPG integra o Programa de Combate à Desinformação do Supremo Tribunal Federal desde 2022, com o projeto de extensão “Combate à Desinformação nos Campos Gerais”, que iniciou formações em algumas escolas de Ponta Grossa e que neste ano, com financiamento da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Paraná (Seti), expandiu-se para outro município, com o “Propostas didáticas para combater a desinformação em escolas públicas de Teixeira Soares/PR”.

As formações e atividades estão a cargo de professores e alunos dos campos do Jornalismo, História, Educação e Direito, com o objetivo de preparar os alunos para que apliquem os conhecimentos também em suas famílias. “A gente ouviu professores dizendo que os alunos vêm falando que conheceram as coisas através do WhatsApp da tia, do WhatsApp do pai, da mãe”, comenta um dos coordenadores do projeto e professor Associado do Departamento de Educação, Alessandro de Melo.

Alessandro recorda ainda que as pessoas frequentemente buscam informações em suas bolhas de confiança, grupos em que se sentem seguros e onde depositam sua credibilidade. “E, então, ali a pessoa não busca diversidade, não busca o contraditório, e isso também complica a situação”, diz.

Além das atividades nas escolas, o Projeto de Combate à Desinformação mantém um programa audiovisual (com duração média de 15 minutos), em que entrevista profissionais, pesquisadores ou lideranças comunitárias que estudam aspectos que envolvem o complexo fenômeno da desinformação.

Afinal, o que é desinformação?

No entendimento dos membros do Projeto de Extensão, desinformação pode ser descrita como “um termo que envolve um conjunto de práticas ou mesmo estratégias que levam à veiculação de informações que descaracterizam o compromisso social que marca a circulação informativa. Uma notícia descontextualizada, um boato que compromete uma campanha educativa, a omissão de autoria informativa, a atribuição de fatos a pessoas ou entidades erroneamente ou mesmo a negação de dados e registros comprovados pela ciência, todas situações que, via de regra, registram algum potencial enganoso e prejudicial aos interesses coletivos”, explica o professor do Departamento de Jornalismo, Manoel Moabis. “Tais práticas, dentre inúmeras outras, caracterizam desinformação, que colocam em risco políticas públicas que garantem condições de vida digna às pessoas, ou ainda ameaçam a democracia, o acesso à cidadania e o próprio estado (constitucional) de direito”.

O professor Adjunto do Departamento de Direito das Relações Sociais, Volney Campos dos Santos, que também é um dos coordenadores do Projeto de Extensão, lembra que o fenômeno da desinformação afeta os mais diversos campos sociais. “É fundamental identificar os riscos e ameaças que a desinformação representa na vida cotidiana, na medida em que enfraquece e deslegitima políticas públicas e a própria manutenção de regimes democráticos”, explica Volney, acrescentando que não é por acaso que vários países do mundo já se preocupam com o assunto e buscam legislações para garantir e, de certa forma, conter a falta de transparência informativa que as grandes corporações digitais (plataformas big techs) impõem a partir da internet, redes sociais e telefonia.

Combater é preciso

Sobre o combate às notícias falsas, o professor Alessandro de Melo ressalta a importância do trabalho de checagem para que sua disseminação seja reduzida ou extinta. “As empresas de checagem de notícias cumprem um papel super importante. São pessoas dedicadas a filtrar o que é falso e o que é notícia, e a proporcionar uma experiência com informações verdadeiras. A gente tem que valorizar essas empresas. É uma pena que haja um movimento, por exemplo, no Facebook nos Estados Unidos, de eliminar da sua plataforma as empresas de checagem”, lamenta o docente.

Ao longo de janeiro de 2025, uma pesquisa da Broadminded explorou a percepção de usuários em seis países latino-americanos sobre a Meta e suas redes sociais. Uma das perguntas dizia respeito a se posicionar favorável ou contrário à afirmação: “Eu tenho o direito democrático de disseminar notícias falsas se eu desejar fazê-lo”. Os dados brasileiros mostraram que 77% dos brasileiros repudiaram tal ideia.

Especificamente na realidade local, o grupo de pesquisadores já identificou que as mentiras mais comuns se referem a ataques contra pessoas e instituições e a vários tipos de assédio.

Caminhos observados

Conforme o grupo desenvolve suas pesquisas sobre desinformação, um caminho já foi apontado a curto e longo prazo: é preciso desmentir e preparar as novas gerações para lidar com um número cada vez maior de manchetes e textos inventados e falsificados. Por isso o trabalho nas escolas vem sendo intensificado, até como forma de preparar toda a comunidade escolar para enfrentar a questão. “A escola deveria ser um lugar onde se aprende a distinguir informação e conhecimento, informação verdadeira e informação falsa, conhecimento falso e conhecimento verdadeiro. E para isso também é importante que os professores tenham formação para a educação midiática, que também é um dos objetivos do nosso projeto. Então, tanto alunos quanto professores terão essa formação continuada, para evitar que a escola seja lugar de desinformação”, explica Alessandro.

Os integrantes do projeto já mapearam escolas em Teixeira Soares e o processo de formação por lá deverá ser iniciado nos próximos meses. As ações serão desenvolvidas nos colégios Estadual João Negrão Júnior, Estadual do Campo Guaraúna e Estadual do Campo do Rio D’Areia de Cima.

E o “Dia da Mentira”?

O dia 1º de abril entrou para a história como o “Dia da Mentira” e é celebrado não só no Brasil, mas em diversos países, como Estados Unidos, Portugal, França, Inglaterra, Itália e Alemanha. Nessas nações, a tradição é pregar peças e realizar pegadinhas, prática que remonta aos tempos medievais na França, quando o rei Carlos IX decidiu mudar de 1° de abril (calendário juliano) para 1° de janeiro (calendário atual) o início do ano. A decisão ocorreu em 1564 e a população resistiu à mudança. Aqueles que continuaram adotando o modelo de contagem de tempo antigo foram chamados de “bobos de abril”, sendo alvos de brincadeiras e diversas zombarias.

O costume se espalhou por outros países e, no Brasil, essa tradição chegou com os portugueses. Recentemente, nas últimas décadas, popularizou-se no país o costume de os meios de comunicação divulgarem notícias falsas em tom de gozação na data, deixando claro que se trata de uma piada. Contudo, a efeméride já era referenciada no país desde bem antes. “No Brasil, começa a aparecer já no século XIX, ainda no período do Império Brasileiro. Tinha um pouco o caráter jocoso do brasileiro, de brincar, como um dia da burla. Era uma coisa, digamos assim, de uma cultura tipicamente brasileira que mistura esse burlesco do Carnaval com um dia em que você faz a enganação, mas, no sentido positivo do termo, da galhofa, de fazer ironia, tiração de sarro. No contexto presente, as coisas mudaram. E essa é uma mudança cultural muito importante, que não foi inventada na cultura digital contemporânea, na cultura das redes sociais e da internet, mas que foi amplificada por esses canais”, explica o professor do Departamento de História e coordenador do Centro Tecnológico de Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais, Paulo Dias de Mello.

Cada pessoa também pode ajudar

Alessandro de Melo, do Projeto de Extensão, também lembra que a população pode ajudar no combate à desinformação. “A melhor coisa que cada um pode fazer no seu dia a dia é gastar um tempinho antes de repassar qualquer tipo de informação, qualquer tipo de mensagem que recebe no WhatsApp, que ela leia atentamente, procure saber se é verdade ou não. Muita desinformação é passada inconscientemente, simplesmente por um gesto automático de receber a mensagem e compartilhar. Então, se as pessoas pararem para olhar as mensagens e checar se é verdade ou não, já estarão fazendo um grande papel”, ressalta.

da UEPG