Após um longo hiato forçado pela pandemia, a ONG Doutores Palhaços – SOS Alegria, volta aos palcos, neste fim de semana, com o espetáculo “Tibúrcia no País das Maravilhas”. Com apresentação única, a peça será neste domingo (20), às 17h30, no Teatro Marista.
Em entrevista ao programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba), nesta segunda (14), Bruno Raphael Madalozo e Micheli Vaz Madalozo falaram sobre a ONG SOS Alegria – Doutores Palhaços, que já existe há 15 anos.
Segundo Bruno, antes da pandemia, as apresentações eram mais próximas do Natal e, por isso, exploravam mais essa temática. Como o espetáculo, nessa retomada, será adiantado, em novembro, é uma apresentação de fim de ano, mas não um especial de Natal.
O elenco da peça “Tibúrcia no País das Maravilhas” envolve um elenco de 26 palhaços. O espetáculo é para toda a família. “Nossos espetáculos são de classificação livre e sempre têm uma mensagem para os pais e para as crianças”, comenta Micheli.
A apresentação será única, neste ano, justamente pela queda de arrecadação da ONG e da falta de patrocínios para a peça. “A ONG saiu da UTI na pandemia, também; foi para a enfermaria e agora, estamos indo para a observação”, afirma a artista, ao descrever a situação econômica do grupo. “Precisamos de apoio, então, vamos fazer o espetáculo acontecer até para o pessoal saber que estamos de volta aos hospitais. O espetáculo é também uma forma de revermos nossos amigos dos hospitais, os pacientes, e é uma forma de o pessoal ajudar o trabalho a continuar acontecendo”, frisa.
Segundo Bruno, o espetáculo representa também uma alternativa para que quem está fora do hospital possa conhecer o trabalho desempenhado pelos Doutores Palhaços. “Desde então, fazíamos dois espetáculos por ano no teatro; geralmente, temático para a Páscoa e para o Natal. Abrimos essa oportunidade de as pessoas estarem acompanhando mais de perto nosso trabalho, principalmente crianças que eram visitadas no Hospital da Criança e que queriam ver de volta o amiguinho que a visitou no hospital e agora não tinha como, aí poderia ver no teatro”, explica o coordenador da ONG.
Outra premissa do espetáculo é que ele seja acessível e, por isso, até o dia da apresentação, a venda antecipada custa meia-entrada para todos (R$ 15).
Trabalho sério
Ainda que a ONG envolva a ludicidade, o trabalho dos Doutores Palhaços não é brincadeira, pois exige toda uma preparação e demanda, principalmente, cuidado e respeito com o lugar e a situação onde eles atuam: nas enfermarias de hospitais. “Não é simplesmente ir, entrar num hospital, que é um local mais delicado. Temos, por isso, a premissa de que a pessoa tem que estudar e entender a máscara porque, querendo ou não, é a profissão de alguém, a palhaçaria é a profissão de alguém. Quando você está dentro do hospital, precisa ter o maior respeito, porque está lidando com o trabalho de alguém”, frisa.
Micheli complementa que o palhaço que atua nos hospitais não é apenas uma pessoa que se caracteriza e que vai levar amor e riso às pessoas. “O palhaço é uma arte, uma máscara artística. Nem todo mundo entende nosso propósito dentro do ambiente hospitalar. Somos palhaços atores profissionais. O palhaço dentro do hospital já nasce com essa proposta de promoção da cultura dentro do hospital e a consequência disso é um caminho terapêutico. Não fazemos terapia, a consequência é um caminho terapêutico”, esclarece.
Em Ponta Grossa, a ONG desenvolve um trabalho híbrido, tanto com artistas profissionais quanto com voluntários. Porém, todos recebem capacitação ao longo de dois anos de formação.
O voluntariado, aliás, exige dedicação – e tempo. Segundo Micheli, há uma estatística que indica que um voluntário dura cerca de dois anos dentro de uma instituição. “Atuamos dentro do hospital voluntariamente, mas somos palhaços profissionais. Nossa vida é sermos palhaços. E atuamos dessa mesma forma dentro das empresas, desenvolvemos programas dentro das empresas, todo nosso trabalho artístico é voltado dentro desse lugar”, diz.
“O mundo está doente. É como se fosse um hospital gigante, onde todo mundo precisa disso: de contato, de rir mais, de olhar mais para a vida. Nessa experiência dentro do hospital, não olhamos as pessoas como se estivessem morrendo, mas como pessoas que estão lutando pela vida. Nós ressignificamos esse olhar. Como palhaços, as pessoas acham que estamos lá só para dar um abraço, um alento. Muito pelo contrário: estamos lá para potencializar a vida das pessoas, o estado saudável. Acabamos fazendo parte de uma equipe multidisciplinar”, destaca Micheli. Na Argentina, ela explica, é obrigatório ter o palhaço na equipe do hospital.
O ambiente hospitalar mexe com questões emocionais muito diversas: é onde crianças nascem, mas é também o lugar onde muitos sofrem em tratamentos contra doenças ou se recupera de acidentes e, parte deles, morre. “As pessoas perguntam se a gente sofre. Posso falar por mim: já existiram momentos muito impactantes. Sempre tem uma visita que é muito diferente da outra. Mas aquela é a hora que eu tenho que estar inteira, porque, se eu sofrer, eu não estou servindo”, responde Micheli, ao ser indagada se já precisou segurar as lágrimas ao desenvolver esse trabalho.
Ela diz que o paciente precisa olhar para seu olho e encontrar esperança nesse olhar, e não sentimento de pena ou de pesar. “Ela tem que encontrar, no meu olhar, potência para ela acreditar. Se ela olha para o palhaço e o palhaço, ela se desespera e pode pensar ‘puxa, não sei se tenho esperança'”, comenta.
“Para nós, não importa se a pessoa tem um dia de vida, se a pessoa está em estado terminal, ela está viva. Ela está assim, é assim que vamos brincar. Geralmente, quando se recebe um diagnóstico, a pessoa já acha que vai morrer. E costumamos ‘matar’ as pessoas antes de elas irem embora. Vivemos o momento do agora. Podemos até brincar com isso”, enaltece Micheli.
Bruno relata que trabalhava já como ator desde 1997, porém, a partir de 2000 parou e foi para outro ramo, a Educação Física, e a partir de 2008, “de forma meio torta” as artes cênicas voltaram a fazer parte da vida dele, desta vez, como palhaço. “Acredito tanto que é uma missão, que não teve como fugir, eu estou nela ainda”, ressalta.
Arrecadação
Para sobreviver, a ONG possui três formas de captação de recursos. Um deles são os programas de incentivo à cultura, como é o caso da Lei Rouanet, no âmbito federal; do PROFICE, em âmbito estadual ou do PROMIFIC (Programação Municipal de Incentivo Fiscal à Cultura). Entretanto, a ONG não está captando recursos de nenhum desses programas atualmente. “Até pela transição política que estamos, está bem complicado submeter projetos neste momento”, comenta Bruno.
A segunda forma de captação de recursos é a promoção de eventos, como o espetáculo de fim de ano. A terceira é a Liga do Riso, formada por empresários ponta-grossenses que investem no trabalho. “Temos cotas de patrocínio que a partir de R$ 300”, diz. Entre os patrocinadores, estão a DAF Caminhões, a Prestes Incorporadora e Construtora, Scherer Auto Peças e Vila Coruja. “Temos vários empresários que acreditam nesse projeto, mas estamos angariando mais. Logo que começamos a Liga do Riso, três meses depois, entrou a pandemia e era fácil levar um ‘não’, quando íamos levar uma proposta, porque ninguém sabia como seria dali para frente”, acrescenta.
A seleção de novos voluntários, segundo Bruno, ocorre a cada dois anos, sempre nos anos ímpares. “Porém, há dois anos, estávamos no meio de uma pandemia, então não aconteceu. Nosso último treinamento e seleção foi em 2019. No começo do ano que vem deve ocorrer uma nova seleção, mas ainda não posso dizer que estão abertas as inscrições, porque não abriu”, antecipa Bruno.
Serviço
‘Tibúrcia no País das Maravilhas’
Domingo, 20 de novembro, às 17h30
Teatro Marista
Ingressos no Sympla
Confira a entrevista dos Doutores Palhaços na íntegra: