Sexta-feira, 26 de Abril de 2024

Artigo: E depois que tudo isso passar? Uma visão otimista sobre o pós-pandemia

2020-04-03 às 18:46

Quase cinco bilhões de anos! Esta é a idade que a ciência estima para o nosso planeta. Mas, foi somente há aproximadamente 120 mil anos que surgiu a nossa soberba espécie, o homo sapiens, desde então, calcula-se que 100 bilhões de pessoas já puseram os pés e as mãos nestas terras que são transformadas a cada momento a partir do seu trabalho.

Trabalho, aprendemos desde muito cedo o valor desse elemento que na visão de alguns filósofos é o que nos constitui como raça humana. Numa lógica um tanto curiosa, para não dizer estranha. Cada um usa seu corpo com aquilo que pode para trocar por algum valor e assim trocar por outras coisas que na maior parte das vezes visa a manutenção das necessidades criadas por esse mesmo corpo que trabalha. E hoje a lógica é a seguinte: trabalho para comprar um carro. Compro um carro para trabalhar.  Trabalho para comprar roupas ou comprar roupas para trabalhar. Trabalho pela marmita ou a marmita é o sustento do meu trabalho?

Durante todo esse tempo de evolução as pessoas foram desenvolvendo habilidades, criando e transformando coisas com a intenção primária da sobrevivência. Em alguns casos era matar ou morrer. Ao passo que as COISAS foram mudando, as relações entre as PESSOAS também se transformaram e passaram a ter outros significados. Nos tornamos seres sociais e o contato e a interação foram sendo cadas vez mais aprimorados e necessários para a manutenção da vida e das relações. Sabíamos que sabíamos.

Nos últimos cinco mil anos catalogamos os saberes, classificamos espécies, registramos fenômenos e nos munimos de regras, convenções e protocolos  que nos deram uma confortável sensação de segurança. O século XX, do qual somos originários, nos mostrou os dramas da vida moderna, uma grande pandemia, duas guerras, alguns desastres ambientais e um tanto de vidas ceifadas em virtude de projetos de poder e alguns interesses escusos.

Já no século XXI, “de repente, não mais que de repente”, logo quando pensávamos que a ciência já tinha inventado tudo e que somos quase que invencíveis, somos obrigados a ressignificar tais relações que nossa espécie levou milênios para construir. O churrasco vai ter que esperar, o trabalho de campo fica pra depois e não vai nem ter missa, culto ou celebração. E o beijo na vó e no vô? Dói ter que deixar para depois, mas é assim que tem que ser. O mais complicado talvez seja pensar QUANDO e COMO vai ser esse depois.

Não é possível saber o que vai acontecer depois que passarmos pelos desafios que nos batem à cara. A ciência cria modelos baseados nas ações das pessoas, mas a filosofia, esta não é uma ciência de prognósticos. Fazer uma previsão seria cometer um dos erros que temos cometido nos últimos anos. O de retirar da ciência a capacidade de nos fornecer dados e tecnologias para que possamos organizar nossas  vidas em sociedade em curto e longo prazo. Qualquer tentativa de previsão feriria os critérios de validação do conhecimento científico. O que se pode dizer sobre o que vai acontecer é apenas uma percepção, no máximo crença numa cosmovisão. O que nos resta portanto é confiar na ciência, produzir conceitos com a filosofia e usufruir da potência da arte. De imediato, confiemos na ciência. Mais uma vez, confiemos na ciência.

Esse fenômeno no entanto não deve desqualificar o pensamento filosófico, ao contrário, ao lado da ciência e das artes a filosofia contribuirá à sua medida para que o obscurantismo das opiniões mais rasteiras e mais perversas, não nos golpeiem fazendo com que os corpos sofram, mais do que já têm sofrido. O simples fato do pensar já é uma grande contribuição e um início de mudança ao mesmo tempo em que arte pode nos oferecer rotas de fuga de possíveis inimigos que se utilizam da crise para aprisionar corpos na efetivação de uma ordem fascista.

Será que depois que tudo isso passar teremos aprendido algo novo ou manteremos os velhos vícios do ordenamento social? Estaremos mais livres dos nossos pudores em dizer o que de fato sonhamos ou manteremos nosso individualismo perverso que nos joga na paranóia megalomaníaca de se dar bem a qualquer custo? Nos faz lembrar a Lei de Gerson. Veremos depois que tudo isso passar o florescer de um nova consciência?

As afirmações e questionamentos que fizemos neste texto representam a perspectiva de um cientista filósofo e de um filósofo cientista. Talvez sejam representações de ideias e lugares que fomos ensinados a pensar e a estar, numa tentativa de construir formas mais significativas de existir. E se deixamos a arte de lado foi por uma contingência ou negligência da nossa formação. Somos um pouco do que fizeram de nós. Com esses recursos nos permitimos olhar para um futuro próximo, munidos de um certa segurança que é sustentada por um elemento que desde sempre esteve presente em nós: a esperança. Há esperança.

Autores:

Ricardo Grokorriski – Filósofo, Psicanalista. Professor na Faculdade Sant’Ana e SEED- PR.

Lucinei José Myszynski Junior – Geógrafo, Paleontólogo. Professor no Instituto Federal do Paraná.

Imagem: Sobrare