Basta ir ao mercado ou andar pelas ruas para notar: o que vivemos está longe de ser somente uma profunda crise de saúde, é também uma crise social. O baque econômico causado pelas medidas restritivas contra a covid-19 (que são essenciais, apesar de serem danosas) e o fechamento de vagas formais de emprego nos levou ao aprofundamento da desigualdade social, da miséria e das diferenças entre ricos e pobres em um país que é historicamente marcado pela distância entre classes sociais.
A diminuição na oferta de emprego e de renda teve ainda um outro agravante: a disparada de preços de insumos básicos, como alimentos e combustíveis, aspectos que interferem em todo um ciclo econômico. Esse misto de fatores nos trouxe a um cenário em que há um grande número de pessoas com profundas dificuldades para o básico, como se alimentar e ter um teto para morar, e sem qualquer perspectiva de futuro para elas e suas famílias.
Essa condição extrema muitas vezes leva algumas pessoas a terem conclusões precipitadas sobre o que nos trouxe até aqui. Há uma vertente que pensa que isso é fruto das ações que restringiram a circulação de pessoas (lockdown parcial) e que têm marcado nossas vidas desde março de 2020. Mas essa é uma falácia: o que nos trouxe até aqui foi o fato de que alguns de nós temos reservas financeiras ou capacidade de geração de renda para atravessar o momento difícil, enquanto outros não tem isso e nem nada parecido.
Neste cenário, surge uma nova classe social, espero que temporária, formada por novos vulneráveis. Estes são os trabalhadores informais que não se encaixam em tradicionais programas das classes mais desfavorecidas (como CadÚnico, Bolsa Família e etc). São chefes de família que possuem food trucks, lojas no comércio popular, motoboys e motoristas de aplicativos. Estes não têm amparo institucional e dependem do Auxílio Emergencial.
E é justamente junto aos desamparados que o Estado deve agir. A crise econômica causa uma crise social que também é, por sua vez, uma crise de cidadania: para um pai e uma mãe, impossibilitado(a) de trabalhar ou sem emprego formal, não poder levar comida para a mesa dos filhos é uma questão que fere a dignidade do sujeito. Desta forma, o Estado e aqueles que têm condições, como membros da classe média, precisam agir.
Em outros países podemos observar programas emergenciais de renda tanto para pessoas quanto para empresas, com valores proporcionais ao salário mínimo ou faturamento da microempresa. Medidas do tipo são tidas como essenciais para o Brasil, para o Paraná e para Ponta Grossa – socorrer aqueles que menos tem neste momento é uma questão de humanidade, solidariedade e também econômica.
Além disso, há uma necessidade de que a sociedade civil organizada apoie ações de arrecadação de alimentos com o intuito de distribuí-los aos mais pobres – sanar a fome é o primeiro passo. No caso ponta-grossense já existem iniciativas do tipo, como os projetos PG sem fome, Coleta da Solidariedade, Amigos do Bem e a mais recente SOS Covid. Mas, infelizmente, essas iniciativas são muito menores do que a demanda por alimentação das famílias mais carentes atingidas pela pandemia por diversos motivos.
Com o avanço da vacinação e a vida de volta ao “normal”, o Brasil precisará pensar políticas públicas permanentes e eficientes para distribuir renda de forma minimamente igualitária, como também dar oportunidade de reinserção no mercado de trabalho para aqueles que têm tido dificuldades em conseguirem emprego formal. Caso contrário, as distâncias entre as classes seguirão se aprofundando e à reboque vem o aumento da violência urbana, da miséria e outros males sociais.
Há corrente que defende a ideia de que o emprego é o melhor “programa social” e não está errada – emprego formal e digno são essenciais. Mas em um momento em que a própria criação de empregos está estagnada pela situação que vivemos, precisamos criar esperança e com fome e sem teto digno ninguém tem esperança. É preciso ajudar o próximo de forma emergencial.
Everson Krum – Vice-reitor da UEPG e ex-diretor do HU-UEPG