Domingo, 15 de Dezembro de 2024

Crônica D’P: Um barbeiro e o vinil do George Thorogood, por Giovani Marino Favero

2022-09-04 às 11:00

Semana passada, eu entrei em um sebo sem muito objetivo, apenas para ver o que tinha e me divertir com as lembranças do passado. Esse é um local que me faz bem, e sempre acabo encontrando algo que me atrai.

No meio dos VHS, CDs e revistas antigas, foquei nos discos de vinil. Lembro que, quando surgiu o CD, muita gente acreditava que o vinil não seria superado. Por uma década, realmente foram esquecidos, porém, hoje as bolachas giratórias são um culto. Entre cada passada com os dedos nas pilhas, encontrei um exemplar raro do George Thorogood. Não sou fanático por ele, mas gosto de sua guitarra. Para mim, tem um valor simbólico e uma relação com o começo da minha vida em Ponta Grossa.

Em 1997, mudei-me de Maringá para a Princesa dos Campos. Dentre inúmeras diferenças regionais, o gosto musical das pessoas da minha idade demarcava uma diferença gigantesca.

Em Maringá, a juventude estava em uma onda de rock alternativo americano. Todos escutavam Pixies, Violent Femmes, Weezer, Pavement – por sinal o Stephen Malkumus, vocalista dessa banda, fez show na terra do pé-vermelho – e muito punk rock americano também, como Rancid, Face to Face, Social Distortion, entre outros. Chegando a Ponta Grossa, só um amigo compartilhava do mesmo gosto musical, o resto da galera escutava um rock mais metal. Essa mudança foi divertida. Acostumar-me a escutar AC/DC, Judas Priest, Metallica, Iron Maiden, Megadeth fez parte desse momento.

Quem me conhece atualmente, carregando o pouco de cabelo que me resta, não imagina que tive uma bela juba aos 18 anos. Cabelo armado e comprido, daqueles que sentem a variação atmosférica para a chuva.

Após os primeiros seis meses sem um corte capilar, eu precisava aparar para deixar crescer novamente, e pedi aos colegas da cidade a indicação de um barbeiro. Logo de cara, o Jabuti, um dos grandes amigos feitos nessa época, me falou de um cara que era diferenciado, colocava uns discos de vinil de rock’n’roll e fazia o corte no estilo antigo, sem muita frescura.

Fui sem hesitar. Cheguei ao local, que ficava em um prédio na frente do antigo Tradição, e me deparei com uma bicicleta pendurada na parede e, no salão, apenas uma cadeira de barbeiro do estilo antigo, com muito ferro e uma almofada vermelha clássica para esse tipo de estabelecimento. Vi ao fundo a vitrola e a coleção de discos. De cara a conversa foi boa. Falei que queria dar uma arrumada na revolta dos cabelos e ele discretamente foi colocar um vinil para tocar. “Só faço os cortes com música”, explicou.

O disco começou a girar e deu vida a uma guitarra voraz. Eu nunca havia escutado aquilo: era George Thorogood e os Destroyers. O corte demorou um lado inteiro do vinil, mas a apresentação ao blues rock desse guitarrista e cantor me cativou para sempre.

Se eu não tivesse um cabelo difícil na juventude, um amigo para me dar sugestões e uma mente aberta, eu provavelmente teria entrado no sebo, na semana passada, e saído sem nada nas mãos.

Giovani Marino Favero é escritor e pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #290 Agosto de 2022.