Sexta-feira, 29 de Março de 2024

Crônica: ‘Todas as flores e seus nomes’, por Luiz Fernando Cheres

2021-11-27 às 09:25
Conteúdo exclusivo publicado na Revista D’Ponta #287 Outubro/2021

Quando era criança, geralmente eu brincava com as meninas. Ou melhor: quase nunca brincava com os meninos, só brincava se não houvesse garota nenhuma por perto. E isso gerou falatório:

— Esse moleque não joga bola!

— Jogo sim, no time da Maria!

Alguns adultos diziam que amarelinha, peteca e casinha, nada disso era negócio de piá. E riam de mim, riam de doer a barriga. Até que a história chegou aos ouvidos do seu Aparício e, obviamente, o velho se sentiu preocupado; mas ele não era o tipo mais corriqueiro de pai da época; em vez de me chegar a cinta, veio trocar um dedo de prosa com o filho.

— Me disseram que você não brinca brinquedo de homem! É verdade?

— Mentira, pai, brinco sim. Com as meninas.

— Não tô entendendo, rapaz, se explique. Piá que é piá sobe em árvore.

— E eu subo, ajudo as meninas na árvore, cuido pra não caírem.

— Piá brinca de luta.

— Luta pra quê? Quero brincar de coisa que homem adulto faz. O senhor costuma sentar bordoada nos amigos, pai?

— Nem tente me enrolar, rapaz.

— Tá bom, pai, não gosto de brincar de luta porque vira só num agarramento de piá com piá. Eu até brinco de luta, eu e as meninas.

Embora traduzisse certo preconceito, que nenhum de nós percebeu no momento, esse raciocínio agradou o seu Aparício, e fui liberado para brincar com as gurias: brincar de casinha é bom para o menino que, no futuro, vai casar e ter filhos; peteca e amarelinha melhoram a coordenação motora; e o futebol com as meninas ensina o menino a respeitar as mulheres, as diferenças; na vida real a gente também não pode chegar dando empurrão e chute na canela.

Bem mais tarde, minhas namoradas iriam se encantar por eu conhecer todas as flores e seus nomes, saber de cabeça poemas inteiros, trocar sem medo fraldas de bebês, fazer tricô. E olha, jamais aprendi a dançar, habilidade considerada essencial para um bom namoro nos anos 80. Minha única atitude odiada por elas, muito odiada, era o fato de que eu nunca estava na companhia dos amigos; ao contrário, vivia sempre no grupinho das moças.

Hoje, já na quarta curva da vida, percebo que, naqueles tradicionais encontros de familiares ou amigos, com vários casais, quando isso ainda era permitido, os homens acabavam se reunindo em bando perto da churrasqueira, regados por muita cerveja e uísque; ao mesmo tempo, as mulheres formavam outra turma, na sala, num quarto ou na cozinha.

E onde estavam eu e a minha inseparável latinha de cerveja?

A conversa masculina pode ser bastante chata. Mergulham em coisas sem importância para mim, de peças de caminhão a problemas em esteira de trator; discursam com ardor e preconceito sobre os fatos da política partidária, até virar briga; há também os que gostam de discutir futebol, e isso poderia me atrair, entretanto muitos não entendem nada de futebol, falam apenas de suas paixões pelos times do coração, nem sabem a diferença entre o primeiro e o segundo volante, ou entre líbero e zagueiro, e desconhecem Domingos da Guia e Friedenreich. Mais inteligentes, as mulheres conversam sobre assuntos interessantes, como a educação dos filhos, os preços nos mercados, doces, petiscos, músicas, livros, filmes e perfumes, inclusive masculinos.

Então, por que vou perder a noite no maldito grupo dos homens, onde, além de tudo, sempre aparece alguém fedendo sovaco?

Luiz Fernando Cheres é escritor,
autor de “Um Beijo Longe dos Lábios” e “Amar não é Preciso”.
Ocupa a Cadeira nº 11 na Academia de Letras dos Campos Gerais.