Quinta-feira, 12 de Dezembro de 2024

Debate D’P: A Câmara Municipal te representa?

2022-10-23 às 16:13

Estatísticas mostram que a população brasileira, de modo geral, não se sente lá muito satisfeita com a classe política. Será que em Ponta Grossa é diferente? Quatro ponta-grossenses expõem a sua opinião – sem censura – sobre a Câmara Municipal de Vereadores.

Por Enrique Bayer

Desde a proclamação da República, o Brasil vive uma vida política turbulenta: de conchavos até uma política institucional dominada por famílias e oligarcas, a política nacional sempre esteve recheada de episódios que superam até o melhor dos realismos mágicos de Gabriel Garcia Marquez.

Além disso, a democracia brasileira está experimentando, agora, o seu momento mais longevo. Ao longo da história recente do país, vivemos duas ditaduras – o Estado Novo e o Golpe de 1964. O consenso entre historiadores e especialistas é que momentos de ruptura como esses dificultam a consolidação de uma participação popular na política. Para piorar, o Brasil é mundialmente conhecido como um pais permissivo em relação à corrupção.

Tudo isso contribui para que quase metade da população brasileira evite falar sobre política. É o que mostra um levantamento feito pelo DataFolha e divulgado em julho deste ano. O motivo? Evitar brigas.

Outra pesquisa, realizada em 2018 pela Locomotiva/Ideia Big Data, mostra que, entre os pesquisados, 96% não se sentiam representados pelos políticos em exercício no país. O levantamento apontou ainda que, para 95% das pessoas ouvidas, os políticos não são transparentes, e que, para 89%, a classe política não se prepara para desempenhar bem os seus mandatos.

Além disso, as abstenções nas últimas eleições de 2020 bateram recorde: 29,5% dos eleitores habilitados não compareceram às urnas. Ou seja: tudo indica que, de fato, a democracia no Brasil carece de lastro entre a população.

Em Ponta Grossa, a situação não é muito diferente. De modo geral, a população está dividida quando se trata dos políticos que estão na ativa na esfera do Executivo e na esfera do Legislativo. Diante disso, colocamos a seguinte questão para quatro convidados: “Você, enquanto cidadão ponta-grossense, sente-se representado pela Câmara Municipal? E você acredita que o Legislativo municipal tem cumprido o seu verdadeiro papel?”. Confira as respostas a seguir.

CONCHAVOS POLÍTICOS

“Não [me representa]. Não dá para se sentir representada por uma Câmara que está mais preocupada em fazer inauguração de obra ou aparecer na mídia enquanto deveria estar realmente preocupada com a destinação das verbas públicas, com o bem dos cidadãos e com o cumprimento das metas do Plano de Governo.

É difícil sentir-se representada por uma Câmara que tem 23 cadeiras e que não consegue dar satisfação em relação aos problemas. Falta compreensão dos vereadores no sentido de entenderem que ‘estão’ vereadores, e não ‘são’ vereadores. Mas isso é ‘culpa’ também do eleitor, que na hora de votar não consegue elencar critérios para essa votação. É importante estudar os candidatos, entender se estão cumprindo o seu papel.

Parece, ainda, que Menção Honrosa e título de Cidadão Honorário viraram bala. Se agrada o vereador, você ganha.

Claro, há os bons, mas são engolidos pelos demais. O grande erro começa com a negociação de cargos, que os amarra e impede o trabalho que precisa ser feito. E tudo isso tem a ver com os conchavos políticos. Então é um cenário muito maior e mais complexo. Não foi para isso que eu votei”. Gizelle Cheremeta, eleitora

FALTA CONVERSA

“Falando enquanto produtor rural, não temos um representante direto. Temos pessoas que conhecem o setor, como o Daniel Milla, que nos auxilia, mas, por outro lado, você tem às vezes a própria Comissão de Agricultura da Câmara que não tem ligação com o agro.

Nós ficamos, às vezes, um pouco desprovidos. Claro, acho que o Legislativo opera a demanda que lhe é levada, mas, às vezes, nos sentimos excluídos. Por exemplo: nós temos uma lei que limita o uso de defensivos agrícolas na região limítrofe entre zona rural e zona urbana. Em nenhum momento quem elaborou o Projeto consultou os setores envolvidos. O vereador tem que fazer isso, procurar informação, até para um maior juízo. Ninguém conhece tudo.

Neste caso, estão replicando um Projeto de Lei que não resolve o problema nem de um lado nem de outro. Além disso, vão querer criar um cinturão verde. Esse cinturão vai ter lixo, vai ter animais perigosos, pode ter violência… Enfim.

Casos como esse demonstram que, muitas vezes, não há a conversa necessária com os mais diversos setores da sociedade”. Gustavo Ribas Netto, produtor rural e presidente do Sindicato Rural de Ponta Grossa

CONTEXTO MAIOR

“O grupo de vereadores deve ter um objetivo democrático que possa abarcar a maioria dos eleitores em suas aspirações. É evidente também que os vereadores devem ser individualizados. Existem vereadores que nunca apresentaram nenhum Projeto. Esses não representam ninguém e não devem ser reeleitos.

A representação política deve estar baseada no respeito às leis e ao Estado de Direito. Esse é o fundamento. A representação poderia ou deveria incluir o referendo, a consulta popular, o ‘recall’, para verificar o grau de representatividade do eleito. Acontece que se formam maiorias em torno da pessoa que ocupa o cargo de prefeito que acabam dominando as decisões. Isso é uma tradição em sociedades onde o Estado é liberal e burguês. Dificilmente, nos Campos Gerais, vão existir câmaras municipais progressistas, igualitaristas, uma vez que estão atrelados a um Estado liberal conservador.

Assim, não se pode olhar apenas ‘o cumprimento do papel da Câmara’ quando, em realidade, a Câmara está inserida em um contexto maior que nem sempre é popular e progressista”. Fabio Goiris, cientista político

AFRONTA À CONSTITUIÇÃO

“A Câmara já se tornou um cabide de emprego para alguns, e as eleições, financiadas pelo vergonhoso fundo eleitoral, se tornaram uma mercadoria onde ganha mais quem tem mais fundos. Então, não, não me sinto representado.

A Câmara de Vereadores opta por legislar em prol de certos segmentos sociais. Há uma afronta ao Artigo 5º da Constituição Federal, pois esta Câmara se veste de preceitos religiosos, discriminatórios e ignorantes, dando as mais altas honrarias do município a genocidas.

Uma bancada evangélica não livrará os seus membros de ter em sua casa, no âmbito da tradicional família ponta-grossense, filhos LGBTQIAPN+, bandidos, drogados, ladrões ou mesmo políticos.

Quanto a acreditar se o Legislativo Municipal tem cumprido o seu verdadeiro papel? Uma das frases mais significativas das eleições foi essa: ‘Nestas eleições, lembre-se: lugar de pastor é na igreja, de milico é no quartel e de miliciano é na cadeia!’

O que falar, então, de Ponta Grossa? Uma cidade que eu amo, mas o povo ou, melhor, alguns ‘poves’ é de se envergonhar”. Wilton Paz, artista visual e produtor cultural

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #292 Setembro de 2022.