Quinta-feira, 25 de Abril de 2024

D’P Entrevista: Cristãos na política – eles vieram para ficar!

2022-04-06 às 16:27

por Enrique Bayer

Uma das lideranças cristãs mais influentes de Ponta Grossa, o presidente da Associação dos Ministros Evangélicos, Marcelo Pellissari, fala sobre a participação dos cristãos na política, a relação do presidente Jair Bolsonaro com os evangélicos, as eleições deste ano e as perspectivas do bloco cristão para o futuro, tanto em Brasília quanto no Palácio da Ronda

 

Reeleito presidente da Associação dos Ministros Evangélicos (AME) de Ponta Grossa em 2021, o pastor Marcelo Pelissari pôde ver a representatividade dos cristãos na Câmara Municipal crescer durante as suas duas gestões à frente da entidade. De dois parlamentares no último mandato do ex-prefeito Marcelo Rangel, o número de vereadores cristãos passou para cinco no mandato da atual prefeita, Elizabeth Schmidt. O número é reflexo de uma tendência nacional que tem influenciado os rumos do país. Só no Congresso Nacional, a chamada “Bancada da Bíblia” conta atualmente com 105 deputados e 15 senadores que se declaram evangélicos, o que equivale a 20% do órgão. Uma das lideranças cristãs mais influentes de Ponta Grossa, Pellissari fala, na entrevista a seguir, sobre a participação dos evangélicos na política, o mandato do presidente Jair Bolsonaro, as eleições deste ano e as perspectivas do bloco cristão para o futuro, tanto em Brasília quanto no Palácio da Ronda.

 

“Se os nossos políticos tivessem dois mandamentos – amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo –, nós teríamos o nosso problema resolvido”

 

Em épocas de eleição, muitos evangélicos e igrejas são procurados por políticos atrás de votos. Na visão do senhor, como deve agir o fiel nesses momentos? Qual seria a sua orientação quanto a isso?

Essa tem sido uma pauta de conversa entre os pastores da AME. Até temos nos reunido com a diretoria e com os pastores em geral para tratar desse assunto. A gente percebe que, muitas vezes, os religiosos em geral são procurados pelos políticos apenas em tempos pré-eleitorais. Depois disso, acabamos ficando de lado quando o assunto é uma participação na política. Nós temos uma cosmovisão bíblica. Essa cosmovisão diz que a igreja existe para influenciar a Terra, e não ser influenciada. Então nós temos princípios bíblicos e morais deixados pelo nosso Senhor Jesus que indicam como se deve viver. A Bíblia é um manual de vida. Nós gostaríamos, sim, de uma participação política mais efetiva visando o bem da população, porque o que nós temos escrito no livro sagrado são dicas de bom funcionamento. Assim como quando você compra uma geladeira vem um manual de instruções, a vida humana tem um manual, que é a Bíblia, e ela nos ensina a como viver bem. Nós gostaríamos muito de implementar isso e até hoje não conseguimos da forma como imaginamos. Então, de repente, nós vamos tomar outro tipo de atitude daqui para a frente. Porque, como disse um pensador amigo nosso, se a humanidade continuar nessa tendência à imoralidade, à falta de integridade, ela tende a sumir do mapa. Civilizações antigas desapareceram por causa da imoralidade. A nossa luta, então, é contra isso, que são coisas que permeiam a política de modo geral.

 

O senhor considera correto que pastores e demais lideranças religiosas levem políticos para dentro das igrejas ou induzam os fiéis a votarem em determinada pessoa?

Sobre pastores induzirem o voto, nós não temos conhecimento profundo. Sabemos da nossa índole e não sei se isso funciona entre outras denominações. Quanto à entrada de lideranças na política, existe, sim, uma entrada maior de pessoas, não só de pastores, pois a gente não prega que somente os pastores sejam candidatos. O que precisa é que, aquele que for candidato, seja ele pastor, profeta ou missionário, seja um cristão verdadeiro, um homem íntegro de Deus. O nosso pensamento é que qualquer um pode ser político, desde que ele tenha como base de vida a integridade que ele aprendeu com a Bíblia, que ele tenha colocado em prática e demonstrado isso. Não adianta ser só uma pessoa que se diz alguma coisa, um pastor, um membro, para ele ser lançado e a gente ter que votar cegamente. Nós temos que conhecer a pessoa, o caráter, a índole. E nós queremos mudança. Não queremos colocar pessoas iguais às que já existem lá. Queremos pessoas que realmente façam a diferença, e isso passa por aquilo que chamamos de “chamado de Deus”. A pessoa, quem quer que seja, precisa ter um chamado de Deus para aquela situação, precisa ser um nome que tenha sido chamado por Deus para aquilo. A gente precisa reconhecer isso na vida dessa pessoa.

 

O apoio dos evangélicos foi fundamental para a eleição do atual presidente Jair Bolsonaro. Como o senhor avalia o primeiro mandato do presidente? Ele correspondeu às expectativas dos evangélicos de modo geral ou deixou a desejar em algum aspecto?

Eu acredito que ele está atendendo às nossas expectativas, sim. O presidente Bolsonaro defende, na grande maioria, pautas cristãs. Ele é católico e defende essas pautas, vamos dizer assim, mais tradicionais, da moral e bons costumes – diferente de outros partidos, que pregam a imoralidade, umas coisas absurdas. Eu acredito que o Bolsonaro tem reagido bem, apesar de toda a maré contrária que ele tem enfrentado dentro da política.

 

“A posição política adequada para o Cristianismo é o governo bíblico, que não é de esquerda nem de direita, é centrado em Deus, na palavra de Deus”

 

E como o senhor avalia as próximas eleições presidenciais? O senhor acredita que os evangélicos em geral devem apoiar o Bolsonaro novamente? Ou o senhor acredita que há outros nomes, como Lula, Moro etc, que podem atrair o voto dos evangélicos?

Eu acredito que o apoio vai permanecer. Eu até espero que permaneça. Eu não consigo enxergar uma pessoa que se diz cristã defendendo as causas que o Partido dos Trabalhadores defende. Não consigo, pela Bíblia, ver outro tipo de possibilidade que não seja defender a candidatura do próprio presidente Jair Bolsonaro. O Sérgio Moro é um bom candidato, mas, pelas atitudes que ele teve enquanto esteve no Ministério da Justiça, queimou o seu filme. De qualquer forma, se tem alguém que vai tirar um pouquinho de voto do Bolsonaro, esse alguém é o Moro. Quem é Lula sempre foi Lula e sempre vai ser Lula. Eu acredito que um apoiador do Lula não tem uma veia cristã forte, pois defende um governo comprovadamente tão ilícito e corrupto.

 

O pessoal da direita afirma que não é possível ser cristão e de esquerda ao mesmo tempo, enquanto o pessoal da esquerda afirma que não é possível ser cristão e de direita ao mesmo tempo. Afinal, qual é a posição política do cristianismo?

A posição política adequada é o governo bíblico. O governo bíblico não é de esquerda e não é de direita: é centrado em Deus, na palavra de Deus, nos mandamentos de Deus, em tudo aquilo que Deus fala que é bom. Começa por amar o próximo. Se os nossos políticos tivessem dois mandamentos – amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo –, nós teríamos o nosso problema resolvido. Aí ia ter assistência social de verdade, não ia ter corrupção… O sujeito ia pensar: “Eu não vou roubar porque eu vou fazer o mal, eu vou tirar o dinheiro do meu amigo, do meu irmão”.

 

O senhor acredita que o debate político nacional e municipal seria mais saudável se tivesse várias representações religiosas inseridas na Câmara, por exemplo?

Seria muito interessante se houvesse na política em geral, não só no ambiente eleitoral. Eu creio que esse debate seria muito mais profundo, não só com as lideranças evangélicas, mas com as lideranças de todas as religiões. O que nós queremos não é um governo que beneficie apenas os evangélicos ou os católicos, mas que beneficie a população como um todo. A gente acabou de falar de “amor ao próximo”. Todos os outros são os nossos próximos, independente da religião. Então nós queremos que esse bem alcance a todos.

“Está chegando o tempo de a AME e outros setores cristãos de Ponta Grossa lançarem uma candidatura própria”

 

O senhor acredita que o brasileiro participa pouco da política? Como o senhor resolveria isso e o que o senhor imagina que aconteceria se a população participasse mais ativamente da política?

Eu acho que o grande problema de a pessoa participar pouco da política é a falta de educação. Uma boa parte dos brasileiros ignora a política e são ignorantes na política. O que nós precisamos é educar essas pessoas. Eu vejo que o povo brasileiro está cansado de tanta corrupção, de tanto desmando, de tanta interferência externa do STF [Supremo Tribunal Federal], do presidente da Câmara, do presidente do Senado… O nosso presidente não consegue governar. Nós vivemos um sistema parlamentarista em um meio presidencialista. Há muita ignorância. Até no nosso meio evangélico. Alguns não querem nem participar da política, e eu acho isso um tremendo erro porque nós precisamos ser participantes e ativos na política. A política não é um bicho louco que anda por aí desgovernado. Ela faz parte da nossa vida. Nós fazemos política diariamente. E o meio político precisa de pessoas de boa índole, de caráter, que sejam honestas e íntegras, para que haja algum tipo de mudança. Para que essas pessoas apareçam, nós precisamos educá-las de todas as formas.

 

O senhor consegue enxergar, a curto prazo, uma solução política para os problemas que o Brasil enfrenta?

A curto prazo, eu acho que só um milagre. Foram muitos anos de corrupção, de desvio, de prática ilícita, e leva um tempo para que consigamos voltar a uma situação de normalidade. A não ser que ocorra um milagre, vai ainda algumas décadas pra reestruturarmos o Brasil da maneira como nós gostaríamos. O Brasil é um país riquíssimo em minérios, na agricultura, na pecuária, nas indústrias, mas precisa ser bem gerenciado. Eu acho que o mais urgente hoje seria restaurar o presidencialismo. Nós elegemos um presidente e nós sabemos que esse presidente, hoje, não tem o poder que nós outorgamos a ele. Então eu acho que precisaria cessar a influência e o poder do STF, da Câmara e do Senado sobre a nação. Enfim, nós vemos que hoje o presidente está de mãos atadas. Nós vimos isso agora na pandemia, não é? O STF dando poder aos governadores e tirando poder do presidente para decidir sobre a pandemia. É uma interferência absurda, no meu modo de entender.

 

Se o senhor fosse fazer um chamamento para os evangélicos e para a população de modo geral em relação à participação na política, qual seria o seu recado?

Eu, na verdade, convocaria as pessoas que têm o chamado de Deus para serem mais participativas e se unirem a nós. Nós criamos um grupo há dois anos, dentro da AME, visando justamente isso: instruir as pessoas a participarem mais, a serem mais ativas, porque a igreja é um ser vivo. Nós temos uma capilaridade de entrada em lugares distantes, remotos, mais pobres… Os pastores têm essa capacidade através dos membros de suas igrejas. Então a igreja tem um potencial muito grande, e eu creio que uma maior participação dessa população seria positiva em relação àquilo que nós desejamos, que é ter pessoas de bem no meio político.

 

Falando em AME, como a entidade se posiciona politicamente e qual é o projeto político da associação?

Antigamente a AME agia de forma mais discreta na questão política. Sempre esteve visitando prefeitos, orando pela população, pela Prefeitura, pelo prefeito, mas, de alguns anos para cá, a participação tem sido um pouco mais efetiva. Nós entendemos que não podemos ser massa de manobra, nós não somos mais massa de manobra. Nós estamos cada vez mais tentando inserir o nosso pensamento, a nossa posição, e eu creio que está chegando o tempo até de a AME e outros setores religiosos, cristãos, de Ponta Grossa lançarem uma candidatura própria. Já temos vereadores cristãos, mas eu me refiro a algo além disso, com candidatos a deputado, à Prefeitura. Esse é um pensamento que vem permeando esse comitê que nós criamos. Acredito que possamos criar esse espaço, ou que seja devolvido esse espaço que nos pertencia, vamos dizer assim. Por muitos anos, por conta de outras preocupações da igreja, que não pensava em exercer influência sobre os vários setores, perdeu-se esse espaço. Eu creio que está chegando a hora. Quando será, eu ainda não sei, mas isso é um fato que está amadurecendo na cabeça dos pastores e que pode vir à tona a qualquer momento com o lançamento de candidaturas próprias.

 

 

O senhor tocou na atuação dos vereadores cristãos. Como o senhor vê a atuação desse grupo na Câmara?

Nós vemos com muita satisfação e alegria. Nós saímos da legislatura passada com apenas dois representantes, que eram o Pastor Ezequiel [Avante] e o Felipe Passos [PSDB], e este ano tivemos a Missionária Adriana [Solidariedade], o pastor Leandro [Bianco, do Republicanos], o Léo Farmacêutico [Partido Verde], que é presbítero da Assembleia de Deus, e também a reeleição do Felipe Passos. De duas vagas na Câmara, nós passamos para cinco. Isso demonstra o poder do voto dos cristãos. Foi um crescimento. Nós conversamos com todos eles durante o início da legislatura e os convocamos para estarem conosco, para que pudéssemos também apoiá-los a fim de que esse número cresça ainda mais.

 

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #289 Março/Abril de 2022.