Domingo, 25 de Maio de 2025

D’P Opinião: Fazer história não é o bastante. É preciso fazer o presente. – por Afonso Verner

2022-07-09 às 09:21
Foto: Reprodução

Elizabeth Silveira Schmidt (PSD) fez história em Ponta Grossa. Em 2020, ela se tornou a primeira mulher a ser eleita para o cargo de prefeita da cidade, o quinto maior colégio eleitoral do Paraná. Ao lado da deputada estadual Mabel Canto (à época no PSC), Elizabeth figurou na única disputa daquele ano entre duas mulheres no segundo turno nas mais de 5 mil cidades brasileiras. Após quase dois anos, qual é o saldo que fica de sua gestão?

Antes da análise propriamente dita, é preciso destacar que Elizabeth não chegou lá por acaso. Ao contrário do que dizem os seus detratores mais ferozes, Elizabeth tem carreira e personalidade pública próprias. Ela estreou na vida pública em 2002, disputando o cargo de vice-prefeita ao lado de Carlos Tavarnaro. Depois disso, foi secretária municipal durante as gestões de Pedro Wosgrau, candidata a deputada federal em 2014 e secretária na primeira gestão de Marcelo Rangel (2013-2016), antes de ser vice do próprio Rangel a partir de 2017.

Dito isso, cai por terra a ideia de que Elizabeth chegou lá “por acaso”. A atual prefeita é dona de uma sólida carreira política, mas não necessariamente eleitoral. Como “cabeça de chapa”, a primeira eleição vencida por Elizabeth foi o pleito de 2020, quando, ao lado do policial militar (e estreante na vida pública) Capitão Saulo, também do PSD, ela venceu a disputa pelo Palácio da Ronda.

No entanto, desde então o caminho tem sido tortuoso. Elizabeth foi eleita em meio a uma pandemia que mudou a forma como vivemos e “herdou” do antecessor (e principal cabo eleitoral), Marcelo Rangel, uma série de problemas a serem resolvidos, os quais, porém, já eram de conhecimento da então vice-prefeita. Com isso, o início da gestão de Elizabeth foi caótico: a prefeita enfrentou a fase mais aguda da pandemia de forma atabalhoada e chegou a dizer que “não sabia o que ia fazer” quando a cidade enfrentou o pior momento na lotação de hospitais.

“O início da gestão de Elizabeth foi caótico: a prefeita enfrentou a fase mais aguda da pandemia de forma atabalhoada e chegou a dizer que “não sabia o que ia fazer” quando a cidade enfrentou o pior momento na lotação de hospitais”

Por mais que a situação fosse nova e, de fato, preocupante, não se esperava de uma liderança pública uma fala que demonstrasse tamanho despreparo. Em certa medida, tal dificuldade de lidar com situações críticas e delicadas marcou o primeiro ano do governo de Elizabeth e Saulo. A dupla teve graves problemas ao tentar explicar os problemas no funcionamento da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Santana, a superlotação na UPA Santa Paula e o fechamento do Pronto Atendimento no Hospital Universitário Materno-Infantil (HUMAI).

Soma-se aos problemas de gestão a falta de um bom diálogo com o Legislativo Municipal – a prefeita entrou em rota de colisão com oposicionistas ferrenhos e mais habilidosos do que ela no embate público. Além disso, Elizabeth amargou mais desgastes no Legislativo, como as mudanças administrativas que pautavam a extinção da Autarquia Municipal de Trânsito e Transporte (AMTT), já aprovada, e o fechamento da TV Educativa.

Ainda na relação com o Legislativo, é preciso destacar uma incongruência: mesmo formando maioria na Casa de Leis, a gestão de Elizabeth sofreu graves reveses, além de ser, muitas vezes, colocada contra a parede pelos vereadores. A gestora ainda tomou decisões equivocadas, como a de “culpar” o mandato coletivo do PSOL por uma ocupação (Elizabeth fala em “invasão”) de um terreno público e também sancionando medidas polêmicas, como a inócua proibição do uso de linguagem neutra nas escolas de Ponta Grossa.

Soma-se a esse caldo de derrotas e desgastes o fato de Elizabeth ter tido a imagem pública desgastada por uma ida a Dubai – a viagem oficial é relativamente costumeira para gestores municipais, mas, para agentes públicos com popularidade em baixa, acaba se tornando um calvário. Para ir ao evento oficial ao lado do governador Ratinho Júnior (PSD), Elizabeth “apanhou” publicamente e desgastou ainda mais a sua imagem.

Em menos de dois anos de governo, a prefeita está muito “menor” politicamente. Além de sofrer o desgaste típico de qualquer incumbente que responde pelo funcionamento da máquina, a professora decidiu entrar em rota de colisão com o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais (SindServ) no que diz respeito ao pagamento do Piso Nacional do Magistério, assim como no caso do corte do adicional de insalubridade dos servidores que atuam na linha de frente contra a COVID-19. Ambas as questões já foram resolvidas, mas não deixaram de causar um mal-estar entre a gestora e as lideranças sindicais.

A estratégia de Elizabeth parece se resumir à adoção de pautas conservadoras (como no debate inócuo sobre linguagem neutra) e a enfrentamentos absurdos e desgastantes. Em certa medida, a estratégia não é diferente daquela apresentada por Marcelo Rangel, seu antecessor. Mas há uma diferença notável: as gestões de Rangel foram sempre marcadas pela noção de crescimento da cidade, com diversas obras e avanços, enquanto a gestão de Elizabeth não conseguiu nada parecido com isso em quase dois anos.

Se em 2020 ela teve o suporte de cabos eleitorais de respeito, como Sandro Alex, Ratinho Júnior e o próprio Rangel, dois anos depois chegou a vez de ela ser testada no posto de cabo eleitoral. Em certa medida, a gestão de Elizabeth será avaliada quando os ponta-grossenses escolherem votar ou não nos apoiadores da professora em 2022. É bom lembrar que Ratinho e Sandro concorrerão à reeleição para o cargo de governador e deputado federal, respectivamente, enquanto Marcelo Rangel deve disputar o cargo de deputado estadual.

“A primeira metade da gestão de Elizabeth foi, no mínimo, problemática. A prefeita errou no básico, perdeu algumas vezes mesmo tendo maioria na Câmara e optou pelo enfrentamento em momentos pouco aconselháveis. Nos próximos meses, a gestão da professora será testada nas urnas: como as pessoas ligadas à prefeita vão se sair no pleito eleitoral?”

Em alguma medida, o sucesso ou o fracasso dos irmãos Oliveira, em termos de votação em Ponta Grossa, dependerá da avaliação do eleitorado sobre a gestão de Elizabeth. É notório que o eleitor médio ainda relaciona a eleição da prefeita com a indicação feita por Sandro e Marcelo em 2020, apesar de já existir determinado afastamento entre os irmãos e a gestora. Um exemplo desse afastamento (estratégico ou não) foram as críticas públicas que Sandro Alex fez à gestão de Elizabeth quando do reajuste da tarifa de ônibus. Além disso, o próprio Rangel já tem evitado entrar em “bolas divididas” pela sucessora. O radialista não entrou em rota colisão com a gestão de Elizabeth, mas também não é mais um pronto defensor da prefeita.

A primeira metade da gestão de Elizabeth foi, no mínimo, problemática. A prefeita errou no básico, perdeu algumas vezes mesmo tendo maioria na Câmara e optou pelo enfrentamento em momentos pouco aconselháveis. Nos próximos meses, a gestão da professora será testada nas urnas: como as pessoas ligadas à prefeita vão se sair no pleito eleitoral? A resposta deve dar o tom da avaliação geral do governo da primeira mulher a comandar a cidade de Ponta Grossa.

por Afonso Ferreira Verner, doutorando em Comunicação Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor universitário

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #290 Junho de 2022.