Quinta-feira, 28 de Março de 2024

D’P Pessoas: José Eli Salamacha

2022-04-19 às 14:29

por Enrique Bayer

            Comemorando 40 anos de formação no Direito, o advogado José Eli Salamacha é uma referência para muitos profissionais da área. Formado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Salamacha, na entrevista a seguir, recorda a trajetória até o ingresso na graduação, fala sobre a sua relação com a profissão nos primeiros anos de carreira e relembra professores que o inspiraram. O advogado também encara questões sobre os desafios da atuação profissional no Direito, comenta a política nacional e municipal, e reflete sobre as atuações do Supremo Tribunal Federal (STF) e do ex-juiz, ex-ministro e atual candidato a presidente Sérgio Moro. Apesar de ter o seu nome sondado por figuras importantes da política municipal, Salamacha ressalta que não se envolve com política partidária, mas dá dicas importantes sobre como gostaria que Ponta Grossa e o Brasil fossem conduzidos. Além de profissão, política e sociedade, o advogado também fala sobre os seus hobbies, que incluem prática de esportes e leitura, um hábito fundamental no Direito.

 

Como surgiu o interesse do senhor pelo Direito?

Na verdade, o sonho do meu pai era que eu fosse contador. Eu fazia o Ensino Médio em contabilidade. Chegando próximo do vestibular, não me pergunte por que, eu resolvi fazer Direito. Não tinha uma motivação. Passei no vestibular e aprendi a gostar do Direito. Sempre fui um aluno que gostava de discutir bastante e expor pontos de vista.

 

Como surgiu a ideia de montar um escritório?

Eu sempre digo que na vida você tem que ter um pouco de sorte – entenda-se “sorte” como “oportunidade”. Quando eu estava para me formar, conheci o meu primeiro sócio, que era o professor Luiz Rodrigues Wambier. Passei a estagiar com ele, e ele viu em mim um profissional dedicado, um aluno que tinha possibilidade de somar, e me propôs criar o escritório. A nossa parceria durou 26 anos.

“Sempre fui um aluno que gostava de discutir bastante e expor pontos de vista”

 

Quem foram os profissionais ou teóricos do Direito que inspiraram o senhor?

Aqui em Ponta Grossa, o próprio Wambier. Eu tive como professor na universidade o Wilson Jerônimo Comel. E outros professores: tinha o professor Dantas, na área de Direito Constitucional, que era muito bom; o professor Álvaro Augusto Cunha Rocha, que foi reitor da universidade. Depois, alguns profissionais que hoje estão lá em Brasília, como o professor Edson Fachin, que hoje é ministro. São muitos os nomes que a gente poderia citar e que nos inspiram.

 

As especialidades do senhor passam pelo Direito Empresarial e pelo Tributário. Você pode detalhar no que consiste o trabalho?

Por ser o dono do escritório, eu tenho uma visão generalista de todas as áreas. Eu navego pelo Direito Tributário, pelo Direito Trabalhista, pelo Direito Cível e pelo Direito Empresarial, mas a minha especialidade mesmo é Direito Empresarial. A minha rotina é de supervisão do escritório como um todo. Todos os advogados, quando têm alguma dificuldade, vêm até mim. Claro, existem os meus sócios, e cada um deles é coordenador de uma área. Mas, pela experiência, eu acabo tendo uma bagagem muito grande. Eu leio muito. Então eu procuro, inclusive, suprir os setores com atualidades, embora cada um faça o seu dever de casa. Eu, como sócio-fundador, procuro municiá-los com aquilo que eu acho importante.

 

O senhor falou no Direito Tributário. Uma das coisas que têm estado em pauta no debate público é a reforma tributária. O senhor considera o sistema tributário justo?

Depende da forma como você olha. Lá fora, nos Estados Unidos e Europa, a carga tributária é muito maior que a brasileira. Mas, em compensação, os contribuintes têm um retorno muito maior do governo.

 

“É preciso simplificar o sistema tributário, diminuir o número de impostos, criar isonomia fiscal”

 

Considerando a realidade brasileira, o que o senhor faria para chegar perto de algo que considerasse mais justo?

O sistema tributário brasileiro é muito complexo. O sistema contábil é muito complexo e é fruto do sistema tributário. O que precisaria – e já existem estudos muito bons nesse sentido – é simplificar o sistema tributário, diminuir o número de impostos, criar isonomia fiscal. E que houvesse um recolhimento uma única vez. Aqui há muita bitributação, e isso estoura no consumidor final.

 

Uma das pautas que têm estado no debate público agora é a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF). Alguns acusam o órgão de ultrapassar os seus limites e invadir a área do Executivo Federal. Como o senhor avalia a atuação do STF?

Eu diria que é uma unanimidade no país, em razão da forma como os ministros chegam ao STF. Eles não estão lá por concurso público. Eles não estão lá por terem feito uma carreira jurídica notável. A nomeação é essencialmente política. E, se você verificar a postura dos ministros, com raras exceções, todos eles agem de forma ideológica. Por mais que eles digam que não, as decisões deles refletem isso. O maior exemplo foram esses arquivamentos e encerramentos de processos contra o [ex-presidente] Lula. Eu tive a oportunidade de manusear alguns processos envolvendo o sítio de Atibaia, uma perícia que a Polícia Federal fez, onde estava caracterizado que o sítio era dele. Por um aspecto formal, mas atendendo a uma questão ideológica, houve o arquivamento. Sim, eu critico e endosso quem critica o STF.

 

Falando um pouco sobre política. O ano de 2022 é um ano eleitoral e o nome do ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro é um dos que estão no pleito. Como o senhor avalia a atuação jurídica de Moro?

A minha visão é que ele foi muito técnico em todas as decisões. Tanto que poucas decisões dele foram reformadas, e algumas foram reformadas até para ampliar a pena, não para reduzir. Ele passou o Brasil a limpo. Basta ver que houve delações e mais delações frutos desse trabalho. Não sei onde o país estaria hoje se não fosse esse trabalho. A corrupção diminuiu muito. Eu acho que o grande mérito do governo Bolsonaro é que não se ouve falar em roubalheira e corrupção.

 

“O Brasil merecia que mais pessoas se candidatassem, para ter mais opções, não só essa polarização entre Bolsonaro e Lula”

 

Politicamente, o senhor acha o Moro um nome viável para 2022?

Eu não tenho militância política. Acho apenas que o Brasil merecia que mais pessoas se candidatassem, para ter mais opções, não só essa polarização entre Bolsonaro e Lula que as mídias mostram. Eu acho que o Moro se desprendeu e está tentando colaborar. Eu valorizo quem se dispõe a dar o seu nome para tentar mudar o país.

 

E trazendo agora para a esfera municipal. Como o senhor avalia a gestão da prefeita Elizabeth Schmidt?

Eu acho que é muito cedo para avaliar. A Elizabeth é uma boa pessoa que está imbuída. Ela não é uma política de carreira que está atrás de cargos. Eu acho que ela tem vontade de fazer um bom governo. Às vezes as pessoas precisam profissionalizar um pouquinho mais as funções dentro do Executivo. Eu acho que isso é um erro de todos os nossos governantes. Assume determinado grupo, mas esse grupo não vai atrás de bons profissionais para assessorá-lo. A gestão tem que ser técnica, e a gente vê, muitas vezes, preocupação só com o lado político.

 

O senhor já foi cogitado para ser candidato a vice-prefeito de um político no passado. Existe a chance de o senhor entrar para a política um dia?

Veja bem, todo ser humano é político. Eu não sou político partidário. Se a gente está numa cidade, tem que participar da comunidade. Não tenho vontade e realmente não pretendo seguir [carreira política].

 

Falando apenas hipoteticamente, se o senhor fosse prefeito, quais seriam as suas prioridades para a cidade?

Nunca cheguei a pensar sobre isso, até porque precisaria conhecer um pouco mais a estrutura administrativa. O que eu acho que falta, de modo geral, é pensar a cidade para o futuro. Todo prefeito pensa para os próximos dois, três anos. Nesse ponto, tenho que tirar o chapéu para o Conselho de Desenvolvimento da cidade de Maringá, que é formado por empresários e que estão sempre ligados ao poder público. Eles estão pensando a cidade para dali a 15, 20, 30 anos. Tem que pensar desde a parte estrutural, de locais para desenvolvimento de residências, distritos industriais, bem-estar para a sociedade… E ninguém pensa nisso. As pessoas vão tocando, pensando no amanhã, que é daqui a dois anos.

 

“O que falta para Ponta Grossa é pensá-la para o futuro. Todo prefeito pensa para os próximos dois, três anos”

 

Quando não está trabalhando, como o senhor se distrai? Quais são os seus hobbies?

Eu gostava muito de praticar esportes, especialmente futebol, mas já faz um ano e meio que  me aposentei do futebol definitivamente. Eu tinha grupos de amigos que jogavam. Meu filho tem uma academia, então eu vou lá alguns dias da semana. Faço algumas caminhadas, pratico natação duas vezes por semana, e procuro contribuir, quando sou chamado, em algumas coisas comunitárias. Também gosto de leitura, de ver filmes, de viajar. Agora estou procurando separar mais tempo para viajar várias vezes por ano, principalmente no Brasil. Neste momento eu gostaria muito de conhecer o litoral do Rio de Janeiro, aquela região das ilhas de Angra dos Reis. Também a parte sul da Itália, a costa amalfitana.

 

E sobre filmes e livros?

Estou lendo um livro – na verdade, o primeiro de três volumes – que se chama Queda de Gigantes [do autor Ken Follett]. São três volumes, cada um tem umas 900 páginas. Então vou ler esses livros por um bom tempo. Mas, em geral, eu não guardo livros, eu empresto. Recentemente doei para o [projeto] ‘Pega Aí’ coisa de 200 livros, porque quero fazer a literatura rodar.

 

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #289 Março/Abril de 2022.