Domingo, 15 de Dezembro de 2024

D’P Saúde: Me deixa, mãe

2022-09-10 às 15:30

Com a chegada da puberdade, é muito comum que as crianças se isolem e evitem participar das atividades em família. O que está por trás desse comportamento e quando ele pode significar um problema mais sério?

Por Michelle de Geus

O período que vai do fim da infância ao início da adolescência costuma ser uma fase conturbada. Além da transformação do corpo causada pelos hormônios, a criança busca ser aceita no seu círculo de amigos e começa a desenvolver a sua própria personalidade. Nessa época, é comum que ela passe por uma fase de isolamento na tentativa de se conhecer melhor – entender os seus gostos e preferências – e fique mais tempo fechada no próprio quarto, evitando participar de atividades com a família.

Segundo a psicóloga e psicopedagoga Simone Weckerlin Brustolin, especialista em Neurociência, Desenvolvimento Infantil e Educação, que atende em Ponta Grossa, essa fase costuma surgir por volta dos 12 anos. “As crianças que estão no processo de transição da infância para a adolescência costumam se comportar de modo confuso, ora de maneira infantil, ora com atitudes que mostram a busca por ser alguém diferente”, explica Simone, acrescentando que, nesse período, são comuns gírias, palavrões e atos de rebeldia.

De acordo com a psicóloga, essa fase de isolamento costuma ser mais frequente em meninos. “Por questões culturais, a nossa sociedade não permite muito que os homens comuniquem desconforto e confusão emocional”, observa. No entanto, apesar de esse período de isolamento fazer parte do processo natural do desenvolvimento humano, Simone alerta que esse processo deve acontecer de maneira saudável, sem que alimentação, sono e humor fiquem alterados.

“O período de isolamento vai durar tempo suficiente para que a criança possa descobrir o seu próprio funcionamento, pensamentos e sentimentos”

Simone Weckerlin Brustolin, psicóloga e psicopedagoga

Autodescoberta

Conforme a psicóloga, essa fase de isolamento pode se estender por um período considerável de tempo, que vai de vários meses ou até mesmo anos. “Esse período vai durar tempo suficiente para que a criança possa descobrir o seu próprio funcionamento, pensamentos e sentimentos”, detalha. Ela aconselha que, nessa fase, os pais acolham a criança com carinho e naturalidade, oferecendo conforto emocional e empatia. “Assim como quando era bebê, ela era aplaudida por ter conseguido dar os seus primeiro passos sem se machucar, a criança nessa fase precisa do mesmo carinho e atenção”, indica.

Simone sugere que, nesse período, os pais deem orientação para que os filhos saibam lidar com raiva, medo, vergonha, culpa ou ansiedade de maneira saudável. “A criança não sabe lidar com as suas emoções e pode, em um primeiro momento, adotar comportamentos desastrosos na tentativa de cessar a angústia e o desconforto”, aponta. Conforme a psicóloga, algumas crianças podem perder a motivação para estudar, para se relacionar com os amigos e para fazer aquilo que antes trazia alegria, enquanto outras podem exibir comportamentos de risco. “É como se elas buscassem uma maneira de equilibrar as emoções e, assim, podem descobrir maneiras perigosas para lidar com o que sentem, como drogas, álcool, cortes na própria pele, furtos e mentiras”, exemplifica.

Quando o isolamento esconde algo mais

A psicóloga Léia da Rosa dos Santos, que também atende na cidade, observa que os pais devem ficar atentos quando os filhos se isolam, pois estes podem estar sendo vítimas de bullying ou abuso sexual. “As crianças, quando estão bem, normalmente são comunicativas, brincam e interagem. Se há uma mudança nesse comportamento, já é um indicativo de que algo precisa ser olhado com atenção”, alerta, citando que as principais diferenças para uma fase normal de isolamento são a duração, a frequência e os prejuízos que isso está causando. “Depressão e ansiedade são bem comuns nessas situações e podem, inclusive, aparecer na forma de insônia – ou excesso de sono –, tristeza, irritabilidade e explosões de choro. Também pode haver regressão no comportamento, como, por exemplo, voltar a fazer xixi na cama”, explica.

Segundo a sugestão de Léia, o caminho é entender o que está ocorrendo, oferecer ajuda e interferir se necessário. “Uma situação de bullying na escola não é algo que você pode esperar que se resolva sozinha. É necessário que a família entre em ação e que a escola intervenha”, afirma. Além disso, a criança também pode precisar de ajuda para aprender a regular as emoções e entender os próprios pensamentos e sentimentos. “A ansiedade e a depressão na infância não escolhem ser mais leves e têm grande possibilidade de se agravar se não houver o suporte necessário”, aponta, enfatizando que o ideal é buscar ajuda especializada para que não haja prejuízo na aprendizagem ou nas interações sociais.

“As crianças, quando estão bem, normalmente são comunicativas. Se há uma mudança nesse comportamento, é um indicativo de que algo precisa ser olhado com atenção”

Léia da Rosa dos Santos, psicóloga infantil

E se for introversão?

A psicóloga explica ainda que é preciso diferenciar o isolamento da introversão. No caso das crianças que são introvertidas, o caminho é respeitar a criança para que ela se sinta segura e confortável para interagir melhor. Segundo Léia, os pais devem encorajar a criança a desenvolver o seu repertório de habilidades sociais e incentivá-la a enfrentar situações que normalmente evita. “Nas primeiras vezes, você vai precisar ser modelo. Então mostre como fazer e faça junto com ela. Por exemplo, ensine a fazer o pedido, como agradece e como se despede quando vai comprar um lanche. Aos poucos, a criança desenvolve autonomia e começa a se expressar naturalmente”, conclui.

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #290 Agosto de 2022.