Sábado, 27 de Julho de 2024

Enfoque D’P: Um novo centro é a solução. Ou não?

2022-11-06 às 16:52

Fenômeno comum em cidades de grande e médio porte, a criação de um novo centro é uma medida defendida por moradores de Ponta Grossa para desafogar o fluxo de veículos e pedestres no centro atual. A ideia é preservar o que seria o centro “velho” como espaço de cultura e memória e transferir o comércio de bens e serviços para um novo centro. Mas será que realmente precisa?

Por Michelle de Geus

Ainda no século XVIII, a região onde hoje se encontra Ponta Grossa começou a ser percorrida por tropeiros, e várias fazendas surgiram ao longo do caminho das tropas. Na época, era comum que o nascimento de uma nova cidade fosse marcado pela construção de uma igreja, e com a Princesa dos Campos não foi diferente. O local escolhido foi uma colina, onde foi erguida uma capela em homenagem a Santa Ana, avó de Jesus Cristo, de acordo com a Bíblia, e no seu entorno foram construídas residências e estabelecimentos comerciais.

O tempo passou e a cidade cresceu e se desenvolveu. Hoje, Ponta Grossa abriga 400 mil habitantes e representa umas das principais economias do Paraná. Em cidades de pequeno e médio porte que passaram por um rápido crescimento econômico, é comum coexistirem um Centro histórico, ligado à fundação do município, e um Centro novo, mais moderno e dinâmico. Apesar do desenvolvimento a passos largos, Ponta Grossa ainda concentra a maior parte do comércio de bens e serviços nos arredores da Catedral de Sant’Ana, onde está localizada a região central da cidade. Diante disso, há quem defenda que já está na hora de se criar um novo centro na cidade.

Será que Ponta Grossa precisa de um novo centro?

Sim, mas não já

Na opinião do engenheiro civil Joel Larocca Júnior, mestre em Economia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP), a cidade precisa, sim, de um novo centro, mas não agora. “Penso que é preciso consolidar os polos previstos no Plano Diretor de 1992 antes de fixar um novo centro como ponto de comércio”, avalia, citando que o Plano Diretor daquele ano estabelece as regiões de Nova Rússia, Oficinas e Uvaranas como polos para o desenvolvimento da cidade e que, mais tarde, estudos do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Ponta Grossa (IPLAN) acrescentaram Santa Paula e Jardim Carvalho. Hoje, no Plano Diretor que está em votação na Câmara Municipal, esses polos foram “esticados” para se transformar em eixos regionais.

Larocca, no entanto, observa que é necessário já deixar prevista no planejamento de longo prazo a implementação de um novo centro, e que isso já deve começar a ser feito. “Um novo centro é uma coisa a ser pensada desde já, mas implantado a médio prazo, talvez algo a ser começado de modo incipiente em uns dez anos”, estima.

“Um novo centro é uma coisa a ser pensada desde já, mas implantado a médio prazo, talvez algo a ser começado de modo incipiente em uns dez anos”
(Joel Larocca Júnior, engenheiro civil)

Na visão do engenheiro, Ponta Grossa conta com vários locais propícios para a implantação de um novo centro, mas ele acredita haver uma propensão maior para a divisa entre Estrela, Oficinas e Olarias ou a divisa entre o centro, Nova Rússia e Ronda. “Se se optar por essas áreas, será necessário fazer a imediata reserva de terrenos para mudar repartições públicas e estabelecimentos comerciais para o novo centro”, indica, acrescentando que a implantação de um hipotético novo centro dependeria da atuação de governantes estaduais e mesmo federais, para que sejam criados atrativos para o local. “Com isso, o comércio e os serviços seguirão esse rumo por conta própria, necessitando poucos investimentos públicos, exceto em infraestrutura”, opina.

E como seria esse novo centro? Para Larocca, a tendência é que ele reúna em shoppings alguns estabelecimentos mais ou menos afins e eventualmente conte também com edifícios de escritórios, salas de eventos e hotéis. Segundo ele, o mais importante seria contar com um sistema de transporte público eficiente para atender à nova região. “Talvez um VLP [veículo leve sobre pneus] que funcione como metrô de superfície, em canaletas exclusivas, ligando os eixos regionais aos centros velho e novo. No centro velho, esse sistema seria subterrâneo, sem interferência na paisagem”, sugere.

O engenheiro observa ainda que a Ponta Grossa “tradicional” não poderá sobreviver por muito tempo. Ele comenta que a cidade é um polo estadual universitário e industrial que vem começando a se destacar no cenário nacional. “Só não é um polo de comércio e serviços porque sofre da proximidade com Curitiba e da influência forte e danosa de um modo de pensar arcaico, típico da elite latifundiária local”, critica. Cada vez mais, na opinião dele, os habitantes vão precisar de novos lugares, destinando ao centro velho o papel de guardião da memória. “O velho centro é a história. A história nos proporciona exemplos e oportunidades de reflexão. Uma cidade não é um rascunho sobre o qual se pode passar a borracha, mas, sim, um organismo vivo formado de pessoas. O velho centro nunca será apagado”, aponta.

Não, não precisa

Já na visão do também engenheiro civil Carlos Mendes Fontes Neto, mestre em Planejamento e Projeto Urbano pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (Portugal), Ponta Grossa não precisa de um novo centro. “A mudança artificial de uma centralidade não resolve os problemas que as cidades modernas enfrentam e ainda pode criar novas dificuldades para a economia e a mobilidade urbana”, considera, observando que, para se viabilizar um novo centro, é preciso estimular o fluxo de pessoas, serviços e ideias através da oferta de infraestrutura, transporte e outros equipamentos urbanos, para que os moradores optem pela proposta.

“Ponta Grossa precisa realmente de um novo centro? Ou precisa de uma gestão pública eficiente que melhore a qualidade do espaço público?”
(Carlos Mendes Fontes Neto, engenheiro civil)

Fontes neto observa que a tendência é que novos centros surjam à medida que a cidade se modifica, seguindo o eixo natural do desenvolvimento socioeconômico. “A condição de centro urbano varia conforme os ciclos, principalmente econômicos, mostrando ao longo do tempo as tendências de crescimento da cidade”, aponta, acrescentando, a título de exemplo, que em determinada época a rua XV de Novembro era considerada o centro de Ponta Grossa e que, tempos depois, as atividades comerciais passaram se concentrar na avenida Dr. Vicente Machado.

“A cidade é dinâmica e, no decorrer do tempo, surgiram novos centros à medida que ela evoluiu, com áreas que naturalmente nasceram para acomodar as necessidades de regiões que se desenvolveram mais do que outras”, afirma, destacando o caso de bairros como Nova Rússia, Oficinas, Santa Paula e Uvaranas. “São pequenos centros que se consolidaram para atender às expectativas dos moradores locais. Logo, criar um novo centro por quê? Com qual finalidade? E com qual vantagem?”, questiona.

Desafogar o tráfego urbano na região central seria uma das principais razões para se criar um novo centro. Mas, de acordo com o engenheiro, a medida não seria necessária, já que a geografia do sistema viário da cidade induz a movimentação de veículos à região central. “O que efetivamente permite controlar o fluxo de veículos é a diminuição de vagas de estacionamento público, a criação de zonas de baixa velocidade, a restrição ao tráfego motorizado em determinados pontos, além da promoção de um transporte público eficiente e de qualidade”, argumenta.

Fontes Neto observa ainda que um novo centro poderia condenar o centro atual, onde, segundo ele, há diversos vazios urbanos, edificações antigas vêm sendo “sumariamente” demolidas e aumenta o número de terrenos transformados em estacionamentos de veículos. “A perspectiva de qualquer outro local da cidade que ofereça melhor qualidade e cuidado, por si só, já implica condenar o nosso centro a um crescente abandono”, alerta, destacando ainda que falta incentivo para a preservação do patrimônio histórico, a valorização dos logradouros públicos originais e a conservação de parques e praças.

Em vez da criação de um novo centro, o engenheiro defende a reabilitação do centro atual, oferecendo mais segurança no trânsito, espaços urbanos com atividades diurnas e bem iluminados à noite, vias adequadas para caminhar, praças bem cuidadas, arborização e outros elementos que tornem a região mais agradável e convidativa. “Ponta Grossa precisa realmente de um novo centro? Ou precisa de uma gestão pública eficiente que melhore a qualidade do espaço público com uma ordenação voltada à escala humana?”, questiona.

Terceira via

A professora do departamento de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Maria Magdalena Ribas Döll, é da opinião de que a criação de um novo centro não seria interessante para a cidade. Docente de disciplinas voltadas para a área de infraestrutura, como abastecimento de água, rede de esgoto e saneamento ambiental, ela aponta que os principais empecilhos são o relevo muito acidentado e as diversas sub-bacias hidrográficas da cidade. “Diante dessa dificuldade, fica até difícil projetar sistemas de tratamento apenas para um novo centro”, justifica.

No entanto, a professora considera viável o aproveitamento de espaços que já se destacam como eixos regionais para a criação de vários novos minicentros. “Nós temos grandes bairros que poderiam ter um centro comercial de pequeno porte que contemple vários produtos e serviços importantes”, aponta, destacando que o desenvolvimento desses centros regionais poderia contribuir para a mobilidade urbana e a qualidade de vida da população. “Além de evitar congestionamentos, se for preciso realizar uma intervenção no pavimento, na iluminação pública ou na rede de esgoto, não corre o risco de a cidade parar”, explica.

“Nós temos grandes bairros que poderiam ter um centro comercial de pequeno porte que contemple vários produtos e serviços importantes”
(Maria Magdalena Ribas Döll, professora de Engenharia Civil na UEPG)

Esses novos centros, no entendimento da professora, motivariam os habitantes a permanecerem nos seus bairros e a fomentarem o comércio local, desafogando o fluxo de veículos e pessoas na região central. “Por exemplo, eu moro no Jardim Carvalho e tento comprar no meu bairro. Existem muitos produtos e serviços que infelizmente não são oferecidos aqui, então eu tenho que me deslocar para o centro”, relata, sugerindo que esses pequenos novos centros poderiam oferecer serviços de correios, cartórios, clínicas médicas, postos de saúde e escolas. “Esses novos centrinhos seriam vantajosos para cidade como um todo e facilitariam o dia a dia da população”, defende.

Maria Magdalena também sugere a criação de um centro financeiro para a cidade. “A ACIPG [Associação Comercial, Industrial e Empresarial de Ponta Grossa] construiu um prédio muito bonito ali na região da Santa Paula. Então, de repente um novo centro financeiro próximo à associação seria interessante, mas não um novo centro de serviços e comércio”, indica, lembrando que em grandes centros urbanos é comum o surgimento de um distrito financeiro, onde se concentram bancos, empresas de seguro, mercados financeiros e demais serviços de apoio.

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #292 Setembro de 2022.