Quarta-feira, 14 de Maio de 2025

Enfoque D’P: Uma cidade (quase) sem árvores

2023-01-03 às 14:02

Com potencial para ter mais de 64 mil árvores, Ponta Grossa tem apenas 28.925. Pesquisadores se debruçaram sobre o assunto e fizeram uma varredura da arborização no município, apresentando as causas de um deficit tão elevado, os problemas que ele causa e as formas de superá-lo

por Michelle de Geus

À medida que as cidades se desenvolvem, cresce também a preocupação com ações voltadas à sustentabilidade e à preservação ambiental – entre elas, o plantio de árvores. A arborização é considerada uma das soluções mais simples e econômicas para melhorar a qualidade de vida no ambiente urbano. Além de tornar o espaço mais convidativo e agradável, as árvores ainda são responsáveis pela manutenção do conforto térmico, pela melhoria na qualidade do ar e da água, pela prevenção contra deslizamentos e inundações, pela preservação dos recursos hídricos e pelo aumento da biodiversidade. Os municípios que investem na arborização de áreas urbanas também se destacam no aspecto econômico, pois apresentam uma maior valorização comercial dos imóveis.

Índices preocupantes

Com potencial para abrigar 64.122 árvores, Ponta Grossa possui atualmente apenas 28.925, ou seja, um deficit de 35.197 árvores. Os dados são de um trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), por Sandra Stocker Kremer, do curso de mestrado em Gestão de Território. A pesquisa está inserida em um projeto mais amplo, financiado pela Fundação Araucária, que tem como objetivo avaliar a arborização nas vias públicas do município. Os dados foram obtidos através do software Quantum Gis, que aplica o estimador de densidade Kernel por meio de mapas de calor. Também foi utilizada a metodologia do pesquisador Allan Yu Iwama de Mello, que estabelece o número de árvores por quilômetro de via. Além disso, ainda foram realizados levantamentos de campo.

Segundo o estudo, os bairros mais arborizados de Ponta Grossa são Contorno (3.461 árvores), Chapada (3.101) e Boa Vista (2.900). Já os menos arborizados são Centro (970), Olarias (831) e Neves (726). De acordo com a pesquisadora, esse dado pode ser atribuído à densidade de construção. Ou seja: quanto maior é a densidade, menos espaço há no espaço público. Outro aspecto é que as calçadas do Centro, em específico, são em grande parte estreitas, o que impossibilita o plantio de árvores. Considerando a relação de média de árvores por quilômetro, os três bairros mais arborizados são Ronda (41,7 árvores por quilômetro), Boa Vista (37,6) e Estrela (35,4). Na proporção por quilômetro, os menos arborizados são Uvaranas (13,1), Neves (7,9) e Cará-Cará (4).

“Até os bairros que apresentam as maiores densidades de arborização apresentam índices preocupantes e que merecem atenção do poder público, pois existem vias potenciais para o desenvolvimento de projetos voltados à arborização, bem como ao adensamento entre as árvores”, aponta Sandra.

A pesquisa revelou ainda que Ponta Grossa possui apenas 3.6 árvores para cada 100 metros de raio e 22,52 árvores por quilômetro de via. Conforme a pesquisadora, as ruas principais dos bairros da cidade apresentam baixas densidades e até mesmo inexistência de arborização. “Essas vias têm função comercial e tráfego intenso, com calçadas muito estreitas e impróprias para a arborização, consequência de remodelações que priorizaram o alargamento das ruas”, avalia.

Outro fator preocupante, de acordo com o estudo, é o predomínio de espécies exóticas, ou seja, aquelas que não fazem parte do bioma ou ecossistema local. Nos bairros da cidade, as espécies exóticas correspondem a 59,53% do total de árvores, com destaque para o ligustro (Ligustrum lucidum) e a extremosa (Lagerstroemia indica). “Muitas vezes, elas são incompatíveis com a infraestrutura urbana, causando conflitos com a fiação elétrica e com as calcadas, devido ao porte ou manejo inadequado da maioria das árvores”, explica Sandra, acrescentando que algumas espécies também são invasoras, tomam o lugar das árvores nativas e ameaçam a diversidade biológica. Segundo ela, o ideal é plantar árvores nativas da região, como ipês, jacarandá-mimoso, pitangueira, araçá e aroeira-vermelha.

Predominância do cinza

Na visão da professora Silvia Méri Carvalho, do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UEPG, vários fatores podem explicar o baixo nível de arborização de Ponta Grossa em comparação com cidades de igual ou maior porte. “Um processo de urbanização pouco planejado e uma visão de planejamento urbano centrada mais nas estruturas chamadas cinzas [concreto], e não em um enfoque mais ambiental, são algumas das justificativas”, avalia, acrescentando que a falta de um conhecimento mais profundo sobre os benefícios da arborização urbana também é um dos fatores.

Silvia lembra que, em décadas passadas, as principais vias urbanas da cidade tinham canteiros centrais arborizados, o que acabou se perdendo ao longo do tempo. “As árvores constantemente perdem espaço para vias de circulação de veículos ou outras instalações urbanas, como indústrias e residências”, observa, ressaltando que a perda de cobertura vegetal, especialmente nas vias públicas, tem uma relação direta com o crescimento do município. “Infelizmente, o incentivo ao transporte individual exige vias cada vez mais largas para facilitar a mobilidade urbana. São muitos carros e poucas bicicletas ou outros tipos de transporte”, opina.

Urbanização e meio ambiente

O desenvolvimento da cidade e o aumento da urbanização caminham lado a lado com o desenvolvimento econômico, argumenta Silvia. Entretanto, a professora alerta que, se não houver preocupação com o plantio de árvores durante esse processo, o avanço das cidades reduz a cobertura vegetal nativa e pode causar um desequilíbrio no ecossistema local. “Com certeza é possível conciliar urbanização e meio ambiente, mas o planejamento urbano deve estar voltado para um viés ambiental. É necessário que o gestor conheça as potencialidades e os desafios que o ambiente urbano oferece, seja do ponto de vista das condições do relevo, da localização geográfica ou das condições climáticas”, exemplifica. “Plantar árvores só por plantar não resolve”, acrescenta, destacando que, para os novos loteamentos que estão surgindo em Ponta Grossa, já existe uma cobrança maior em relação ao plantio de árvores e a repercussão positiva disso será sentida daqui a alguns anos.

Diagnóstico e planejamento

Silvia lembra que a arborização das vias públicas proporciona uma série de benefícios sociais, ambientais e econômicos, motivos pelos quais “merece total atenção do poder público”. “A falta de árvores compromete a qualidade ambiental urbana, seja pelo pelo desconforto térmico, pela baixa biodiversidade, pelo maior escoamento superficial ou pela menor infiltração da precipitação, para citar apenas algumas variáveis que podem interferir na qualidade de vida da população”, enumera.

Para que Ponta Grossa atinja o seu potencial de mais de 64 mil árvores, a professora defende que é preciso elaborar um planejamento arbóreo baseado em critérios técnicos e científicos. “O primeiro passo é realizar um bom inventário e diagnóstico arbóreo, que identifiquem os problemas e proponham as soluções. A partir daí, é possível definir qual árvore plantar, onde plantar e como plantar”, resume, concluindo que, com esse levantamento em mãos, o poder público pode elaborar e aperfeiçoar planos de manejo voltados à arborização urbana.

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #293 Novembro/Dezembro de 2022.