há 9 horas
Amanda Martins

O debate sobre a cannabis costuma oscilar entre visões opostas que a classificam como substância perigosa ou como planta medicinal e símbolo de liberdade individual. Segundo o portal Metrópoles, um estudo recente publicado na revista científica Neuropsychopharmacology propõe uma abordagem diferente ao investigar fatores genéticos associados ao uso da cannabis ao longo da vida, independentemente do desenvolvimento de dependência.
A pesquisa, intitulada The genetics of Cannabis lifetime use, foi conduzida por pesquisadores da Universidade de Yale e analisou dados genéticos de mais de 250 mil pessoas de diferentes ancestralidades. O objetivo foi identificar quais características biológicas aumentam a probabilidade de uma pessoa experimentar cannabis em algum momento da vida, sem necessariamente evoluir para um quadro de uso compulsivo.
Os resultados indicam que a experimentação da cannabis pode estar mais relacionada a traços genéticos ligados à curiosidade e à busca por novas experiências do que a uma predisposição direta ao vício. O principal achado foi a forte associação entre o uso vitalício da substância e o gene CADM2 (Cell Adhesion Molecule 2), especialmente a variante genética CADM2*rs7609594, já observada em estudos anteriores.
O gene CADM2 é conhecido por sua relação com comportamentos exploratórios, impulsividade positiva e maior sensibilidade à recompensa. Ele também já foi associado, em outras pesquisas, a traços como abertura à experiência, propensão a assumir riscos moderados e maior disposição para explorar novidades. Segundo os autores, trata-se de um gene ligado à exploração e não especificamente ao uso de cannabis.
Outro ponto central do estudo foi a distinção entre o uso ocasional da cannabis ao longo da vida (CanLU) e o Transtorno por Uso de Cannabis (CanUD). Embora exista uma correlação genética moderada entre os dois comportamentos, os pesquisadores identificaram que os locais do genoma associados à experimentação são diferentes daqueles relacionados à dependência. A dependência apresentou maior associação com transtornos psiquiátricos, problemas de sono e doenças cardiovasculares, enquanto o uso vitalício esteve ligado a traços de personalidade exploratórios e até maior escolaridade.
A pesquisa também diferenciou geneticamente o uso vitalício de cannabis do consumo de tabaco, demonstrando que, apesar de comportamentos semelhantes, os fatores genéticos envolvidos não são idênticos.
Para os pesquisadores, os resultados têm implicações relevantes para a medicina e para o debate público. As descobertas reforçam que o uso de cannabis não implica automaticamente predisposição genética ao vício e que há bases biológicas distintas entre experimentar e desenvolver dependência. Além disso, os dados podem contribuir para avanços na medicina canabinoide, ao indicar que fatores genéticos influenciam tanto o comportamento quanto a resposta do organismo a compostos como THC e CBD.
Os autores avaliam ainda que o reconhecimento dessas diferenças pode auxiliar na formulação de políticas públicas mais eficazes e na redução do estigma associado ao uso da cannabis, especialmente em contextos terapêuticos.