O ano de 2021 começa com um sentimento diferente para as cerca de 1200 pessoas que já foram atendidas nos leitos reservados para Covid-19 no Hospital Universitário da UEPG. Desde 30 de abril, quando aconteceu a primeira alta de paciente com a infecção pelo novo coronavírus confirmada no HU-UEPG, já receberam a tão sonhada alta 934 pacientes, depois de passar dias, semanas ou até meses internados.
Em cada alta, a saudade da família e, sempre, uma recepção emocionada na saída do hospital. No dia 01 de dezembro, a família de Beatriz Schmidt Kaiut esperava com balões coloridos, mensagens carinhosas e muita ansiedade.
“De repente, começou um mal estar, um cansaço”, contou Beatriz sobre o início dos sintomas de Covid-19. “Quando o teste saiu, eu já estava passando mal, com falta de ar, bem abatida”. Com a piora da doença, precisou ser internada e subiu direto para a UTI, onde ficou por pouco tempo, logo passando para o leito clínico. Mesmo assim, precisou de cuidados por 15 dias. “Precisei usar oxigênio, num volume bem alto, bem elevado. Cheguei até a oito litros de oxigênio pra poder me manter”, explica. “Na hora de dormir, me batia muito pesadelo. Durante o dia passava bem, mas não dava pra baixar muito o oxigênio. É um processo gradativo”.
O isolamento necessário por conta da pandemia tornou difícil a estada no hospital, mas o apoio da família, mesmo que de longe, fez toda a diferença para a paciente. “Minha neta ligava todo dia, perguntando como está a vó. Eu sabia que o coraçãozinho dela estava apertado, mas sempre me dava um sorriso, dizendo: ‘Vamos vó, você é forte! Vamos continuar, você vai vencer”, rememora. “A vida continua e a gente tem que ter muita fé. O que me manteve aqui dentro foi a fé”.
Acostumada a lidar com as altas de diversos pacientes do HU-UEPG, a assistente social Benildes Kaiut Schemberger não continha a emoção ao aguardar pelo momento em que a irmã mais velha desceria o corredor do Pronto Atendimento, local por onde saem os pacientes que recebem alta da ala Covid. No fim de tarde de um dia chuvoso, um arco-íris acompanhava as irmãs, filha e neta de Beatriz na recepção da paciente.
Enquanto aguardava a alta no leito clínico da ala Covid, Beatriz contou que, apesar do semblante sereno, o sentimento era de ansiedade por ir para casa e poder ficar com a família. “Como a gente sai contaminado daqui, então vamos ter que se olhar de longe, pra depois chegar em casa, tomar um banho bem gostoso e, aí sim, poder abraçar cada um”, antecipou.
Depois de um mês da alta, a paciente ainda utiliza o suporte de oxigênio, por conta das sequelas da doença. “Quando ela faz algum esforço físico, ela ainda necessita se socorrer com o oxigênio, mas ainda assim ela está muito bem. Não vou dizer que está pronta pra outra, porque a gente não quer outra, de jeito nenhum, mas ela está aí, forte, segura, alegre, feliz e iluminada, como a Beatriz sempre foi”, comemora a irmã.
Como tantas, uma família UEPG
Benildes conta que a história da UEPG se entrelaça à da família. A irmã mais velha, Beatriz, fez pedagogia na então Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Ponta Grossa, uma das faculdades que depois compôs a Universidade Estadual de Ponta Grossa. “Eu fui acadêmica de Pedagogia, e depois trabalhei no departamento de educação, com disciplinas em vários cursos em Ponta Grossa e outros campi”, explica a professora aposentada, que lecionou na maioria dos cursos de graduação oferecidos pela UEPG. “A gente tem a universidade no coração”.
“A universidade fez muita diferença na vida dela, sim, porque nós viemos de uma família simples, onde nada faltava, mas ela foi a primeira a ter um ensino superior. Fez o caminho para as outras três irmãs, para que fizessem parte de uma classe, naquela época tão privilegiada, que era daquelas que trabalhavam fora, que tinham uma formação superior”, enfatiza Benildes.
“Eu comecei a universidade em 1978, parei, e voltei em 2002 para terminar meu curso de Serviço Social”, conta a assistente social. Em 2010, quando foi criado o então Hospital Regional, foi contratada por meio de concurso público. “Ajudei um pouquinho a construir o que é o HU hoje”, comemora, orgulhosa.
Esse histórico de envolvimento com a UEPG e com o Hospital Universitário intensificou as emoções da alta, no início de dezembro. “Ela contribuiu um pouco com a formação dos acadêmicos. E hoje ela foi atendida pelo serviço social, pelos médicos, enfermeiros, muitos formados pela UEPG também. É gratificante ver que o Hospital pode dar retorno para toda a população, e inclusive para aqueles que fizeram parte da formação de profissionais”, enaltece Benildes.
“Como irmã mais velha, Beatriz ficou no lugar da matriarca da família depois que minha mãe faleceu, então ela tem um papel muito importante pra nós”, conta a irmã mais nova. “A alta dela foi muito emocionante, porque a gente resgatou do hospital uma pessoa base pra nossa família, mas ao mesmo tempo fico triste, porque muitas famílias não conseguem resgatar os seus. Eu, que trabalho com os óbitos Covid, sei que essa não é a realidade de tantos”.
Uma doença que mudou o mundo
“O coronavírus é uma doença que surpreendeu. Ela é misteriosa, porque alguns têm quadros clínicos razoáveis, logo se recuperam e está tudo bem, e outras pessoas agravam bastante”. É com conhecimento de causa que Beatriz fala sobre a doença, já que teve mais de 50% dos pulmões comprometidos após a infecção pelo coronavírus.
Para começar o novo ano, fica a gratidão por cada profissional que trabalha para salvar vidas no Hospital Universitário: “A gente agradece muito a Deus, aos médicos, enfermeiros, a toda a equipe de assistência, pela atenção, pelo cuidado. Os psicólogos foram elos na nossa relação com ela dentro do hospital, já que não podíamos ter contato, por estar na ala Covid”, agradece Benildes.
Sobre a sensação de ser atendida por profissionais sempre paramentados, protegidos por máscaras e equipamentos de proteção, Beatriz conta: “A gente procura olhar nos olhos, né? Você procura olhar o sorriso das pessoas e o que a gente vê são máscaras, e atrás dessas máscaras, como nós estamos sofrendo aqui, quem está trabalhando também está desgastado, está sofrendo”. Ainda que com o cansaço e a sobrecarga trazida pela pandemia, cada profissional de saúde que passou pelo leito da professora aposentada deixou uma palavra de carinho e atenção. “A gente percebe o carinho do pessoal, eles vêm e procuram incentivar, reanimar a gente. E esse carinho a gente não consegue visualizar através do sorriso ou dos olhos, a gente sente”.
“Se cuidem e cuidem das suas famílias”, recomenda Beatriz. “Se cuidem pra cuidar dos seus mais antigos, dos seus mais idosos. E também para se preservarem, para que daqui a alguns anos isso tenha passado, como a peste negra, como outras doenças que ficaram no passado. Levaram muitas vidas e trouxeram muito sofrimento, mas que a gente saiba com fé, com caridade, com amor superar esses problemas”.
No último dia de 2020, 79 pacientes ainda lutavam contra a doença nos leitos de UTI, clínicos e de emergência da ala Covid do HU-UEPG.