O programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba), recebeu nesta quinta (25), a influencer Cris Ribeiro e o psicólogo Maurício Wisniewski para debater a questão dos acumuladores compulsivos.
A Síndrome de Diógenes – nome popular para o Transtorno de Acumulação (TA) – ganhou esse nome em função do filósofo grego Diógenes, que vivia como mendigo e recolhia e acumulava objetos sem valor. A característica mais comum do acumulador é a mania de adquirir, ilimitadamente, bens, animais e objetos sem valor, o que o leva a passar a viver em condições insalubres.
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, até 2014, quando o TA foi incluído no documento, inexistiam estudos nacionais significativos sobre a prevalência do Transtorno de Acumulação. Nos EUA e Europa, estima-se que a prevalência seja de 2 a 6%. Estudos epidemiológicos relatam mais casos entre homens e amostras clínicas, no entanto, indicam predominância entre as mulheres.
Os sintomas da acumulação costumam ser três vezes mais frequentes entre adultos mais velhos (55 a 94 anos) que entre adultos mais jovens (33 a 44 anos).
Um estudo em Portugal aponta uma prevalência maior entre pessoas idosas (84%), solteiras (44%) e que moram sozinhas (64%) em apartamento. O mesmo estudo relata que os casos costumam ser referenciados aos serviços de saúde por vizinhos, diante de situações de risco para o acumulador ou para terceiros.
A influencer, que reúne 300 mil inscritos em seu canal de YouTube, onde fala sobre arrumação e organização, diz que não é acumuladora, mas que teve uma fase na adolescência em que guardava tudo, achando que precisaria daquilo depois. “Antigamente, era uma coisa mais comum entre as pessoas, porque era difícil ter o acesso como temos hoje”, opina.
Cris relata que muitas de suas seguidoras enfrentam problemas com mães acumuladoras, em especial em situações que não conseguem elaborar o luto e mantêm pertences do ente falecido sobre uma cama, ou sobre uma mesa, sem sobrar espaço para o que é útil no dia a dia, por exemplo.
“Não se desfazer daquilo que representa a pessoa”, emenda o psicólogo Maurício Wisniewski, sobre a dificuldade em lidar com o luto que alguns acumuladores manifestam.
O psicólogo admite que não são muitas pessoas que o procuram no consultório para tratar da questão, que tem sido muito evidenciada, nos últimos anos, inclusive, por reality shows na TV fechada. “Geralmente, o acumulador não admite, não tem a consciência de que ele é acumulador. Para ele, aquela é uma forma de economizar, poupar, aproveitar as coisas e não cometer desperdício”, explica.
Carga geracional
Segundo Wisniewski, ainda que ser acumulador não advenha de herança genética, traz consigo uma “carga geracional”. Nossa região concentra uma população de descendentes de imigrantes europeus, que sofreram com a privação, ressalta o psicólogo. “Nessa evolução do século XX, a industrialização e a globalização facilitaram adquirir bens e isso propiciou que as pessoas pudessem acumular.Esse sofrimento é herdado, por isso que é geracional”, explica.
Acúmulo, acervo e coleção
“Acumulador é todo aquele que retém sem necessidade, sem usar”, define o psicólogo. Assim, uma cristaleira cheia de copos e louça pode ou não representar um acúmulo, a depender do ponto de vista: se você costuma receber pessoas em casa, não. Se eles ficaram lá parados sem uso, a história é outra.
Wisniewski pontua que há uma diferença entre acúmulo e acervo. Quando um objeto, ou vários, são guardados devido à sua importância histórica – a exemplo de equipamentos de rádio que caem em desuso, mas marcaram uma evolução tecnológica em determinada época – se constitui um acervo. Se um adulto mantém os brinquedos de infância, mas em bom estado de conservação, expostos numa prateleira ou outro móvel, é uma coleção. Se esses mesmos brinquedos não apresentam bom estado de conservação e estão depositados em uma gaveta, numa caixa, numa garagem, sem condição de uso, constituem um acúmulo.
A influencer Cris pontua essas diferenças de outra forma: “Como você organiza isso? Como essas coisas estão armazenadas? Enfiadas numa caixa e jogadas num canto? Aí não tem sentido. Compre prateleiras e exponha isso [a coleção]”, sugere a influencer de organização. Outra sugestão de Cris é que um colecionador de figurinhas ou selos, por exemplo, enquadre essas coleções e exponha-os na decoração de casa.
“A partir do momento que você se reconhece como acumulador, você ainda tem a chance de começar a se desfazer, aos poucos, de alguma coisa”, avalia Cris.
Conforme o psicólogo, para mostrar ao acumulador que ele tem um problema, muitas vezes, se faz necessário o choque de realidade. “Mostrar com provas, com evidências de que aquilo não se usa mais, não tem serventia, que aquilo ocupa um espaço que poderia ser ocupado por outras coisas. Esse acúmulo junta pó, junta ácaro, pode deixar a pessoa doente, pelo acúmulo de lixo”, alerta.
Cris aponta que há acumuladores que ampliam a quantidade de acúmulos em casa trazendo coisas que encontram na rua e acreditam que, em algum momento, podem desempenhar alguma finalidade, mesmo que pareça apenas lixo. “E acredito que o acúmulo tenha uma raiz mais profunda, seja para tratar o luto ou para tratar uma pobreza muito grande que houve lá atrás. Aí, hoje, não é mais a realidade da pessoa, mas mesmo assim ela fica ‘porque eu não tive, eu preciso guardar’. Junta a parte física com a mental e vem a necessidade de tratar não só o sintoma, mas a causa também”, opina.
“Já soube de casos em que quando foram arrumar um quarto, depois que a pessoa faleceu, encontrou lata de sardinha em cima do guarda-roupa, sem guardar, enfileiradinha; encontrou dinheiro dentro de meia, mas muito dinheiro. Casos mais graves assim, de dinheiro que já havia saído de circulação. E joias de ouro, que apesar de não terem grande volume, estavam bem escondidas no meio de roupas e outras coisas”, ilustra o psicólogo.
Negociar com o acumulador
Cris contou a história de um familiar distante que passou fome quando criança, abandonado pelos pais e nunca comeu doce quando pequena. Quando ela era já idosa, um dia, as filhas foram fazer uma faxina na casa e acharam uma enorme quantidade de chocolate e de doces escondidos sob a cama, todos vencidos. “O fundo da cama inteiro de doce. Tudo que ela não pôde comer na infância, ela guardava. Comia um, só que esquecia, porque era muito idosa, e colocava o resto debaixo da cama”, cita. Ela menciona que esse acúmulo ocasiona a vinda de baratas e a proliferação de bolor, que cria um ambiente bastante insalubre.
A influencer, que trabalha com organização de casas, acredita que o acúmulo pode criar uma casca, uma película sobre os olhos, que impede de encarar a realidade. “Mas aí quando você mostra o depois [da arrumação], a pessoa fala: ‘como eu consegui morar num lugar assim? Eu não vi’. É a coisa que eu mais escuto no fim da arrumação”, comenta.
Cris frisa que não joga nada fora, se o cliente não pede, e diz que, ao arrumar, precisa mostrar item por item e perguntar se vale a pena mantê-lo ou não. “Aí entramos com uma jogada: se a pessoa tem cinco calças jeans pretas iguais, sugiro que ela escolha as preferidas e doe ou venda duas ou três. Essa coisa de vender também é uma coisa legal. Vamos vender? Está novo, você já faz um dinheirinho, pode viajar”. Os brechós, bazares e vendas de garagem (“garage sales“), segundo Cris, são uma boa saída.
Estratégias contra a acumulação
A dificuldade em descartar bens inservíveis – na linguagem popular, as “tranqueiras” – agrava a situação. O psicólogo aponta que existem hoje – e já existiram no passado – estratégias que visam ajudar as pessoas a trocar bens que já não cumprem sua função (eletrodomésticos, sofás, colchões, por exemplo), por novos. Wisniewski citou como exemplo lojas que ofereciam descontos na troca de um estofado velho por um novo.
“Essas estratégias são contra a acumulação, porque, para ter o novo, você precisa se livrar do antigo. Se não fosse assim, uma pessoa acumuladora decidiria comprar o novo, mas não faria nada com o velho”.
Ele menciona outras estratégias, que observou em pesquisas, que famílias fizeram com que o espaço de uma pessoa idosa se torne menor, porque aí ela precisa se livrar das coisas. Nessas situações, se convence uma pessoa que, geralmente, já é viúva e os filhos já casaram ou foram morar sozinhos a deixar um imóvel com três quartos por um apartamento de apenas um. A tendência à acumulação, conforme o psicólogo, pode ser diminuída nesse caso, devido à redução do espaço e à necessidade de priorizar objetos por finalidade.
Autocuidado
Sobre a falta de autocuidado observada em alguns acumuladores, Wisniewski observa que não há uma relação estabelecida, necessariamente, com a perda de autoestima, mas com a obsessão por economia, a ponto de eles economizarem até a água do banho, o sabonete ou o material de limpeza.
Esse elemento da falta de autocuidado é mais comumente observada entre portadores de Transtorno Depressivo. “Se ela tem uma história de muitas perdas, ou de muita pobreza, de falta de acesso a bens de consumo, durante um período de depressão mais grave, ela pode acumular, como um sintoma consequente da história de vida: ‘nunca tive e agora tenho; tenho que manter’. Com medo de perder novamente, começa a manter, mas num processo depressivo. Aí pode acontecer de não tomar banho, mas pela depressão, não por ser um acumulador”, compara.
Comprador x acumulador
O psicólogo aponta que há uma diferença básica entre um comprador compulsivo e um acumulador compulsivo: o comprador consome o objeto da compra. O acumulador guarda. Mas ele pode ser ambos. “Se o comprador for um acumulador compulsivo, ele vai acumular, compra para acumular. O comprador compulsivo, necessariamente, não acumula”, diz.
Outra diferença entre eles é que o comprador compulsivo sofre mais risco de contrair dívidas, pela necessidade constante de consumo para compensar algum mal-estar, ao passo que o acumulador guarda coisas que não propriamente comprou. “Os compradores compulsivos, geralmente, estão com problemas financeiros porque eles vão além do orçamento e não conseguem se controlar por adquirir um bem, não necessariamente vão manter. Muitas vezes ele adquire e, uma vez por ano, faz uma doação em massa de tudo que ele tem, para comprar novo”, ressalta.
Cris também citou o fato de que nós mesmos costumamos juntar muita roupa e que, ao organizar o armário, vem uma sensação de paz. Essa organização costuma eliminar as peças que não se usa mais, que devem ser encaminhadas para doação, por exemplo. Várias influencers famosas começaram, nos últimos anos, a sugerir a tendência do “capsule wardrobe” – uma coleção-cápsula, com poucas peças de roupa, mas que permitam uma variedade de combinações, justamente para evitar, ao mesmo tempo, o consumo excessivo de fast fashion e o acúmulo de peças que só servem para uma única ocasião.
Tratamento
Segundo Wisniewski, a prescrição de tratamento psicológico ou psiquiátrico depende de cada caso. “Se estiver já num estado de inconsciência sobre essas questões, de sofrimento mesmo, que ela não consegue enxergar aquilo, aí tem que entrar com medicação”, aponta. Ele cita como exemplo casos em que a pessoa entra em depressão porque começaram a tirar as coisas dela.
A psicologia, por sua vez, adota a terapia cognitivo-comportamental. “Ela é o passo a passo de como fazer isso de forma mais consciente e evolutiva. Primeiro, tomando consciência de que aquilo não se usa mais, não tem mais utilidade, aquilo está atrapalhando, pode prejudicar a saúde. Aí, com algumas técnicas da própria abordagem, vai evoluindo para que se torne cada vez mais consciente sobre isso”, explica.
Terapia de grupo
Já existem grupos de acumuladores compulsivos, que se ajudam, mutuamente, a lidar com essa realidade. Mesmo assim, não são tão comuns como, por exemplo, os de alcoólicos e narcóticos anônimos. Em São Paulo, foi criado o Grupo de Apoio aos Munícipes Acumuladores, mas é difícil encontrar informações sobre grupos similares no Brasil.
Confira na íntegra como foi o bate-papo: