Quinta-feira, 26 de Dezembro de 2024

Juíza Noeli Reback alerta para o aumento do trabalho infantil em tempos de pandemia

2020-06-12 às 18:13

O dia 12 de junho é dedicado ao combate do trabalho infantil em todo o mundo. A data foi instituída, em 2002, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), a fim de conscientizar a sociedade sobre o assunto. Em uma entrevista ao D’Ponta News, a juíza titular da Vara da Infância e Juventude, Noeli Salete Tavares Reback comentou sobre o trabalho infantil em Ponta Grossa.

O Ministério Público do Trabalho no Paraná já demonstra preocupação com o aumento da exploração infanto-juvenil neste período de pandemia. De acordo com Reback, a preocupação se estende para cidade de Ponta Grossa. “O número de denúncias em alguns pontos da cidade diminuiu bastante e isso nos preocupa muito. Não é que reduziu a quantidade, pelo contrário, as vítimas estão mais perto ainda dos agressores e opressores dentro de casa, muitas vezes com a dificuldade de a gente detectar isso. Em um período normal teríamos as crianças nas escolas, mais próximos das professoras e da sociedade. A população não está com o olhar voltado para as crianças e adolescentes em estado de vulnerabilidade”, conta a juíza.

A juíza alerta para o aumento de casos de exploração do trabalho infanto-juvenil doméstico, que é quando as crianças e adolescentes são obrigados a fazer o serviço dentro de casa enquanto os responsáveis estão no celular, bebendo, ou simplesmente vendo televisão.”O trabalho infantil não é só aquele que vemos nas ruas, de maneira exposta, mas também dentro de casa a mais do que o natural. Nós trabalhamos junto com o Conselho Tutelar e Conselho de Direito, quando detectamos a gente tira deste ambiente para dar a criança o que ela tem direito: a brincadeira e o estudo. O período de pandemia trouxe uma preocupação muito grande em relação a isso”, finaliza Noeli.

Em esfera estadual, o alerta foi da procuradora-chefe da regional do Paraná do Ministério Público do Trabalho, Margaret Matos de Carvalho. “A pandemia de Covid-19 já está resultando no aumento da exploração do trabalho infanto-juvenil. Basta olhar para as ruas dos grandes centros para constatar que há mais crianças e adolescentes vendendo produtos, esmolando e trabalhando com materiais recicláveis”, disse.

A promotora de Justiça Luciana Linero, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Criança e do Adolescente e da Educação, unidade do Ministério Público do Paraná, diz que o trabalho precoce precisa sempre ser combatido não apenas pelos riscos imediatos, mas também porque traz prejuízos ao longo da vida dessas pessoas: “Quem começa a trabalhar cedo tem menos tempo para estudar, brincar, enfim, para viver sua infância e adolescência. Com isso, tem seu futuro comprometido por fatores como a baixa escolaridade”.

IMPACTO

Uma das dificuldades para se enfrentar o problema é o pensamento ainda presente em muitas pessoas de que o trabalho precoce é positivo. “É um problema cultural, porque muita gente entende o trabalho como um bom instrumento para a construção de um cidadão de bem. Mas, na verdade – e a Constituição Federal é bem clara em relação a isso –, essa é a missão da educação”, comenta Luciana Linero. Ela acrescenta que o trabalho precoce acaba justamente afastando as pessoas da escola e afetando o futuro delas, já que, com baixa escolaridade, terão dificuldades para conseguir boas oportunidades de emprego, precisando então se contentar com atividades que remuneram pouco. “No Paraná, que tem no agronegócio uma das suas principais fontes de riqueza, isso ocorre com bastante frequência nas áreas rurais, onde não são raras as justificativas de abandono escolar por conta da necessidade de trabalhar na lavoura para auxiliar a família”, revela.

A procuradora Margaret Matos, do MPT, comenta que falta empatia para as pessoas que pensam que o trabalho é o melhor para as crianças e adolescentes, sobretudo as pobres, por acreditarem que desse modo elas ficam longe do crime. “Em geral, quem defende isso não quer o mesmo para seus filhos. Além disso, há estudos que mostram que a maioria dos adolescentes que cumpre medida restritiva de liberdade já trabalhou. Portanto, o trabalho precoce não é o melhor para ninguém. O melhor é dar condições para que a criança e o adolescente possam ir para a escola, ter lazer, desenvolver habilidades culturais e sociais.”

NÚMEROS DO PROBLEMA

 Segundo dados da OIT, em todo mundo, 150 milhões de crianças têm seu trabalho explorado atualmente. No Brasil, mesmo proibido, o trabalho infantil atinge pelo menos 2,4 milhões de meninos e meninas com idade entre 5 e 17 anos, segundo a mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua 2016, do IBGE.

No Paraná, que ainda pode ser considerado um estado agrícola, a procuradora Margaret Matos diz que a exploração do trabalho de crianças e adolescentes é mais frequente no campo, especialmente nas pequenas propriedades. Nelas, as crianças trabalham com os pais em regime de economia familiar, e a fiscalização é mais difícil, pois as crianças moram nesses locais, e para entrar neles, em função do princípio de inviolabilidade do lar, o fiscal precisa ter certeza prévia das transgressões de direitos. O fim desse tipo de situação, segundo a procuradora, exige a adoção de políticas públicas específicas e efetivas, que devem incluir a volta das escolas rurais.

Na zona urbana, as atividades informais, como a venda de produtos nos semáforos e a reciclagem de materiais, ainda são as que contam com maior número de crianças e adolescentes em situação de exploração. A procuradora diz que, em função da pandemia, esse tipo de situação tem sido mais comum, por causa das dificuldades econômicas por que passam muitas famílias, mas também porque as escolas estão fechadas, e os pais acabam levando os filhos junto por falta de opção e também para tentar sensibilizar mais as pessoas e conseguirem ajuda.

Luciana Linero lembra que havia, há alguns anos, um programa federal de combate ao trabalho infantil denominado Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), que fornecia uma bolsa de auxílio para que a família mantivesse a criança ou adolescente na escola e, portanto, com a renda complementada pelo programa. Com o Bolsa-Família, todos os programas foram unificados. “Acredito que com isso perdemos uma estratégia importante, porque não basta o auxílio financeiro a essas famílias, é preciso trabalhar para que elas compreendam a importância da educação e que ela é o único caminho para a ascensão pessoal e consequentemente familiar”, conclui.

DENÚNCIAS

As denúncias podem ser feitas pelo disque 100 ou pelo 191 de forma anônima, além dos números disponíveis para contato com o Conselho Tutelar, sem a necessidade da identificação.

SERVIÇOS

Conselho Tutelar Leste
Rua Engenheiro Schamber, 26, 3º andar (ao lado da Catedral)
Fone: (42) 3220-1065 ramal 2293 ou 2294
Plantão: (42) 99144-6127
E-mail: [email protected]

Conselho Tutelar Oeste
Rua: Engenheiro Schamber, 26, 2º andar (ao lado da Catedral)
Fone: (42) 3220-1065 ramal 2062 ou 2063
Plantão: (42) 99144-1343
E-mail: [email protected]

Conselho Tutelar Norte
Rua: Engenheiro Schamber, 26, 1º andar (ao lado da Catedral)
Fone: (42) 3220-1065 Ramal 2060 ou 2061
Plantão: (42) 99155-4110
E-mail: [email protected]

Por Igor Rosa com assessoria | Foto: MPPR

Veja a entrevista na íntegra.