Sábado, 27 de Julho de 2024

“Nós fizemos um juramento e estamos tentando nos manter firmes”; o que mudou na rotina dos profissionais de saúde?

2020-03-25 às 10:48

Confira como é a rotina dos profissionais de saúde de Ponta Grossa
que se preparam para entrar na batalha contra o coronavírus

Fique em casa. Essa é a principal recomendação da Organização Mundial da Saúde e das autoridades competentes para frear a pandemia de COVID-19. Profissionais de saúde, entretanto, não têm esse privilégio e estarão na linha de frente durante a batalha contra o coronavírus. A enfermeira Ticiane de Oliveira Vilela Ferraz Peres, coordenadora da clínica pediátrica do Hospital Universitário Regional dos Campos Gerais (HU-UEPG), é uma dessas pessoas. 

Em 10 anos de profissão, a situação é inédita para Ticiane. “Essa é a primeira vez que eu estou enfrentando uma pandemia. Até o momento, nós não temos transmissão comunitária aqui em Ponta Grossa e ainda não atendemos nenhum paciente grave, mas estamos preparados para isso”, garante. 

De acordo com Ticiane, ela e os colegas de trabalho colocaram as próprias famílias em segundo plano e estão prontos para atender a todos os ponta-grossenses. “Todo mundo que está aqui [no HU-UEPG] tem família e está deixando a preocupação com pais, avós e filhos de lado, porque a população precisa da gente. Nós fizemos um juramento e estamos tentando nos manter firmes, centrados e concentrados”, enfatiza.

Ela conta que o clima na equipe é de preocupação, mas também de muito companheirismo. “Cada dia é um membro da equipe que chega apreensivo, cada dia é um que está uma pilha de nervos. Agora é um pelo outro. A gente está se apoiando muito neste momento”, frisa. A enfermeira lembra que o HU-UEPG possui um serviço de apoio psicológico gratuito para os profissionais de saúde. “Sinceramente, acho que toda a minha equipe vai acabar indo, inclusive eu”, prevê.

Cuidados com a família

Ticiane chegou a pensar na possibilidade de alugar uma quitinete ou um quarto de hotel para preservar o marido e os dois filhos, um adolescente de 16 anos e uma criança de três anos. “Meu marido me deu muito apoio nessa hora e ontem nós decidimos que eu vou ficar em casa. Foi uma decisão tomada com base na razão e não no coração”, explica. Ela destaca que estudou e leu muito sobre o coronavírus, principalmente como ele afeta crianças e adolescentes. “A letalidade é muito baixa nessa faixa etária. Eu não sei por quantas semanas ou meses teria que me ausentar, então pesou o trauma que eu poderia causar no meu filho mais novo. Como ele ainda é muito pequeno, não iria entender o porquê eu estaria fora de casa e poderia pensar que eu tinha abandonado ele”, justifica. 

Para diminuir os riscos para a sua família, Ticiane redobrou alguns cuidados. “Eu entro em casa pela lavanderia, coloco a roupa que eu estava usando para lavar, visto um roupão e subo tomar banho. Só depois é que eu abraço meus filhos”, detalha. Além disso, automóvel e alguns cômodos da casa agora são de uso exclusivo. “Só eu uso o meu carro para ir e voltar do hospital e tenho um banheiro só para mim. Ainda não sei como as coisas vão ficar lá na frente, mas é possível que depois eu passe a dormir num quarto separado também”, diz.

A preocupação de Ticiane também se estende aos pais, que moram em São Paulo. “A sensação que eu tenho é que eu não sei quem eu vou voltar a ver, não sei quem vai estar vivo depois que tudo isso passar”, desabafa. Num momento de tantas incertezas, a principal convicção de Ticiane é que ela e os demais profissionais de saúde estão preparados para atender a população de Ponta Grossa.

Fotos: Aline Jasper