Em entrevista ao programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba), nesta segunda (22), a nutricionista Fernanda Mattos e a psicóloga Roberta Selles abordaram os malefícios do álcool sobre o corpo e sobre a mente.
A nutricionista pontua que não existe uma quantidade “segura” de álcool a ser consumida sem prejudicar o organismo, apenas uma dose “aceitável”. “A OMS (Organização Mundial de Saúde) diz que não existe uma dose a ser incentivada. Uma dose segura não existe. Porém, doses aceitáveis seriam uma dose por ocasião, para mulheres, não ultrapassando sete doses por semana. Para homens, até duas doses, por ocasião, também não ultrapassando 14 doses [por semana]. E não pode ser de uma vez só, para evitar uma sobrecarga”, diz.
Em termos calóricos, a nutricionista sentencia: “é terrível!”. Ela observa que muita gente evita carboidrato por medo das calorias, mas não abre mão do álcool, que é até mais calórico. O carboidrato tem quatro calorias por grama e o álcool, sete.
Segundo ela, beber uma latinha de cerveja equivaleria a comer um pão francês. “Dependendo do pão, uma latinha pode até ser mais calórica. Uma latinha vai ter, em média, 140 a 150 calorias. Para quem está em processo de emagrecimento, o álcool, sim, prejudica bastante”, diz.
Fernanda observa que é necessário cuidado porque é muito comum acabar consumindo álcool em uma quantidade maior. “É muito fácil consumir em volume maior. Por exemplo, consumir seis latinhas de cerveja é relativamente tranquilo para muitas pessoas. Mas comer seis pães ou fazer uma equivalência em outra coisa – uma pizza inteira – não”, compara.
Trato digestivo
Conforme a nutricionista, o álcool é bastante prejudicial para o trato digestivo, em especial para o estômago e para o intestino, o que afeta drasticamente a absorção de nutrientes que, em longo prazo, pode ocasionar deficiência de vitaminas. “Às vezes, a pessoa está lá cansada, com irritabilidade, depressão e isso é falta de B12, por conta do consumo frequente ou excessivo”, diz.
“Aprecio mais a qualidade do que a quantidade. Lógico que seria irresponsável eu dizer que não faz mal, mas é lógico que, quanto menor a frequência e menor a dose, o impacto vai ser bem menor”, admite.
Fernanda indica alternar a ingestão de álcool com a ingestão de água – intercalar um copo de água a cada chope, por exemplo. “Ajuda muito, porque o álcool vai chegar mais diluído, além de que, automaticamente, vai diminuir a quantidade [de álcool] que você consome, porque você consome uma latinha, ou uma dose, e toma um copo de água e assim você vai consumindo menos”, diz.
Ressaca x hidratação
A hidratação adequada pode reduzir os efeitos da ressaca. “Uma das principais dificuldades das pessoas é tomar água. Para tomar um litro e meio, dois litros de água, é um sofrimento. Mas, para tomar dois litros de chope, vai que é uma beleza”, frisa.
Fernanda destaca que o fígado demora de uma a três horas para metabolizar uma dose de álcool. “Um dos grandes problemas é a desidratação. As pessoas falam que a cerveja é diurética. Não, ela desidrata, porque o álcool inibe uma enzima que controla nossa diurese – o xixi – e essa desidratação é uma das grandes responsáveis pelos efeitos do dia seguinte: boca seca, dor de cabeça, tontura. É por conta dessa sobrecarga do fígado e pela desidratação, principalmente”, explica.
Sobre o crescimento dos efeitos da ressaca com o avanço da idade, ainda que beba menos, a nutricionista observa que ele ocorre devido ao fato de que, normalmente, com o passar da idade, temos menos água. “Naturalmente, acabamos ficando mais desidratados. Também podem diminuir as enzimas que digerem, metabolizam o álcool”, comenta.
Chope e cerveja dão barriga
Fernanda explica a razão da famigerada “barriguinha de chope”: “O excesso dessas calorias vai se depositar, principalmente, nessa região. É o lugar preferido para a gordurinha que vem do metabolismo do álcool”.
Interação com medicamentos
A nutricionista pontua que já trabalhou muito tempo ao lado de farmacêuticos e que já ouviu tanto que a ingestão de álcool piora a absorção do medicamento quanto que não interfere tanto. Mesmo assim, ela não recomenda beber enquanto está sob uso de antibióticos, por exemplo.
“Mas, por via das dúvidas, são duas drogas e você tem que entender que vai ser metabolizado pelo fígado. Você já está consumindo um antibiótico e ainda vai dar uma sobrecarga de bebida alcoólica? Teu fígado vai pedir socorro! E aí se corre o risco de diminuir a eficácia do medicamento”, diz.
O cenário piora no caso de psicotrópicos. “Aí é uma confusão, porque o álcool afeta diretamente o Sistema Nervoso Central, afeta diretamente o cérebro. É uma combinação muito perigosa e que não deve, de forma alguma, ser incentivada”, alerta.
A psicóloga Roberta Seles, especialista em terapia comportamental analisa que a sensação de alegria e de euforia que o ato de beber álcool frequentemente proporcionam pode até ser, do ponto de vista psicológico, perigoso, essencialmente, para quem faz tratamento com medicação. “É perigosa, porque o álcool vai ganhando um protagonismo. Para eu ficar alegre, preciso de uma cervejinha. Para eu relaxar, preciso tomar antes de dormir. O problema não é apreciar uma bebida, exatamente. O problema é construir uma relação com a bebida”, salienta.
Lubrificante social
Muita gente usa – ou abusa – do álcool como uma forma de se desinibir e justifica que, sem ele, não consegue se divertir. “O álcool tem essa função de desinibição porque, no nosso cérebro, ele atua em uma região que tomamos decisões e avaliamos riscos. Quando a pessoa bebe, é como se amortecesse. O álcool é depressor no sistema nervoso central. Por isso, não tome grandes decisões alcoolizado, não escolha casar”, recomenda.
Nesse sentido, Roberta aponta que ficamos menos tímidos por estarmos menos vulneráveis à opinião alheia, avaliamos menos os riscos e criamos excesso de confiança, sob efeito de álcool. “Aí é que começamos a ter problema, porque o álcool vai ganhando espaço para você lidar com emoções ou para você mostrar uma parte sua que não conseguiria sem ele”, adverte.
Dependência
Segundo a psicóloga, o ponto de alerta sobre a dependência surge quando a pessoa pensa “eu preciso do álcool para”: seja para dormir, seja para socializar, para desestressar, para “criar um clima”. “O álcool vai entrando como uma válvula de escape e aí que é o alerta: quando ele é a ponte para algo com que você não consegue lidar, na verdade”, diz.
Roberta afirma que o perigo é quando o álcool se torna uma condição para que alguém tenha um mínimo de convivência saudável, em vez de ser um pretexto eventual para uma interação numa ocasião especial.
Esse perigo se acentua quando se traz o álcool para o protagonismo das interações pessoais. “Não é a outra pessoa com quem eu quero interagir, necessariamente, se eu preciso sempre do álcool para criar esse ambiente. Um relacionamento, falando de casal, por exemplo, criamos esse clima na rotina, todo dia, na interação. Se eu sempre preciso de uma ocasião à parte para interagir, tem outras coisas que precisamos olhar”, observa.
Identificar o problema
“Quando falamos que a primeira pessoa que tem que identificar que você tem um problema é você, é porque cada um passa por essa referência, essa análise pessoal. Será que estou colocando o álcool para tapar alguma outra coisa que eu não consigo lidar, por exemplo? Essas perguntas que temos que nos fazer. Como, socialmente, o álcool é muito bem visto, muito normal, muito naturalizado, nem sempre o outro vai apontar aquilo como um problema”, afirma.
A psicóloga observa que o meio publicitário sempre associou o álcool a momentos divertidos e de prazer, a ponto de nos convencer a não avaliar o impacto negativo que pode gerar.
Meio social
“Para quem está parando de beber, as dificuldades são sociais”, diz a psicóloga. Ela explica que, socialmente, as pessoas são desencorajadas a parar de beber, “afinal, é só mais uma”.
Ela também aponta que não se pode relativizar o risco que o álcool emprega sobre o comportamento humano se o consumo ocorre apenas uma vez na semana, por exemplo.
Exemplo dos pais
Roberta frisa que, dentro de casa, quando o consumo de álcool é excessivo, dificilmente passa despercebido pela família. A situação piora quando o casal se estimula, mutuamente, ao vício.
“É muito difícil, quando está demais, isso passar despercebido. Geralmente, vai começar a ter algum tipo de prejuízo na relação, as pessoas percebem, ou fica mais agressivo, ou mais introspectivo – bebe sozinho num canto”, afirma.
Os pais são vistos como “espelhos” pelos filhos e precisam dar exemplo, na opinião da psicóloga. “Precisamos ter essa clareza de nós, como adultos, termos cuidado com o que fazemos, porque isso ensina muito e trazer um diálogo aberto para casa. Porque descobrir que seu filho está bebendo ou fumando, porque a escola pegou, porque alguém veio te contar, significa que essa relação de confiança, em alguma medida, está prejudicada”, alerta.
Roberta compara o diálogo com os filhos sobre o álcool com a proteção que os pais buscarão prover se houver uma piscina em casa: “o filho só vai estar seguro se souber nadar”. Por isso, ela recomenda aos pais de adolescentes que tenham um diálogo franco com os filhos que, querendo eles ou não, podem acabar experimentando bebida.
É melhor orientar a respeito do que fingir que não vai acontecer, segundo a psicóloga. “Quanto mais autoconsciência e quanto mais a criança ou adolescente souber lidar com o que ele sente, menos ele vai precisar dessas estratégias”, afirma.
A tendência de filhos seguirem o hábito de consumo de álcool dos pais pode ser tanto genética quanto psicológica. “É um pouco dos dois, tem a questão genética também, que é importante, e percebemos isso nas famílias. Na minha própria família, tinha um familiar muito próximo que tinha alcoolismo e, na história da família, tinham outros também, daquele lado da família. Normalmente, tem uma forte correlação genética e também já serve de alerta. Digo que a genética é a arma, quem decide puxar o gatilho é você”, diz a nutricionista Fernanda Mattos.
“Não podemos usar a genética de muleta [justificativa], mas entender que é um fator predisponente”, acrescenta.
Roberta ressalta que o histórico genético pode, de fato, aumentar o risco de desenvolver o alcoolismo. Ao mesmo tempo, alguém pode beber e não desenvolver dependência. “Quando temos esse conhecimento, isso torna-se um autoconhecimento. Se eu tenho na família esse histórico, preciso tomar cuidado muito mais do que uma pessoa que não tenha”, afirma a psicóloga.
Segundo Roberta, ao fator genético se soma o fator ambiental. Quando existe um caso grave de alcoolismo dentro de casa, isso pode apresentar à criança uma condição que a bebida a afasta do sofrimento e da tristeza.
Em gerações anteriores, isso se acentuava pela dificuldade cultural que os homens manifestam em expressar seus sentimentos. “Por que o alcoolismo é tão presente no público masculino? Temos um fator cultural, histórico e uma dificuldade muito grande de falar sobre as emoções. As mulheres, bem ou mal, têm mais facilidade e buscam ajuda muito mais rápido do que os homens, que têm uma resistência, porque parece uma fraqueza”, observa.
Ansiedade
Roberta assinala que os casos de ansiedade costumam surgir pela dificuldade de alguém lidar com ambientes de instabilidade e que o álcool é um fator que gera esse cenário. “Quando você tem um pai, uma mãe que você não sabe como vai chegar em casa, se ela vai chegar brava e irritada, se ela vai chegar e dormir, se ela vai te dar atenção, se o álcool vai aparecer de alguma forma, você nunca sabe o que esperar e isso gera insegurança”, diz.
Ainda que essa instabilidade possa não atingir da mesma forma adultos e crianças, é preciso estar atento. “Quando você é criança, tudo ganha uma dimensão muito diferente. É um alerta para os pais porque, às vezes, você, como adulto não imagina o impacto que está tendo, mas, para aquela criança, que não sabe o que esperar, isso é um impacto”, acrescenta a psicóloga.
Ajuda e recuperação
“O primeiro passo é o mais básico: reconhecer que tem um problema. Tem que parar de disfarçar, de justificar e admitir que realmente tem um problema com o álcool que já não consegue mais controlar. Não importa tanto a quantidade. Tem a ver com a dependência, se não consigo parar, nem cumprir meus acordos. O grande passo que você precisa observar é se você consegue parar”, diz.
Depois de reconhecer que tem um problema, o passo seguinte é pedir o apoio da família. “É possível sozinho? É uma escolha, mas se você tiver as pessoas que você ama te apoiando nesse processo, esse grupo faz muita diferença”, orienta.
Buscar ajuda psicológica é fundamental. “O álcool é a pontinha do iceberg. Na maioria das vezes, uma relação de abuso com o álcool guarda uma dificuldade de lidar com outras questões que não estão resolvidas. Todo excesso esconde uma falta”, ressalta a especialista.
Componente cultural
A psicóloga atenta para o fator cultural do estímulo ao consumo do álcool. “Temos as músicas, as novelas, as festas, a cultura, tudo gira em torno da bebida como se só tivesse um lado positivo disso. Esse é o problema: precisamos equilibrar. O cigarro conseguiu isso, de alguma maneira, trazendo aquelas imagens, não só reduzindo as propagandas. Com a bebida, precisamos de mais espaços alertando que não é só folia, euforia, alegria; que essa é a porta de entrada, para algumas pessoas, para outros vícios”, diz.
Largar o vício
Conforme Roberta, largar o vício em bebida e em cigarro, por exemplo, pode se tornar mais difícil do que deixar drogas mais pesadas justamente pela facilidade de acesso e pelo aceite social que existe em torno de ambos. A psicóloga exemplifica que uma pessoa que está parando de consumir maconha ou cocaína pode nunca mais ter acesso a essas drogas simplesmente por romper o convívio com determinado grupo, frequentar determinado lugar.
“Quando falamos de cigarro e de bebida alcoólica, que estão muito disponíveis, como a pessoa vai parar e nunca mais ter acesso? É muito difícil”, diz.
Confira a íntegra da entrevista em: