A transição entre o inverno e a primavera, com a mudança brusca e oscilação de temperaturas, costuma derrubar a imunidade de muita gente e trazem, muitas vezes, o desconforto de uma indesejável visita nesse período: a rinite. O programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba), desta quinta (22) convidou a nutricionista Adriane Colaça para explicar o que podemos fazer para equilibrar a imunidade do nosso organismo.
A nutricionista considera que “a prevenção é a solução da saúde e não o tratamento”. A percepção da queda da imunidade, segundo Adriane, começa ao compararmos a duração das infecções. “Estamos expostos a processos infecciosos todos os dias. Ter infecção viral, ou contaminação viral ou bacteriana não significa que tua imunidade está baixa, pois estamos expostos a esse contato em todos os ambientes. O que precisamos observar é a duração dessa infecção, se esse processo se estende por muito tempo ou se é muito repetitivo”, orienta. Se isso ocorre, o sistema imunológico não está dando conta de combater as infecções.
De acordo com a nutricionista, nosso corpo não tem uma “barreira” que nos impeça de termos contato com o antígeno ou patógeno, “a não ser que vivêssemos dentro de uma bolha”. Nossa imunidade, nada ou adquirida, tem que fazer o combate.
Adriane pontua que, algumas vezes, o combate a infecções sequer é percebido, porque não desenvolvemos sintomas. “Algumas outras vezes, você tem um sintoma ou um período de resolutividade. Se esse período não aconteceu e você arrasta esse processo [infeccioso] por muito tempo, temos ali um problema, o sistema imune não está dando conta de lidar com aquele patógeno”, afirma.
A nutricionista explica que a baixa imunidade em pessoas com sobrepeso é mais comum do imaginamos. “O sobrepeso ou a obesidade, por si só, já causam processo inflamatório de baixo grau. Essa pessoa já tem um estímulo do sistema imune de baixo grau constantemente. Todo dia o sistema imune dela está colocado numa situação que tem que lidar com citocinas pró-inflamatórias. Não há como esse sistema imune, que já está desgastado, todos os dias dar conta da invasão de um patógeno”, esclarece. Adriane pontua que não é regra, mas que, na maioria das vezes, sobrepeso ou obesidade podem indicar um sistema imune debilitado.
O sistema imune se divide de duas formas. A primeira é a imunidade inata, que nasce conosco – as barreiras, como a pele e a mucosa, que são barreiras “generalistas”, que evitam uma contaminação geral. A segunda é a imunidade específica, adquirida durante a vida. Depois do contato com o agente patógeno ou antígeno, é como se o corpo criasse um “código de barras” daquele resíduo, uma “memória”. “O T-helper, o linfócito sinalizador, fala: ‘já te conheço de outros carnavais e já sei como lidar com você'”, ilustra.
A nutricionista confirma o conhecimento popular de que, quanto mais a criança é exposta a brincar no chão, na terra, ter contato com animais e a natureza mais protegido fica seu sistema imunológico. “Isso é absolutamente necessário para a formação da imunidade. A imunidade é formada, prioritariamente, na infância. Quanto mais a criança é exposta a patógenos, mais imunidade específica ela desenvolve no decorrer da vida”, acrescenta.
Adriane aponta que está ocorrendo um surto de hepatite silenciosa no mundo, causada pelo adenovírus, comum no ambiente. “A Sociedade Americana de Pediatria já analisa essa situação, porque é mais agravante em crianças entre três e quatro anos, que nasceram num período prévio à pandemia e que ficaram isoladas em todo esse período. Elas estão com dificuldade de desenvolver essa imunidade específica e adquirida”, comenta.
Quando ocorrem mudanças de temperatura, são os fatores alérgicos que entram em ação. “A alergia tem a ver com a imunidade, mas é um mecanismo diferente de ação. Se você tem contato com agente alergênico, você tem a reação alérgica, não tem como fazer um bloqueio. Quando falamos da imunidade de anticorpos, ela não está relacionada a alergia. Os anticorpos estão relacionados a processos de imunidade, desenvolver imunidade temporária ou não”, explica.
De acordo com Adriane, ainda não se pode afirmar com certeza, mas há indícios de que o isolamento e o uso de máscaras ao longo da pandemia enfraqueceu nossa imunidade por nos tirar do contato com vírus que eram comuns de entrarmos em contato no convívio social. “Não posso afirmar com segurança, porque os estudos ainda estão em andamento, mas temos, realmente, uma forte tendência nesse sentido”, complementa.
A nutricionista ressalta que não há um alimento específico que vá reforçar a imunidade de uma pessoa e que isso é, na verdade, reflexo de um estilo de vida. “É o quanto você se estressa no dia a dia; o quanto da alimentação geral que você tem é de qualidade; a qualidade do seu sono é levada em consideração e o quanto de horas de trabalho você tem no dia, equilibrado com o lazer. Todos esses fatores vão te levar a uma imunidade boa ou não”, indica.
Entretanto, de nada adianta se cercar de cuidados e não se expor a agentes externos, ficando isolado em casa ou no apartamento. A nutricionista recomenda contato com o sol e com a chamada “microbiota do expossoma”. “É conviver no expossoma, precisamos ter contato com esse aspecto de fora, cuidar da alimentação de forma global. Algumas substâncias podem, claro, no momento de crise, ajudar, mas não são decisivas e não vão evitar que você tenha uma contaminação. O corpo saudável é o que te leva a um sistema imune eficiente, não um componente específico de nutriente”, afirma.
“Somos uma fração de humanos e um conglomerado de microrganismos. O equilíbrio das bactérias simbióticas que vivem no nosso organismo vão determinar nossa saúde, inclusive, nosso sistema imune”, comenta. A doença ocorre quando há uma “invasão” de bactérias “ruins”, que promovem esse desequilíbrio. Quando temos, em sua maioria, bactérias “boas”, temos o equilíbrio simbiótico e a saúde.
Relação da pandemia com déficit de vitaminas
Por conta da pandemia e do isolamento, desenvolvemos uma carência de vitamina D, salienta Adriane. “A vitamina D não é bem uma vitamina, é um hormônio regulatório do nosso corpo. Pessoas que têm redução da vitamina D sanguínea, vitamina E e vitamina A, logicamente vamos esperar que essa pessoa não tenha condição imunológica adequada. Mas não significa que ela repor vitamina D, C, E, A e complexo B e ferro vai ser suficiente para manter a imunidade, porque depende dos outros fatores”, salienta.
De acordo com Adriane, a vitamina B 12 é muito complexa e é uma falta da população em geral, não apenas de quem contraiu covid-19, como muitos têm acreditado ultimamente. “Vimos observando essa falta em estudos nas últimas duas décadas. São 20 anos que analisamos estudos com população deficitária de vitamina B 12 no Brasil”, afirma.
Ainda que a carne vermelha seja fonte de vitamina B 12, esses estudos apontam os mesmos índices de déficit da vitamina tanto em vegetarianos quanto em onívoros. Ou seja, a falta de vitamina de B 12 não é exclusividade da dieta vegetariana, como se costuma achar, pontua Adriane. O problema reside na absorção via intestino.
“Consumimos a vitamina B 12 pela carne e ela precisa de uma saúde intestinal muito adequada para ser convertida em sua função ativa. Quando a carne passa pelo estômago, ela precisa liberar um composto chamado fator intrínseco, que vai converter essa vitamina B 12 ativa da carne em vitamina B 12 ativa no intestino”, explica.
Mesmo que se faça suplementação da vitamina, há uma sobrecarga temporária no organismo, mas ela despenca tão logo a suplementação seja interrompida. Uma pessoa que tenha detectado baixos índices de B 12 em exame recente vai precisar fazer uma “reserva” da vitamina e refazer o exame daqui a um ano. “Se baixou o estoque, você faz uma reposição. Costumamos fazer isso porque, só na alimentação, ela não tem sustentado devido a essa insuficiência da saúde intestinal e somos muito dependentes dessas bactérias que colonizam o nosso intestino”, aponta.
Alimentação
A nutricionista reconhece que a alimentação tem sua parcela de contribuição para o equilíbrio imunológico, mas que é apenas uma parte de um processo que deve ser aliado a outros bons hábitos. “Temos estudos, inclusive recentes, do covid, que mostram o efeito benéfico do própolis ao sistema imune, por ativar o interferon, que é uma proteína de reação muito rápida na resposta imunológica”, cita.
Entretanto, sozinho, o própolis não vai resolver todos os problemas se a pessoa for sedentária, fumante, beber em excesso e tiver sobrepeso. “O própolis é eficiente quando o indivíduo cuida de todos os outros fatores e ele incrementa essa receita com a cerejinha do bolo e bota o própolis, o pozinho mágico. Aí temos um efeito maravilhoso”, observa.
Adriane recomenda que haja uma relação mínima de 80-20 entre a alimentação saudável e o consumo de guloseimas, aperitivos ou lanches, por exemplo. “Oitenta por cento das tuas refeições precisam ser de alimentos saudáveis. Quantas pessoas pensam somente em ser feliz na alimentação? Estamos falando de paladar infantilizado e precisamos mudar essa concepção, porque é muito difícil lidar com a doença e as pessoas acreditam no ‘vou aproveitar enquanto posso'”, diz.
A nutricionista aponta que precisamos nos livrar da ideia da comida como compensação para frustrações do cotidiano, ainda que seja muito associada ao prazer. “A comida não foi feita para te fazer feliz. Ela tem um componente socioemocional, mas ela é feita, principalmente, para te nutrir. O primeiro passo é pensar na sua nutrição e, nesses 20%, você vai se divertir, comer aquilo que você gosta e que não é tão saudável, mas que te faz bem emocionalmente”, instrui.
Outro fator que Adriane usa para despertar a reflexão é que, enquanto hoje associamos a ideia de felicidade à abundância de comida, até pouco tempo atrás a desnutrição era um problema de saúde pública. “Hoje, o excesso de nutrição é um problema de saúde pública. Em 2030, 70% da população terá sobrepeso. Não há sistema de saúde pública no mundo que vá dar conta das doenças crônicas geradas por aí”, afirma.
Uma em cada três famílias no Brasil hoje enfrenta a insegurança alimentar, isto é, não possui todos os nutrientes suficientes para uma saúde plena, pela falta de algum grupo alimentar na dieta. Foi constatada a redução no consumo de proteínas, com a elevação dos preços da carne e dos laticínios. “Esse levantamento é recente, de dois meses atrás e é um índice muito preocupante. Quando falamos em alimentação, temos que pensar primeiro nela como fator de nutrição e preservação da saúde”, ressalta.
Adriane explica que essa insegurança alimentar vai afetar, sobremaneira, o sistema imune, porque os anticorpos são cadeias de proteínas.
Os corantes artificiais presentes em sucos industrializados (refresco em pó) são bastante prejudiciais à imunidade. “O corante tem a capacidade de se ligar no receptor do núcleo celular e atrapalha a ligação dos transcritores do sistema imune; a proteção do sistema imune fica prejudicada. Todos os corantes dos produtos artificiais promovem esse dano imunológico em dois aspectos, tanto no sistema histamínico, vinculado às alergias, quanto no sistema da formação de anticorpos”, alerta.
Confira a íntegra da entrevista com a nutricionista: