Sábado, 24 de Maio de 2025

“Obesidade infantil é, prioritariamente, reflexo da gestação”, adverte nutricionista

2022-10-27 às 14:27

Uma a cada 10 crianças brasileiras de até cinco anos está acima do peso, de acordo com o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani-2019). O excesso de peso também atinge mais da metade das mães de crianças nessa faixa etária: 58,5%.

Encomendada pelo Ministério da Saúde, a pesquisa avaliou 14.558 crianças e 12.155 mães biológicas em 12.524 domicílios brasileiros, em 123 municípios dos 26 estados e do Distrito Federal, entre fevereiro de 2019 e março de 2020.

Em entrevista ao programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba), nesta quinta (27), a nutricionista Adriane Colaça dá orientações sobre dieta para mães que querem evitar ou reduzir os efeitos da obesidade em seus filhos.

Os dados da pesquisa corroboram com o que indica a nutricionista Adriane Colaça: a obesidade infantil não cresceu na pandemia – ou somente nela, pois já vinha de uma crescente nos anos anteriores. “A obesidade infantil é, prioritariamente, reflexo da gestação. Essa criança já tem um imprinting metabólico lá na formação da célula germinativa dela. Dependendo da condição gestacional que a mãe apresentou, diabetes melitus, distúrbios metabólicos durante a gestação e sedentarismo, alimentação em livre demanda, ela já criou nessa célula germinativa o imprinting metabólico”, frisa.

Os nutricionistas chamam de imprinting metabólico um fator de alteração do funcionamento da célula, um fenômeno através do qual uma experiência nutricional precoce, atuando durante um período crítico e específico do desenvolvimento, acarretaria um efeito duradouro, persistente ao longo da vida do indivíduo, predispondo a determinadas doenças.

“Se isso aconteceu na gestação, essa criança naturalmente vai ter uma tendência maior à obesidade. Temos acompanhado que as mães, quando chegam na gestação, acham que podem comer em livre demanda e que o exercício físico é danoso ou perigoso para a gestação. Elas se afastam do exercício físico e não se preparam para a gestação. A maioria das mães entra na gestação com carências nutricionais e isso forma esse imprinting metabólico, que vai fazer com que esse indivíduo tenha mais tendência à obesidade”, ressalta.

Por isso, Adriane aponta que essa preocupação deve surgir antes mesmo da gravidez. “Como eu trabalho com nutrigenética, as mães que vão engravidar já me procuram uns três meses antes de iniciarem o projeto de gestação, porque nos primeiros três meses o bebê se forma e utiliza os nutrientes que já estão armazenados no corpo da mãe. Não é o que ela come na hora. Ela precisa ter uma reserva fisiológica de nutrientes para sustentar esses primeiros meses de gestação e formar essas células germinativas de forma ampla”, comenta.

Se ocorrer alguma deficiência nutricional no desenvolvimento desse bebê, pode-se formar ou um indivíduo poupador – aquele que teve uma restrição no processo gestacional. “Ele nasce com o imprinting, que é uma memória celular. Toda vez que ele replica a célula, ele dá um comando: ‘vai faltar energia; guarda’. Essa criança, com dois anos de idade, já tem 40% a mais de peso do que as outras, que não tiveram essa restrição na gestação. É na gestação que temos a maior capacidade de mudar a saúde das gerações futuras, temos que começar esse processo na gestação”, enfatiza.

O cuidado com a gestação faz toda a diferença para a saúde da população, de acordo com Adriane. É por isso que há uma atenção especial dos programas governamentais para o pré-natal e a clínica médica se debruça sobre os cuidados nesse período.

A importância da amamentação para a criança é incontestável e cada vez mais difundida, ressalta Adriane. “Isso já melhora a condição de saúde e reduz o risco de obesidade, tanto para a mãe quanto para a criança”, frisa.

Para avaliar se uma criança está ou não acima do peso, os nutricionistas levam em consideração o Índice de Massa Corporal (IMC) e alguns scores, de acordo com a idade. O score, segundo Adriane, é uma tabela de referência. “Não gosto de nenhuma dessas modalidades avaliativas, porque quando fazemos o IMC, ele não leva em consideração a separação de massa gorda e massa magra. Às vezes, a criança está mais cheinha, mas tem um bom aporte de massa muscular. Essa avaliação física generalista, eu não gosto, porque ela agrupa tudo num mesmo espaço e não é realidade da maioria das crianças, porque elas fazem uma reserva energética, de gordura, para se preparar para o estirão. Também temos que acompanhar essa progressão da criança, desde o nascimento até a idade que ela está, para vermos conforme isso vai andando”, analisa Adriane.

A nutricionista aponta um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS), que lança um terrível prognóstico: a geração de crianças hoje entre nove e 12 anos pode viver menos do que a geração de adultos contemporânea. Segundo Adriane, pela primeira vez na história da humanidade, uma geração vai ter uma expectativa de vida mais baixa que as que a antecederam.

Magreza

Por outro lado, muitos pais e mães se preocupam quando os filhos são magros, porque se pautam em uma crença antiga de que a criança mais magra é menos saudável que uma mais “gordinha”. Adriane destaca que é necessário se atentar para que tipo de magreza essa criança apresenta. Se é fator genético; se ela é magra, mas tem uma boa constituição muscular e óssea, talvez seja apenas seu biotipo. “Se essa criança é magra, mas come bem, come tudo o que a mãe oferece, tem uma boa saúde e não está, recorrentemente, doente, então é apenas o biotipo dela, que precisa ser respeitado. Temos que lembrar que não conseguimos moldar fatores genéticos”, diz.

Agora, se ocorre o inverso – a criança está sempre doente, apática e sem energia – é um caso de desnutrição. “Possivelmente, essa criança tem carências nutricionais, falta de apetite e de disposição. Aí precisa do acompanhamento de uma nutricionista para fazer essa averiguação de quais nutrientes estão faltando e analisar fatores psicológicos. Tem muita criança e adolescente com quadros de ansiedade e depressão e os pais não estão olhando para esse lado”, completa.

Confira a entrevista de Adriane Colaça na íntegra: