A edição de fevereiro da Revista Ciência & Saúde Coletiva aponta que, hoje, dos partos realizados no Brasil, 56% são cesarianas – e que 80% deles ocorreria na rede privada. Desde 1985, a Organização Mundial de Saúde estabeleceu que essa proporção não deveria ultrapassar 10% a 15% do total. A naturalização do parto por cesárea e as razões para sua preferência – quando não é uma exigência relacionada aos cuidados com a saúde da mãe e do bebê – faz parte da discussão sobre violência obstétrica.
Em entrevista ao programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba), nesta terça (18), a ginecologista obstetra Adriana Lopes afirma que essa lógica vem, gradativamente, se invertendo, com aumento da procura pelo parto natural, em função de uma mudança de cultura.
“Houve um momento de ruptura entre parto [natural] e cesárea, em função das condições que eram realizados os partos naturais. Penso que agora a mulher tem um conforto maior, uma segurança maior, uma equipe multidisciplinar que pode estar envolvida durante a gestação para esse preparo. Hoje, a mulher está mais preparada para o parto natural”, considera a médica obstetra.
Mesmo que sua ocorrência seja maior na rede privada, Adriana acredita que as cesarianas não são realizadas por mero comércio, mas foram favorecidas por um conjunto de fatores, principalmente, por ser um procedimento com data marcada – a não ser em emergências. “Ela sabe quando vai para o hospital, com data marcada para ganhar o bebê. Ela pode se produzir e contratar alguém para tirar foto; ela pode achar alguém para cuidar das crianças, porque já tem uma ou duas crianças pequenas e não tem com quem deixar”, comenta. De acordo com a obstetra, a recuperação no pós-operatório já não é mais tão sofrido quanto antes, com o avanço de técnicas.
Já o parto natural assistencial – aquele realizado em casa, com auxílio de doula – feito no Brasil é uma prática não tão comum em outras regiões do mundo. “Aqui, termos um parto natural assistencial. Tem a presença do profissional, do obstetra, do pediatra, da enfermagem. Na maior parte do mundo, isso não é assim. Tudo isso via SUS, porque, na cidade, não se faz mais parto sem obstetra, já há bastante tempo”, diz.
O obstetra fica de plantão no hospital. “O máximo que pode acontecer é, por exemplo, ele estar atendendo a uma emergência e chegar outra coisa, que a enfermeira obstetriz vai ter essa habilidade em conduzir”, afirma.
Adriana, que deixou de atuar em obstetrícia pelo SUS há dois anos, revela que o médico recebia em torno de R$ 400 pela realização de um parto natural. O pagamento era menor (cerca de R$ 280) no caso de cesáreas, justamente por uma política do Ministério da Saúde para estimular a realização do parto natural.
A análise de riscos entre a realização de um parto natural ou uma cesárea deve ser individualizada. No caso de uma mulher sem nenhuma patologia ou risco de saúde, com uma gestação tranquila, o risco que ela corre em parto natural é “quase zero”. “Ela vai ter os riscos de um parto, como toda mulher pode ter: uma placenta que não sai, um útero que não contrai, um pouco mais de hemorragia. Mas a intercorrência do parto natural é muito pequena”, diz.
Se essa mesma mulher optar pela realização de uma cesárea, os riscos também são menores. “É lógico que estamos falando de um procedimento que demanda anestesia, jejum, cicatrização. Temos, aí, algumas situações mais específicas”, acrescenta.
Quando o caso envolve uma gestação de risco ou de médio risco, algumas patologias indicam mais para o parto natural, porque os riscos de hemorragias ou de intercorrências na cirurgia são menores.
Adriana destaca o quão importante é a gestante iniciar o pré-natal o mais cedo possível e escolher um ginecologista obstetra de confiança. “É muito importante ter segurança. Você tem que confiar no profissional, porque já é uma situação em que o profissional tem duas vidas na mão, sempre. Uma vida na mão já é uma responsabilidade enorme; duas, então… Costumo dizer que a obstetrícia traz dores e amores, porque é uma especialidade que envolve muita alegria e, quando, infelizmente, as coisas não dão certo, muita tristeza”, diz.
Contraceptivos
A indicação de métodos contraceptivos também é uma questão bastante individualizada e varia de mulher para mulher, especialmente no que diz respeito à pílula anticoncepcional. “Temos métodos contraceptivos que são de barreira; métodos não-hormonais; métodos hormonais, com hormônio combinado ou não-combinado. Isso é muito individual, na necessidade da mulher. Se ela só quer uma contracepção ou uma contracepção que melhora a pele; se ela quer mais segurança; se ela tem TPM”, diz.
De acordo com a ginecologista, algumas mulheres sofrem de TPM (tensão pré-menstrual) em uma intensidade que inviabiliza seu dia a dia. “Existem métodos que melhoram essa oscilação hormonal. Hoje, o anticoncepcional via oral ainda é indicado, sim. Mas temos métodos diferentes e mais modernos para fazer a contracepção, que expõem a mulher a menos efeitos adversos”, explica.
Entre esses métodos, estão o DIU (dispositivo intrauterino) não-hormonal, o DIU hormonal e o implante subcutâneo.
O anticoncepcional injetável, aplicado a cada três meses, leva a mulher a deixar de menstruar (amenorreia), de acordo com a ginecologista. Na versão mensal, a mulher continua a menstruar.
Segundo Adriana, um contraceptivo pode fazer mal à mulher quando sua prescrição não é individualizada. “Quando colocamos na balança o benefício e o risco do método, o benefício tem sempre que sobrepor. Só vamos conseguir fazer isso conversando”, afirma. A ginecologista adverte que não é possível pedir indicação de anticoncepcional para a irmã, a amiga, a prima e ele funcionar da mesma forma. Também não é possível que o ginecologista indique por telefone, sem consultar pessoalmente. “Precisamos conhecer a mulher, justamente para minimizar os efeitos colaterais”, acrescenta.
A médica explica que a mulher para de tomar o contraceptivo quando atinge a menopausa e a mulher brasileira, em média, entra nesse período entre os 48 e os 52 anos – sob orientação profissional. Pode, evidentemente, ocorrer antes ou depois dessa faixa etária. A gravidez da atriz Cláudia Raia, aos 55 anos, chamou a atenção para esse fato.
De acordo com Adriana, a gravidez de Cláudia Raia é “um marco”, porque traz uma liberdade para a mulher, inclusive, no que diz respeito à idade para engravidar e que ela transpôs algumas barreiras. Por outro lado, a especialista pondera que, ainda que a atriz tenha 55 anos, é uma mulher com um condicionamento físico que a permite ter uma gravidez de baixo risco. “Não dá para compararmos com uma mulher de 55 anos que não tenha os mesmos cuidados que ela desde sempre e querer que o corpo funcione dessa maneira”, analisa.
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Confira a entrevista de Adriana Lopes na íntegra: