Em entrevista ao programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba), nesta quinta (18), o médico geriatra Cláudio Viana Silveira Filho abordou a delicada decisão que muitos filhos precisam tomar sobre deixar o pai ou mãe numa instituição de longa permanência de idosos (ILPIs) – antes chamados de asilos ou casas de repouso, por exemplo – ou não.
Na visão do médico especialista, esse passo pode ser dolorido para a família, por representar, talvez, um sentimento de fracasso, por “abandonar” o idoso. Segundo o geriatra, abandonar o idoso seria deixar de visitá-lo na ILPI e acompanhar como tem sido sua rotina. Levá-lo a uma instituição não é abandoná-lo, frisa.
“Pelo contrário, você está proporcionando dignidade e qualidade para o fim de vida do teu pai ou mãe, porque o está colocando numa casa, num local, uma situação de recurso, de apoio. O que não se pode fazer é deixar de ir lá, de visitar, de dar apoio e se mostrar presente. Não estou abandonando, estou organizando uma nova forma de viver, uma nova morada para esse idoso”, opina.
Criar um ambiente acolhedor
“Óbvio que o melhor local para o idoso estar é sua casa, o seu canto”, observa Viana. O médico compara com a situação de uma pessoa de férias que, depois de uns 10 dias no hotel, começa a sentir saudade da própria cama, por melhor que sejam as acomodações.
“O idoso quer o canto dele, as coisinhas dele, o espaço dele. Muitas vezes, a família toma a decisão de fazer um rodízio e, para o idoso, isso é um caos”, comenta o geriatra, sobre o costume de algumas famílias em alternar a permanência do idoso, por períodos curtos, na casa de parentes, sejam eles filhos, sobrinhos, irmãos, entre outros.
Segundo o médico, o idoso tem o costume de carregar consigo suas coisas, para onde ele vai, pela necessidade de criar um ambiente de segurança, onde ele se sinta confortável. “Onde você se sente seguro? Na sua casa, tua casa é teu sagrado, teu refúgio, onde você busca o descanso, a reenergização. Para o idoso, é sagrado tanto quanto, não muda”, salienta.
Trazer esses objetos para a ILPI – um porta-retrato, as próprias roupas de cama, objetos pessoais – criam um cenário que conecta o idoso com a vida anterior dele e o ajudam a lidar com sua resistência nesse processo de transição, de acordo com o geriatra.
Decisão difícil
Ainda que seja uma decisão dolorosa acomodar o idoso em uma ILPI, segundo o geriatra, é preciso reconhecer que, algumas vezes, a situação se torna crítica e os recursos para o bem-estar se esgotam – como a falta de cuidadores ou de uma rede de apoio. “É uma decisão para a família muito complicada. Pensando do ponto de vista técnico, em muitas situações, a família já esgotou todas as suas possibilidades de cuidado, ou de assistência. Muitas vezes, temos o cuidado centrado em uma única pessoa e aquela única pessoa está esgotada, estressada, e daqui a pouco a qualidade do cuidado vai diminuindo muito. Aí vem a ideia de colocar ou não numa instituição”, aponta.
A instituição de longa permanência é uma modalidade de moradia onde o idoso tem disponível toda uma rede de assistência de profissionais para seu cuidado, para suas atividades básicas do dia-a-dia, higienização íntima, banho, alimentação, atividades de lazer e cuidados com a saúde, ressalta Viana. “Dependendo do local, a oferta de serviços de acompanhamento de nutricionista, fisioterapeuta, psicólogos. As instituições hoje se qualificam cada vez mais para prestar um serviço de maior qualidade”, acrescenta.
Saúde mental pós-pandemia
Durante a entrevista no Manhã Total, o médico abordou, ainda, outros aspectos que envolvem a geriatria. Um deles foi a saúde mental do idoso no pós-pandemia, o que levou a um aumento na procura de pacientes por atendimento.
“Nossa população ficou muito adoecida por esse processo que envolveu a pandemia, não só por ela em si, mas por todas as perdas que trouxe. Quando menciono perdas, não falo só das mortes de entes próximos e amigos queridos, mas também o tempo que perdemos de viver, com dois anos e meio de confinamento, dentro de casa. Os idosos, por dois anos e meio, sem poder abraçar um neto, um filho. E o medo de se expor, de sair. A grande demanda hoje é devolver esse povo para sua funcionalidade normal, sua rotina normal, por seus atos normais”, diz.
Máscaras
Se você convive com um idoso, é um gesto de gentileza manter o uso da máscara, segundo o geriatra. “É importante, principalmente para o idoso, que tem uma saúde mais debilitada ou então já tem, pelo seu processo natural de envelhecimento um sistema imune menos ativo, menos operante. Esse idoso deve mesmo ser protegido. Se puder continuar usando a máscara, está ótimo, perfeito”, recomenda.
Viana observa que passamos os dois últimos anos isolados e, quando ao ar livre, usamos máscaras, o que reduziu a circulação de agentes infecciosos que causam outras doenças respiratórias, como a gripe e o resfriado. “Durante dois anos, só pegamos covid, não pegamos outras doenças; ninguém gripava, ninguém resfriava, não pegava mais nada. Era só covid e o medo era o covid. Nesse medo, nesse cuidado, nos fechamos, nos isolamos, nós vestimos máscaras, evitamos contatos mais próximos e as doenças não circularam. Agora, nessa retomada, voltou a circular tudo de novo. Estamos ficando também doentes de outras coisas, que não só covid agora”, diz.
Depressão na velhice
O geriatra afirma que os sentimentos de tristeza, solidão e de desprezo, frequentes entre os idosos, podem afetar sua saúde física e mental. O aumento da longevidade, com a redução da natalidade e o avanço tecnológico na área de saúde e dos medicamentos, aumentaram a preocupação com a saúde mental do idoso.
“Antes morríamos muito de doenças infecciosas e parasitárias. Com o avanço da nossa sociedade, tivemos diminuição de natalidade, avanço tecnológico na área da saúde, investimento em medicações e começamos a retardar a chegada da morte. Com isso, a população foi envelhecendo e isso se deu no nosso país de forma muito rápida. O crescimento do grupo populacional acima dos 60 anos é aceleradíssimo. Temos, hoje, uma fatia dos idosos que representa mais do que a população infantil com menos de cinco anos. O avanço da longevidade é um fato consistente”, reforça.
Ter um propósito de vida é importante na velhice. “Idoso morre de tristeza. Depressão tem alta prevalência na velhice. Índices de suicídio de alta prevalência na velhice. Não precisa se pendurar numa corda para ser um suicídio, basta ele deixar de tomar os remédios, deixar de se cuidar. E, muitas vezes, é porque lhe falta um propósito, um sentido para a vida. Temos que sempre estimular o idoso a buscar um sentido para a vida”, orienta.
Expectativa de vida
A pandemia trouxe uma queda na expectativa de vida, segundo Viana, porque muitos idosos faleceram. A expectativa média de vida foi reduzida em um ano.
“Quem completa hoje 60 anos tem mais 21 anos pela frente, é o que dizem as estatísticas. Mas o homem vive [em média] menos que a mulher, em torno de 79 anos. A mulher vive 81. Essa é a esperança de vida ao chegar aos 60”, diz.
A diferença de expectativa de vida entre homem e mulher, conforme o especialista, resulta do fato de que nascem mais homens do que mulheres, mas a pirâmide se inverte na velhice, que concentra mais mulheres que homens. “Os homens ficam pelo caminho, porque não cuidam de sua saúde. A mulher busca mais; vai por ela, pelo filho, pelo marido. E o homem tem um comportamento de risco muito maior. Essa diferença é marcada porque o homem se cuida menos, se expõe mais e acaba indo [morrendo] antes.”
“Temos um número muito maior de viúvas que de viúvos”, sintetiza.
Conceito de saúde na velhice
De acordo com o especialista, a saúde na velhice não é medida pela presença ou ausência de doenças, mas pela preservação da independência e da autonomia, que tornam o idoso funcional.
Independência, segundo o médico, passa longe de ter condições de contratar um cuidador. Pelo contrário, é poder tomar atitudes por si próprio. “Autonomia é capacidade de decidir e independência é capacidade de executar o que quero fazer”, define. Viana exemplifica que um cadeirante, geralmente, é autônomo, mas dependente. Um idoso acamado pode até ser autônomo, mas é dependente, por precisar de alguém para as necessidades básicas do cotidiano.
“Na velhice, o conceito de saúde é a capacidade de funcionar sozinho. Não interessa, por exemplo, se é hipertenso ou diabético. Se tudo isso estiver controlado, não vai impactar na velhice. O que impacta é a capacidade de funcionar sozinho, ser funcional. É isso que todos devemos buscar: se manter funcional por mais tempo possível”, enfatiza.
“Muitas vezes, o idoso chega acompanhado do filho para consultar e eu pergunto qual o problema e eles dizem que os filhos não deixam fazer nada. Eles dizem ‘os filhos querem fazer tudo por mim e não querem que eu fique doente, querem que eu fique com uma cara boa, mas não posso fazer nada, não me deixam fazer nada, porque não pode, não é seguro'”, frisa Viana.
O médico recomenda aos filhos de idosos que, se uma coisa é segura, que permita aos pais que faça. “Se é possível, deixa ele viver, não faz por ele, até porque, quando faço pelo idoso, estou deixando de enxergar suas limitações, mascaro uma situação”, diz.
Ele cita o exemplo de um filho que se oferece para ir ao banco no lugar da mãe, por considerar mais seguro. “Daqui a pouco, não percebo que ela está perdendo a capacidade de lidar com dinheiro e isso pode ser um sinal de doença”, alerta.
Viana também orienta ao idoso que evite o sentimento de que é “um peso” e que aceite a retribuição do cuidado que dedicou aos demais ao longo de toda a vida. “É a hora de o filho retribuir todo esse cuidado que teve. Seu filho não era um peso, um estorvo para você, então agora você não deve pensar que é um estorvo para ele, porque ele não foi quando era criança e você não vai ser agora na velhice”, conclui.
Confira a íntegra da entrevista com o geriatra Cláudio Viana Silveira Filho: