Ao longo dos 198 anos de história do município de Ponta Grossa, a chegada de imigrantes trouxe mudanças e contribuiu com o avanço em diversos setores, além de tornar a população cada vez mais multicultural. Poloneses, alemães, russos, italianos, austríacos, portugueses, com mais força recentemente, haitianos, venezuelanos, sírios, entre outros, têm ajudado a construir a história da cidade, encontrando aqui condições para recomeçar. É o caso da família Al Hadi, que chegou em 2014, procurando por paz.
Fugindo da guerra e da perseguição aos cristãos, o casal Fadwa e Soliman Al Hadi deixaram a cidade de Sueida para trás e embarcaram para o Brasil com três, dos 11 filhos. Algum tempo depois, mais três filhos chegaram ao Paraná. Vieram com a ajuda de uma igreja que sabia da situação enfrentada pela família na Síria.
“Meu pai recebeu um convite de um pastor amigo dele para sair de lá e a igreja evangélica aqui (Comunidade Cristã de Ponta Grossa) mandou os vistos para nós. Fomos de carro para um país próximo lá porque o aeroporto não funcionava mais. Depois pegamos avião e chegamos aqui, eu e meus dois irmãos gêmeos e meus pais. Lembro que nós tínhamos 100 reais no bolso e estava muito frio”, recorda Omar Al Hadi, um dos filhos, hoje com 26 anos.
Se antes da viagem todos estavam apreensivos, sem saber o que encontrariam, ao chegar no Brasil a família descobriu que, por aqui, tinham cuidado de todos os detalhes. Havia uma casa mobiliada para ficarem e professoras de português na igreja. “A gente não sabia o que nos esperava, para onde a gente vai, aonde vamos morar, com o que vamos trabalhar, se vamos conseguir continuar estudando. Era muito difícil quando a gente pensava no futuro! Mas agora, olhando para trás, a gente acha engraçado, porque estava tudo sendo preparado aqui pela igreja e a gente não sabia”, recorda Nagham, a filha caçula da família.
Quando chegou em Ponta Grossa, Nagham voltou a estudar, no Ensino Médio, e nas horas vagas ajudava o pai a vender comida árabe. Um negócio que nasceu meio por acaso. “A gente fez um almoço para agradecer a igreja por tudo que eles fizeram por nós e eles falaram ‘nossa porque vocês não trabalham com isso?’”, relembra a jovem. No início a mãe preparava os alimentos e o pai, que era motorista na Síria, saía entregar. “Ele saía nas ruas do Santa Paula vender os quibes e os pães dele e, por ele ser estrangeiro, as pessoas tinham bastante cuidado com ele. As vezes eu ia com ele para ajudar a traduzir, mas ele se virava muito bem”, recorda a filha.
Quando terminou o colegial e passou no vestibular de enfermagem – ela já está no 9º período, a jovem ficou com mais tempo para ajudar a família, auxiliando no preparo e no atendimento aos clientes. Quando o pai faleceu, em fevereiro deste ano, vítima de um câncer, o negócio quase parou, mas ela decidiu continuar. Agora é ela e mais uma amiga que cuidam da Nagham Culinária Árabe, que tem até um trailer de comida. “Fiquei só com a parte de lanches, shawarmas, beirute, bolinhos, essas coisas. Estou aqui na frente da praça da Ronda e as pessoas gostam bastante”, conta empolgada.
E Nagham não é a única filha que empreende no setor de alimentação. Outro irmão, Rami, de 34 anos, também abriu um negócio, mas trabalhando apenas por delivery por enquanto, a Mazaj Mesa Árabe. No cardápio, quibe cru e frito, falafel, esfirras, além de outros pratos mais especiais como o ouzi, kabsa, maklube e charuto.
Barbearia
Outro membro da família que empreendeu em Ponta Grossa foi Omar, que abriu uma barbearia. Ele já tinha aprendido um pouco do ofício na Síria, ajudando o irmão mais velho. “Eu estudava bastante e, quando estava com 15 anos de idade, a guerra começou e o caminho da escola ficou super perigoso. Aí comecei ficar na barbearia do meu irmão mais velho, que era do lado da casa. Quando teve as provas do vestibular lá, coloquei minha vida em risco, mas fui. Um caminho perigoso, mas eu amava estudar. Então fui, fiz e passei em Engenharia Civil. Foi um ano e meio indo na faculdade e depois das aulas ia direto para a barbearia”, recorda Omar.
Quando chegou em Ponta Grossa o jovem ficou um tempo ajudando um cabeleireiro em um salão no Centro da cidade. “Ficava lá, lavando o cabelo dos clientes, tentando aprender a idioma. Ia a pé porque não tinha como pagar o ônibus todo dia para ir no centro. Fiquei uns 4 meses varrendo cabelo e limpando o salão até que comecei a me virar no português e tive uma oportunidade de trabalhar num salão em Pato Branco com o melhor cabeleireiro do Paraná, Pastor Renaldo, que me ensinou várias coisas”, explica Omar.
O jovem fez vários cursos e workshops com grandes nomes da barbearia, até que em 2018 ele abriu o próprio negócio, a Syrians Barbers Club. Em apenas três anos o negócio conquistou reconhecimento no mercado e já conta com cinco colaboradores, além de manter uma loja de roupas e um salão no mesmo espaço.
Gratidão
Omar está de casamento marcado com Thais, ponta-grossense que ele conheceu há quatro anos e que hoje trabalha junto na barbearia. Com a vida sentimental e profissional realizadas, ele lamenta apenas não ter conseguido trazer todos os familiares para morar em Ponta Grossa.
“Minha vida aqui está perfeita, eu imaginava que ia me bater mais para aprender a língua, mas foi fácil, não tinha noção de como era aqui, mas com certeza foi melhor do que imaginava. Amo morar aqui. Meu sonho é juntar todos meus irmãos numa casa só, ajudar eles fugirem da Síria. Meu único sonho sempre foi esse”, conta o barbeiro.
Nagham, que está prestes a se formar em Enfermagem, e por enquanto concilia os estudos com o trailer, também conta que aprendeu a gostar da cidade. “A gente gosta das cachoeiras, parques, uma cidade limpa, organizada, e os lugares são bonitos. Não só com os seus lugares, o pessoal aqui de Ponta Grossa é muito legal e por isso a gente gosta muito da cidade”, explica a estudante.
Quando questionada sobre os sonhos para o futuro, Nagham é simples. “Primeiramente paz, ter toda a família por perto, sucesso nos estudos, no trabalho. Sucesso para nós sempre foi paz, vida social tranquila, sem problemas. Não é ganhar bastante, o sonho deve ser assim, coisa mais simples, porque nós somos simples”, finaliza a jovem.