Sábado, 27 de Julho de 2024

PG 199 anos: Historiador explica a formação de Ponta Grossa do ponto de vista político, cultural e econômico

2022-09-14 às 12:34

O historiador Edson Armando Silva abordou a formação política, cultural e econômica do município, que completa 199 anos neste 15 de setembro, durante o programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba), desta quarta (14).

O professor adjunto do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), onde leciona disciplinas que trabalham com a metodologia de pesquisa em História, esclarece que a data em que se comemora o aniversário do município é escolhida pela população, o dia que elas se sentem representadas numa determinada organização.

A data de 15 de setembro de 1823 que, por convenção, é considerada o aniversário do município é o dia em que o povoado foi elevado à condição de Freguesia, quando conquistou mais autonomia, pois antes era o Bairro de Ponta Grossa, pertencente à cidade de Castro. No Brasil Império, a Freguesia era a menor divisão administrativa de uma circunscrição eclesiástica, “o que hoje podemos chamar de Paróquia”. Ponta Grossa foi considerada uma Vila em 1855 e, cidade, somente em 1862.

“Ponta Grossa não é expressão de uma determinada área territorial que não tinha sentido. Não podemos falar em Ponta Grossa no século XVII ou XVIII, quando esse território era parte de uma outra organização. Começamos a ter uma noção de comunidade, de pertença, de as pessoas se sentirem integradas a uma determinado espaço, um determinado território, quando se instituiu a data de aniversário de Ponta Grossa, que é a instalação da Freguesia, em 15 de setembro de 1823, um pouquinho depois da Independência, no período da Monarquia Brasileira”, explica Silva.

O historiador explica que, no período do Império, a Freguesia, ainda que fosse uma circunscrição eclesiástica, carregava um sentido que ia além do religioso – era também político e geográfico. “A Igreja Católica fazia parte do Estado. Quando se traz a Freguesia aqui, você traz o Estado para cá. Aqui em Ponta Grossa, como tinha a Paróquia, como tinha a Freguesia, tinha um padre responsável e também se faziam os registros de nascimento, de casamento, de óbito e registro de terras”, afirma. Segundo ele, as paróquias funcionavam, também, como cartórios.

Com uma igreja, um pároco e a realização de festas religiosas nasce a identidade comunitária e surge a presença do Estado, através dos registros colocados a partir daquele 15 de setembro. “Nesse momento, Ponta Grossa ainda pertencia à Vila Nova de Castro”, ressalta.

Ao se tornar Vila, em 7 de abril de 1855, Ponta Grossa começa a ganhar autonomia político-administrativa, com a instalação do símbolo do Pelourinho – que representava, desde o século XV, a liberdade municipal – e a “Câmara dos Homens Bons”, semelhante ao que temos hoje como a Câmara dos Vereadores. Essa instituição tinha a condição de impor certas regras de organização do território, como a criação de um código de posturas municipais e fazer a distribuição de terras urbanas.

Nessa data, Ponta Grossa deixa de pertencer a Castro e passa ter uma elite política ligada às fazendas dos Campos Gerais. Os vereadores eram os donos de terras no entorno da cidade. “Quando Ponta Grossa se torna município é que, efetivamente, ganha autonomia política. Agora, a identidade do povo [nasce] em 15 de setembro de 1823, porque o primeiro ato de instituição de uma comunidade foi a instalação da Freguesia/Paróquia”, reforça.

Em 1862, Ponta Grossa é elevada à condição de cidade. Do ponto de vista administrativo, uma vila e uma cidade, conforme Silva, eram a mesma coisa. “Mas ‘cidade’ é uma elevação honorífica, na medida que a cidade se torna um polo mais importante”, diz.

De acordo com o historiador, o processo de cisão entre Castro e Ponta Grossa foi pacífico, sem conflitos. “Você tem municípios maiores na medida que tem uma população pequena. O município de Castro, no final do século XVIII e início do século XIX, ia até o Norte do Paraná. Na medida que vão surgindo povoados e que esses povoados vão se firmando, o processo normal é o desmembramento do município, na medida que o território vai sendo ocupado”, detalha.

Em comparação, o processo se assemelha ao de emancipação do município de Carambeí, antes distrito de Castro, ou de Fernandes Pinheiro, antes distrito de Teixeira Soares, ocorridos em meados dos anos 1990, por decreto do governo do Estado.

Segundo o historiador, ao longo de todo o século XIX, no período monárquico e, antes, no período colonial, fora o litoral e de Curitiba, a capital, que tinham suas particularidades administrativas, o maior núcleo de importância política do interior do território paranaense tinha sede em Castro. Havia razões econômicas para tal. Castro concentrava a pecuária e o tropeirismo.

Ponta Grossa era um ponto de pouso dos tropeiros porque as condições dos campos favoreciam a alimentação dos animais e a proteção da tropa, em comparação a uma área de mata atlântica, por exemplo. A própria distância entre Ponta Grossa e Castro fazia daqui um ponto estratégico para esse pouso, por equivaler ao trajeto que uma tropa percorria por dia.

Pombos brancos, símbolo presente na bandeira

Reza a lenda que havia uma divergência entre os fazendeiros para decidir onde seria instalada a igreja de Sant’Ana, ao redor da qual seria formada a povoação. Cada um queria que fosse mais próximo a sua respectiva fazenda. Para resolver o impasse, eles teriam soltado dois pombos brancos, com fitas vermelhas atadas às patinhas, e onde eles pousassem seria o local de construção da igreja e o centro do povoado. Os pombos pousaram sobre uma cruz ao lado de uma figueira, na mais alta colina, junto ao caminho dos tropeiros, onde hoje fica a Praça Marechal Floriano, em frente à catedral, e onde fica o obelisco do marco zero da cidade.

De acordo com o professor, a referência a essa “lenda” apareceu nos livros de História entre as décadas de 1940 e 1950. “É o mito fundador de Ponta Grossa”, complementa. Silva acredita que a história dos pombos seja uma invenção, “até porque, pela narrativa, muito dificilmente teria acontecido daquela maneira”.

“A localização do ponto de referência da capela era, certamente, um espaço importante, disputado, que todo mundo gostaria de ter próximo à sua propriedade, porque uma capela passa a ser um núcleo de atração populacional, onde as pessoas podem se reunir para discutir coisas”, frisa.

O historiador pontua que, ao mesmo tempo em que houve a instalação da capela Sant’Ana, já havia a capela Santa Bárbara, que poderia ter sido esse núcleo, mas a dinâmica da circulação das tropas favoreceu que o povoado surgisse ao redor da primeira. Para o professor, o ponto de virada na consolidação de Ponta Grossa como município é, na verdade, a chegada da ferrovia.

“É na chegada da ferrovia que ela se torna um centro urbano importante e um local de concentração de todas as atividades da região. Nesse momento, em função da ferrovia, que Ponta Grossa ganha precedência, se torna um centro urbano mais importante que Castro”, indica.

Conforme a rede ferroviária se organiza em Ponta Grossa, aliás, é que se define o nosso quadro urbano. “Se você olhar o mapa de Ponta Grossa, vai notar que os eixos centrais foram definidos justamente pela ferrovia, por oficinas, instrumentos, aglomeração, estação de carga e descarga e de passageiros. Isso vai definir a organização inicial do quadro urbano de Ponta Grossa”, acrescenta.

Posição estratégica

Silva se contrapõe ao senso comum que situa o município de Ponta Grossa como uma cidade que já foi desenvolvida e que sofreu um “atraso”, sendo ultrapassada por cidades mais jovens, como Cascavel e Maringá. “A história da cidade nunca se desenvolve apenas em função das opções que se tomam dentro dela. A cidade está colocada numa estrutura social e econômica mais ampla do que ela. Para entendermos as transições e aquilo que tornou Ponta Grossa o que ela é hoje, temos que pensar nas funções que ela tinha, no momento, no Estado”, aponta.

Um acontecimento distante, como a descoberta do ouro em Minas, desencadeou a criação de uma rede de abastecimento que torna, por exemplo, a pecuária uma atividade importante. Posteriormente, o café ganha importância em São Paulo, tendo Sorocaba como um núcleo comercial importante.

“A abertura do caminho que ligou Sorocaba ao Rio Grande do Sul passou por Ponta Grossa. Uma das características principais é que Ponta Grossa é um encontro de caminhos. Ponta Grossa articulava dois caminhos coloniais importantes: de Paranaguá a Curitiba, Castro, Campos Gerais, se encontrava aqui com o Caminho do Viamão, que ligava o Rio Grande do Sul a São Paulo. Esse caminho era importante pelo que estava acontecendo em São Paulo e, antes de São Paulo, em Minas Gerais”, explica.

De acordo com o historiador, esse movimento econômico acaba por integrar esses territórios. Durante o século XIX, a atividade fundamental na região era o tropeirismo. Entre as atividades secundárias, estavam as de subsistência, como a criação de porcos e as plantações de milho. Nesse momento, o núcleo urbano mais importante ainda era Castro, por ser o núcleo da atividade tropeira do Paraná e sede das fazendas e onde moravam as principais figuras políticas.

No século XIX, além de Curitiba, a capital e núcleo político principal, Paranaguá, no litoral e Castro, no interior, eram polos secundários. “E nós estávamos no meio disso, subordinados. A ferrovia faz a virada, porque aí temos a integração de ferrovias e dos caminhos em leito natural, as estradas de terra que ligavam o interior. Ponta Grossa passou a ser um centro que ligava, muito facilmente, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paranaguá e, através de Paranaguá, a Europa”, diz.

Essa transformação consolidou Ponta Grossa como um local de indústria de substituição de importação, que passou a ter fábrica de banha, carne de porco enlatada, cinco cervejarias, fábrica de tecido, fábrica de móveis e marcenaria. “Tudo para atender aos pequenos povoados do interior que, através das estradas de terra, vinham a Ponta Grossa para se abastecer e voltar”, pontua.

Ainda que a questão logística tenha sido crucial para o desenvolvimento do município, a concentração de propriedade o atrapalha, na visão do historiador. “Ponta Grossa sempre foi uma área onde a propriedade da terra foi muito concentrada, o que fez com que a região, o entorno, fosse muito pobre. Como nenhum município se sustenta sozinho, Ponta Grossa tem uma desvantagem aí, no potencial de expansão econômica, comercial e de trocas, pela região onde está”, afirma.

Por um lado, o município tem a vantagem logística de estar ligado às principais vias de comunicação e, por outro, a desvantagem de ter um dos entornos mais pobres do Paraná. “Diferente de Londrina, de Maringá e de Cascavel”, compara.

Em 1840, o município se concentrava nas mãos de cinco donos, conforme a divisão das Sesmarias: Diogo da Costa Rosa; José de Góis e Morais; Família Matos; Manuel Mendes Pereira e Ana de Siqueira e Mendonça. “Uma atividade que não era concentradora de mão de obra e Ponta Grossa se consolida dessa maneira, com grandes latifúndios e pouca gente no campo”, afirma.

Na virada do século XX, conta o professor, Ponta Grossa já era o município mais urbanizado da região, com toda a população concentrada no centro urbano.

“Grande parte da nossa estrutura social, econômica e política é derivada dessa transição e uma figura importante para essa transformação, não sei se para o bem ou para o mal, é a criação do Parque Industrial, que trouxe uma coisa boa e uma coisa ruim”, destaca o historiador. O Distrito Industrial de Ponta Grossa recebe o nome de seu criador, o prefeito Cyro Martins, que governou o município de 1969 a 1973.

O aspecto bom, segundo Silva, era trazer para Ponta Grossa uma nova fase de industrialização num momento de expansão econômica. Naquela ocasião, mais de 90% do parque industrial brasileiro estava em atividade e tinha pouca margem de expansão. “O Brasil precisava dessa expansão e Cyro Martins percebeu isso, percebeu a localização e criou um espaço possibilitando que Ponta Grossa atraísse indústrias”, aponta.

O aspecto negativo dessa nova fase de industrialização é que ela ficou pouco ligada à cidade. “Grandes núcleos com seu centro decisório em São Paulo e no Rio de Janeiro vieram para cá, mas não participavam, efetivamente, da vida da cidade, como o comércio e a indústria faziam numa fase anterior. É uma transição que marca, ainda hoje, a conformação da cidade de Ponta Grossa”, analisa.

Já a proximidade com a capital traz a Ponta Grossa prós e contras relacionados ao desenvolvimento. Por um lado, há muita facilidade de acesso a determinados espaços ou mercadorias e, por outro, essa proximidade permite que o município produza, também, para os curitibanos, fazendo de Ponta Grossa uma economia complementar.

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Edson Armando Silva é graduado em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1985), mestre em História pela Universidade Federal do Paraná (1993) e doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (2000). Atualmente é professor adjunto do Departamento de História da UEPG. É editor da Revista de História Regional e membro do conselho editorial das revistas: Revista Terr@Plural, Emancipação (UEPG) e Publicatio UEPG (Ponta Grossa).

Possui experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil República, atuando principalmente nos seguintes temas: história cultural, identidades, história da igreja, história regional e religiosidade.

 

Confira a entrevista com o historiador Edson Silva na íntegra: