Sexta-feira, 19 de Abril de 2024

‘Se morre sua mãe, é 100%. A perda é absoluta’, diz médica sobre ameaça do coronavírus

2020-04-12 às 13:25
Autora de ‘A morte é um dia que vale a pena viver’ e ‘Histórias lindas de morrer’, Ana Claudia Quintana Arantes vê na pandemia cenário ainda mais desafiador para a consciência da morte e o luto.

Lidar com doenças dolorosas e incuráveis faz parte do cotidiano da médica Ana Claudia Quintana Arantes há anos. Na verdade, esta é sua especialidade.

Profissionais de cuidados paliativos como ela fornecem tratamento para pacientes não com o objetivo de que estes se recuperem ou se curem de um problema de saúde. A ideia é garantir, por exemplo, uma “qualidade de morte” para pacientes terminais — com acesso a analgésicos e opiáceos para aliviar a dor, limite a procedimentos invasivos e disponibilização de assistência psicológica (existe inclusive um Índice de Qualidade de Morte mundial, no qual o Brasil não vai bem).

Mas uma doença nova e desconhecida como a causada pelo novo coronavírus traz um cenário “inimaginável” e “traumático” para etapas da vida que já são naturalmente desafiadoras, como a consciência da finitude e o luto, diz Arantes, autora dos livros A morte é um dia que vale a pena viver e Histórias lindas de morrer — lançado no final de março, virtualmente por conta da pandemia.

“O processo de luto é de altíssima complexidade quando você tem um adoecimento traumático como é o coronavírus”, disse a médica à BBC News Brasil em entrevista por telefone, na última segunda-feira (6).

“É traumático porque foge de todos os parâmetros de organização da perda: não tem acesso ao remédio, não tem acesso ao teste, não tem acesso à entubação, não tem acesso à família”, explica Arantes, formada em medicina pela Universidade de São Paulo, com residência em geriatria e gerontologia e especialização em cuidados paliativos pelo Instituto Pallium e pela Universidade de Oxford.

A médica aponta para o bloqueio ao acesso da família a pacientes internados em UTIs e das restrições a velórios, por riscos de contaminação, como medidas inescapáveis hoje para o controle da pandemia — mas que terão consequências altamente complexas para o processo de despedida de pacientes e de luto para suas pessoas queridas.

“Se você pensa mais ou menos dez enlutados para cada morte, imagina os milhões de pessoas que ficarão inviáveis ou terão dificuldade de reabilitação para sua própria vida (por ter perdido alguém para a covid-19).”

'O processo de luto é de altíssima complexidade quando você tem um adoecimento traumático como é o coronavírus', diz a paliativista Ana Claudia Quintana Arantes
‘O processo de luto é de altíssima complexidade quando você tem um adoecimento traumático como é o coronavírus’, diz a paliativista Ana Claudia Quintana ArantesFoto: Divulgação / BBC News Brasil

Sobre o percentual de letalidade do coronavírus, Arantes reconhece que ele é menor do que o de outras doenças, mas critica que considerar estatísticas na saúde é se distanciar “da experiência humana”.

“Se morre sua mãe, é 100%. Você pode pensar: 1% das mães morreram, 99% delas estão vivas. Acontece que para você é 100%. A experiência da perda é concreta e absoluta”, define a médica, diretora da Casa Humana, que presta cuidados paliativos em domicílio para pacientes com diagnósticos como câncer e sequelas de AVC.

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