Sábado, 10 de Maio de 2025

Sobrecarga materna e violência contra as mulheres são tema de pesquisas no curso de Direito da UEPG

2025-05-10 às 16:41
Foto: Luciane Navarro/UEPG

Mulher, mãe e cidadã. Neste Dia das Mães, pesquisadoras do curso de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa abordam o trabalho invisível de cuidado realizado majoritariamente por mulheres, que gera uma sobrecarga materna; e a relação entre a disponibilidade de vagas na educação infantil pública e a independência de mulheres vítimas de violência.

O trabalho invisível

As mulheres são as principais responsáveis pelo cuidado e pelas tarefas domésticas, mesmo quando trabalham fora. Essa foi uma das hipóteses confirmadas pela pesquisa da bacharel em Direito Letycia Martins, que aplicou questionários qualitativos e quantitativos à comunidade feminina da UEPG. Alunas, professoras, servidoras e funcionárias terceirizadas responderam questionários sobre suas experiências pessoais com o trabalho, estudo e a qualidade de vida.

“Minha mãe nunca trabalhou remuneradamente, mas sempre trabalhou, e muito. Cresci vendo ela fazer tudo dentro de casa, sem reconhecimento e sem descanso”, conta Letycia. A então acadêmica de Direito saiu da casa dos pais, em Tibagi, para estudar em Ponta Grossa e passou a sentir na pele a dificuldade de conciliar as responsabilidades domésticas com estudos e trabalho. “Isso me fez refletir sobre como essa sobrecarga é normalizada e como milhões de mulheres passam a vida cuidando de tudo e de todos, sem que seu trabalho seja valorizado”. Foi a partir dessa experiência que surgiu a ideia para a pesquisa científica, sob a orientação da professora Maria Cristina Rauch Baranoski.

Foram 223 respostas aos questionários. Como conta Letycia, cada relato reforçava a ideia de que o trabalho de cuidado é essencial para a sociedade e, portanto, precisa ser reconhecido, mas ainda é tratado como se fosse uma obrigação natural das mulheres. “Os resultados mostraram o que já era evidente: a desigualdade de gênero se manifesta de forma gritante na divisão do trabalho, e as mulheres continuam sendo as principais responsáveis pelo cuidado e pelas tarefas domésticas, mesmo quando trabalham fora”, apresenta. “Essa sobrecarga afeta diretamente sua saúde mental, suas oportunidades de ascensão profissional e sua qualidade de vida”.

“Sempre ouvi dizer que ‘mãe que fica em casa não trabalha’, e isso nunca fez sentido para mim. Minha mãe sempre trabalhou, apenas não recebe por isso. E essa é a realidade de milhões de mulheres”, aponta a pesquisadora. A pesquisa revela a realidade de muitas mulheres que enfrentam a sobrecarga da dupla jornada: equilibrar responsabilidades profissionais com as tarefas domésticas e de cuidado. A maioria das entrevistadas relatou dificuldades em conciliar esses papéis, com pouco tempo para respirar e, muitas vezes, sem tempo para cuidar da própria saúde física e mental.

“O estudo de Letycia reforça a urgência de debater e implementar iniciativas que garantam a todas as mulheres acesso a oportunidades e apoio para alcançar seus objetivos”, destaca a professora Maria Cristina. “A pesquisa deixa claro que o reconhecimento do trabalho feminino, especialmente o não remunerado, não pode mais ser ignorado. É urgente que haja mudanças reais, tanto dentro quanto fora da UEPG. As responsabilidades precisam ser divididas, e o sistema precisa enxergar as mulheres não apenas como aquelas que dão conta de tudo, mas como aquelas que merecem ter escolhas, descanso e liberdade”.

“Para mim, essa pesquisa vai além do meio acadêmico. Ela representa um ato de reconhecimento e justiça”, enfatiza Letycia. Para a graduanda em Direito, olhar para a sobrecarga feminina sob a luz das políticas públicas pode trazer mudanças concretas para quem sustenta a economia com o trabalho invisível do cuidado doméstico e familiar. “Precisamos de políticas públicas que garantam principalmente direitos previdenciários a essas mulheres, de um sistema que valorize o trabalho doméstico como algo essencial, e de uma mudança cultural que tire das mulheres essa responsabilidade exclusiva. Mulheres que passam a vida trabalhando dentro de casa não têm direito a aposentadoria, como se esse trabalho simplesmente não existisse”.

Mães, livres

Quanto vale deixar os filhos em segurança e poder trabalhar? Para muitas mulheres, vale a liberdade. É isso que uma pesquisa da mestranda em Direito pela UEPG Hellen Kostiuresko busca relacionar: o papel das vagas nos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) na promoção da emancipação financeira de mulheres em situação de violência doméstica em Ponta Grossa.

A advogada conta que a ideia do projeto surgiu de um artigo escrito para o Simpósio Jurídico dos Campos Gerais, promovido pelo Centro Acadêmico Carvalho Santos em parceria com o Setor de Ciências Jurídicas. “Desde o início, eu sabia que exigiria sensibilidade, responsabilidade e um olhar atento para a realidade dessas mulheres e para a política pública dos CMEIs”.

A dependência econômica é um dos principais fatores que mantém mulheres presas em relações abusivas. Segundo dados do Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (Raseam 2025), em 2023, foram registradas mais de 300 mil notificações de violência doméstica, sexual e outras formas de violência contra mulheres, um aumento significativo em relação aos 216 mil casos de 2022. Esse aumento pode refletir tanto o crescimento real dos casos quanto uma maior conscientização, além de melhorias na coleta de dados. Segundo os dados da Central de Atendimento do Ligue 180 relativos às mulheres em situação de violência, os agressores eram companheiros ou ex-companheiros em 67% dos registros.

Na busca por compreender as relações entre as políticas públicas de vagas na educação infantil e a independência de mulheres vítimas de violência, Hellen aplicou questionários a três públicos: mulheres vítimas de violência doméstica assistidas pela Patrulha Maria da Penha, profissionais e servidores da própria Patrulha e gestores e educadores dos CMEIs.

Foram coletados dados quantitativos, como a faixa etária das mulheres atendidas, o número de vagas disponíveis nos CMEIs, o tamanho das filas de espera, o tempo médio de espera por uma vaga, o impacto do acesso à creche na jornada de trabalho das mulheres e a ocupação profissional dessas mães; e relatos sobre as dificuldades que as mulheres enfrentam e o papel que a possibilidade de deixar seus filhos em segurança tem em sua busca por autonomia e liberdade. “Também obtive informações importantes através de documentos oficiais e planilhas fornecidas pela Secretaria Municipal de Educação e pela Patrulha Maria da Penha, o que permitiu cruzar dados e confirmar tendências identificadas nas respostas das mulheres”, explica Hellen. “Esse processo exigiu muita paciência e responsabilidade, pois cada dado representava uma vida, uma história, uma luta e, claro, uma superação”.

“As vagas nos CMEIs são fundamentais para a emancipação financeira dessas mulheres, pois permitem que elas ingressem ou permaneçam no mercado de trabalho, aumentem sua carga horária profissional e, consequentemente, tenham maior autonomia econômica para se afastarem do ciclo de violência”, resume a pesquisadora. Ao mesmo tempo, a pesquisa apontou desafios significativos, como a insuficiência de vagas, a burocracia no processo de matrícula, a inexistência de políticas públicas específicas que priorizem mulheres em situação de violência na fila dos CMEIs, e a ausência de protocolos claros nas escolas para lidar com situações em que as mães são vítimas de violência doméstica.

“Ao finalizar essa pesquisa, tive a certeza de que políticas públicas bem estruturadas podem transformar vidas e romper ciclos históricos de violência e dependência”, conclui Hellen. “Esse trabalho me fez enxergar o poder que a educação infantil tem não só na formação das crianças, mas na reconstrução da vida de mulheres que buscam autonomia e dignidade”. Além de ampliar a oferta de vagas, é preciso criar mecanismos legais para garantir atendimento prioritário a essas mulheres e fortalecer a rede de apoio, integrando educação, segurança pública e assistência social. “Levo comigo o aprendizado de que cada vaga aberta em um CMEI pode ser o primeiro passo para a liberdade de uma mulher e para a construção de um futuro melhor para ela e seus filhos”.

da assessoria da UEPG