O tipo penal do artigo 147 do Código Penal, ao definir o delito de ameaça, descreve que o mal prometido deve ser injusto e grave, ou seja, deve ser sério e verossímil. Logo, sem tais requisitos, o fato é atípico. A partir dessas considerações, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, concedeu Habeas Corpus e trancou a ação contra uma mulher acusada de contratar uma pessoa para promover rituais de feitiçaria com o objetivo de causar a morte de sete pessoas.
Relatora do HC, a ministra Laurita Vaz destacou que a ameaça “deve ter potencialidade de concretização, sob a perspectiva da ciência e do homem médio, situação também não demonstrada no caso”. A julgadora considerou nulas, “porquanto baseadas em fato atípico (ameaça)”, a instauração do inquérito policial, as medidas cautelares determinadas e a ação penal, na qual também foi imputado o crime do artigo 241-B da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Um delegado é uma das vítimas da suposta ameaça, que dependeria das forças do além para se consumar. Foi ele quem pediu ao Poder Judiciário mandado de busca e apreensão para a residência da então investigada. Secretária municipal de Saúde de São Simão (GO), a acusada também teve quebrado, com autorização judicial, o sigilo dos dados armazenados em seu celular. Fotografias de uma adolescente em cenas pornográficas (delito previsto na regra do ECA) e dos supostos ameaçados foram extraídas do aparelho.
A revista feita na casa da ré também resultou na apreensão de diversos objetos a serem utilizados no ritual de feitiçaria, como cabeças de cera, pequenos caixões e um boneco vodu. Esses materiais teriam custado R$ 5 mil — quantia entregue pela acusada à mulher contratada para o trabalho espiritual. Além do delegado, figuram como vítimas das supostas ameaças um promotor de justiça, o presidente da Câmara Municipal de São Simão, um jornalista investigativo e mais três pessoas conhecidas na cidade.
Na decisão que recebeu a denúncia contra a secretária municipal, o juízo de primeiro grau suspendeu o exercício do cargo público ocupado pela ré. A defesa da secretária impetrou Habeas Corpus no Tribunal de Justiça de Goiás, que não vislumbrou ilegalidades nas medidas cautelares deferidas, no inquérito policial e na ação penal. Para o colegiado, “a existência de fato com feição penal envolvendo a suposta atuação da paciente em constrangimento ilegal contra diversas autoridades expõe justa causa”.
Parecer do MPF
A subprocuradora-geral da República Ana Borges Coelho Santos opinou pela concessão do Habeas Corpus impetrado no STJ para decretar a nulidade do inquérito policial e da ação penal, além de revogar a suspensão do exercício das funções públicas. A representante do Ministério Público Federal também sugeriu a expedição de ofício às Corregedorias da Polícia Civil e do Ministério Público de Goiás para a apuração de eventual infração disciplinar por parte de integrantes dessas instituições.
“O caso causa perplexidade, pois as circunstâncias fáticas e jurídicas existentes à época, se analisadas com a frieza e equilíbrio necessários, não permitiriam a instauração de inquérito policial, nem quiçá as gravosas medidas de busca e apreensão domiciliar, quebra do sigilo telefônico e suspensão do exercício das funções públicas”, justificou Ana Borges. Conforme a subprocuradora-geral, por mais reprovável que tenha sido a atitude da acusada sob o ponto de vista moral, a conduta descrita é irrelevante no âmbito penal.
A ministra Laurita Vaz acolheu o parecer do MPF e o seu voto foi seguido pelos ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz, Antonio Saldanha Palheiro e Jesuíno Rissato (desembargador convocado do TJ-DF). Para a 6ª Turma do STJ, não houve nenhuma menção no inquérito ou na ação a respeito da suposta intenção da ré de infundir temor, mas tão somente foi narrada a contratação de trabalho espiritual visando a “eliminar diversas pessoas”.
do ConJur