Durante bate-papo exclusivo no programa Ponto de Vista, apresentado por João Barbiero na Rede T de rádios do Paraná, na manhã deste sábado (23), o deputado federal Aliel Machado (PV-PR) detalhou a proposta de regulamentação do mercado de carbono no Brasil, aprovada pela Câmara dos Deputados nesta semana, da qual ele foi relator. O projeto foi à sanção presidencial.
Segundo a Câmara dos Deputados, a proposta estipula um mercado regulado e um mercado voluntário de títulos representativos de emissão ou remoção de gases do efeito estufa. Empresas que mais poluem deverão seguir meta de emissão, podendo usar esses títulos para compensá-la. Em Brasília, Aliel afirmou que a proposta representa um marco crucial na trajetória brasileira em direção à sustentabilidade e ao combate às mudanças do clima.
O parlamentar relembra que, ao longo deste ano, assistimos a uma série de eventos climáticos extremos, seja um período prolongado de seca, seja um período de chuvas torrenciais – como o que atingiu o Rio Grande do Sul, ou mesmo por tempestades e ciclones, que atingiram nossa região, seja pela fumaça vinda de queimadas em outros estados que pairou no ar de inúmeras cidades, inclusive de Ponta Grossa, criando um cenário assustador de baixa visibilidade tamanha a concentração de poluentes no ar. E esses eventos climáticos extremos não se restringem ao Brasil, pois recentemente centenas de pessoas morreram na Espanha em função de enchentes.
O ano de 2024 foi considerado o mais quente da história, desde que as temperaturas são monitoradas. As temperaturas elevadas ao redor do mundo foram avaliadas como as mais altas já registradas, o que é resultado de um problema ambiental, na visão de Aliel. “Os cientistas, ao longo das últimas décadas, estão alertando que o aquecimento global fará com que espécies deixem de existir e catástrofes aconteçam de maneira muito mais acelerada ao ponto de termos, talvez, ao longo das próximas décadas e anos, a extinção da vida no planeta. É muito grave. Já está acontecendo, algumas espécies já estão sendo dizimadas e seres humanos já estão morrendo por causa de catástrofes”, observa.
O deputado, que representa o Partido Verde, frisa que esse era um debate que a sociedade costumava relegar aos ambientalistas, como se não fizesse parte da rotina de toda a humanidade e não impactasse sobre todos nós. Os alertas científicos ganhavam o rótulo de alarmistas e a preocupação ambiental era tachada de “chatice”. “O debate começou há muitos anos, inclusive, teve um encontro, a Rio 92, no Rio de Janeiro, em 1992, e se debatia, mas isso era restrito aos ambientalistas, porque ninguém acreditava. Tanto o pessoal da indústria quanto da agricultura não acreditavam e falavam que era balela”, diz o deputado. Ou se imaginava que os impactos ambientais a longo prazo estariam num futuro muito distante. Porém, décadas se passaram e o futuro, que parecia distante, já se tornou presente.
“Ao longo dos últimos anos, foi-se provando que não era [balela] e que era verdade cientificamente comprovada. O mundo fez um encontro em Paris, que é o mais famoso, que é a Conferência do Clima, e estabeleceu metas para os países diminuírem a poluição. Por que tem esse aumento? Porque a chaminé da indústria ajuda a esquentar o planeta; porque quando você gira a chave do carro, ele joga gás carbônico na atmosfera; uma árvore, quando você corta, deixa de captar carbono e joga carbono para a atmosfera”, diz.
Aliel menciona que até mesmo a flatulência e os arrotos dos bois nos pastos emitem gás metano (CH4), que é até 25 vezes mais poluente que o gás carbônico (CO2). “Quantos milhões de cabeças de gado existem pelo Brasil? Mais do que gente”, aponta. Em 2024, o rebanho brasileiro alcançou a marca de 238,6 milhões de bovinos; 12,7% a mais que o número de habitantes do país (216,4 milhões). “Isso está, a cada segundo, jogando para a atmosfera onde vivemos o aquecimento. Isso cria uma ‘casta’, como se fosse uma capa, e essa capa vai esquentando, como se fosse um forno. O número estabelecido como determinante, pelos cientistas, o mundo já não alcançou. E o mundo vive uma guerra porque, para você diminuir [a emissão de gases], tem o impacto econômico, as economias não querem parar”, comenta.
O Mercado de Carbono, dito de outra forma, é um meio de envolver a economia na redução da emissão de gases, pela oferta de benefícios. O mercado regulado de títulos será implantado de forma gradativa ao longo de seis anos. Denominado de Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), esse mercado permitirá a negociação de Cotas Brasileiras de Emissão (CBE) e de certificados de redução ou remoção verificada de emissões (CRVE).
Aliel pontua que o desequilíbrio climático observado neste ano – chuva onde costuma ocorrer seca e seca onde costuma ser mais chuvoso – impactou na queda da produção de alimentos e, consequentemente, no preço da comida para o consumidor final. O preço das frutas, por exemplo, é um dos aspectos que mais “puxou” a inflação, assim como houve uma alta no preço do arroz.
A preocupação e o envolvimento com o tema levaram Aliel a conversas com ministérios da Inglaterra, que o procuraram; a proferir palestras em Dubai e a participar de um seminário em Portugal. “É por isso que estou discutindo com as autoridades; é por isso que viajei com o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Antonio Ricardo Alvarez Alban”, cita.
“A indústria brasileira está com medo da demora do Mercado de Carbono, porque na Europa já está funcionando e eles estão cobrando: ‘não vamos mais comprar de vocês [Brasil] ou vamos impor um imposto grande, porque nós [Europa] temos Mercado de Carbono e vocês têm que ter também’. Começa a valer agora, tem regra entre países da transição de negócios e tem uma pressão muito grande. Vamos ter mais de 5 mil empresas entrando no mercado regulado do Brasil a partir da aprovação dessa lei”, explica.
O Mercado de Carbono possui duas frentes. De um lado, estipula-se um limite para a emissão de poluentes para indústrias como a do cimento, a siderúrgica, do aço e do petróleo. Nessa regulação, dentro de um prazo, a cada ano, a empresa terá que provar a redução da emissão de resíduos poluentes a partir do investimento tecnológico. Se a meta for atendida, a empresa não será punida. Se ela não corresponder ao objetivo e poluir mais, terá que pagar por isso, com multa. Porém, se ela conseguir um resultado melhor que o estipulado para a redução da emissão de poluentes, a empresa terá um ganho em dinheiro, porque a outra empresa que não fez esse esforço, vai pagar uma compensação pela que fez – um sistema chamado de cap and trade, prevê uso do carbono como moeda de troca, permitindo comprar e vender créditos no esforço contra o aquecimento global. Empresas mais eficientes na redução de danos ambientais, portanto, terão mais vantagens.
“O sistema regulado fará com que as emissões no sistema produtivo brasileiro, daqueles que se enquadrarem no sistema regulado, consigam diminuir a poluição, fazendo com que o Brasil alcance suas metas”, define. Existe uma metodologia de aferição da emissão de poluentes, um sistema de cobrança e um de distribuição de cotas, entre outros fatores. O mercado regulado terá participação obrigatória das empresas.
De outro lado, existe o mercado voluntário, portanto, não obrigatório. Nesse sistema, o deputado cita como exemplo os aplicativos de transporte, que já incluem como opção veículos com emissão zero de carbono. “Pode até ser R$ 1 mais caro, mas é um carro que está compensando suas emissões, ou porque ele é elétrico, ou porque ele está mantendo um pedaço de floresta. É uma opção. Muitos consumidores que vão a hotéis e restaurantes, que compram pela internet, que vão comprar da Nestlé, da Amazon, eles querem responsabilidade ambiental dessas empresas. E essas empresas, nos seus sistemas de compliance, já estão investindo nisso porque o cliente está exigindo, o cliente está preocupado”, pontua. “Essas empresas vão poder financiar projetos de manutenção da floresta, a que chamamos ‘mercado voluntário’. Uma desenvolvedora vai preparar um projeto, vai calcular numa área específica quanto aquilo capta de carbono da atmosfera. Uma árvore, que tem prazo de vida igual a nós – umas vivem 10, outras, 200 anos -, capta carbono da atmosfera, retendo a poluição. Uma floresta de pé ajuda a captar o carbono da atmosfera e a diminuir o impacto ambiental. E isso agora vai valer dinheiro”, acrescenta.
Aliel aponta que, na Amazônia, os proprietários de terras precisam manter 80% de área de preservação ambiental, sem obter nenhum retorno financeiro. “A partir do nosso projeto, será permitido a ele desenvolver um projeto no mercado voluntário. Como não é obrigatório, quem compra aquilo não compensa uma emissão de maneira oficial. Você compensa como compliance, para fazer propaganda. Por exemplo, uma siderúrgica é obrigada a diminuir [a emissão de carbono]; não pode pegar o voluntário e querer compensar a poluição dela, porque está no sistema obrigatório. Mas no voluntário pode”, diz.
O parlamentar destaca que, se há 10 anos, o discurso da preocupação ambiental era centrado no futuro de nossos filhos e netos, hoje, porém, se trata de algo mais urgente, pois as consequências da poluição e dos danos ambientais desenfreados pelo crescimento desordenado já impactam sobre nós mesmos, de forma imediata.
O deputado relembra que sua militância pró-meio ambiente começou ainda no movimento estudantil, quando abraçou a causa da poluição do aterro no Botuquara, um lixão a céu aberto. “Sempre me envolvi com as questões ambientais, porque é um tema de extrema relevância, até para o impacto social. Lá em Brasília, esse é um tema que também vem sendo discutido há muito tempo e eu comecei a dar uma atenção e a ler muito sobre isso, conversar com especialistas, ouvir opiniões, porque muitos se aprofundam no ponto específico que lhes interessa. A CNI está preocupada com o mercado regulado porque vai pegar a indústria. O indígena está preocupado com o mercado voluntário, porque atinge diretamente a ele. O governo está preocupado com o sistema. Cada um se especializa num ponto e eu tive que entender todo o processo“, compara o relator do Projeto de Lei 182/24. Aliel afirma que se debruçou sobre o tema há três anos e tem se dedicado à leitura, ao estudo e a ouvir professores das universidades, verificando experiências ao redor do mundo e observando as razões para que o Brasil ainda não tivesse aderido a esse sistema já aplicado em outros países e quais potencialidades o Brasil possui nesse aspecto.
O deputado frisa, ainda, que existe o não-mercado. “O Fundo da Amazônia é um não-mercado. A Noruega vem aqui, porque desmatou tudo lá, porque ela ‘ferrou’ com o meio ambiente e ela vem aqui dar uma de boazinha, todo ano, com 50 milhões de dólares para a Amazônia. Doação é doação, você não tem que receber nada em troca. É um gesto. Eles estão fazendo gestos porque estão preocupados: ‘ferramos aqui e vocês, por favor, mantenham aí, porque vale para todo mundo'”, explica. “E temos uma matriz energética limpa no Brasil. Comparada à industrialização nos países da Europa, 87% da nossa matriz energética é limpa, proveniente de hidrelétrica, sem poluição maior, diferentemente da Europa, que é refém do gás, é refém de uma matriz energética muito mais poluente”, diferencia.
“Para proteger assentamentos e comunidades ribeirinhas, as comunidades indígenas, coloquei uma regra que não estava: coloquei que, se for o caso de manutenção da floresta, que o projeto é mais barato, porque a floresta já existe, no mínimo, 70% do projeto tem que ficar com aquela comunidade. O privado faz o que quiser, mas nas comunidades, 70% do dinheiro tem que ficar com a comunidade. Se for o caso de reflorestamento, ou seja, está desmatado e vai refazer, para ter crédito de carbono, que também pode e vai valer mais dinheiro, no mínimo, 50% [deve ficar com a comunidade], porque o reflorestamento custa mais caro, demora mais tempo, tem que investir no replantio”, explica.
Apresentado por João Barbiero, o programa Ponto de Vista vai ao ar semanalmente, aos sábados, das 7h às 8h, pela Rede T de Rádios do Paraná.
A Rádio T pode ser ouvida em todo o território nacional através do site ou nas regiões abaixo através das respectivas frequências FM: T Curitiba 104,9MHz; T Maringá 93,9MHz; T Ponta Grossa 99,9MHz; T Cascavel 93,1MHz; T Foz do Iguaçu 88,1MHz; T Guarapuava 100,9MHz; T Campo Mourão 98,5MHz; T Paranavaí 99,1MHz; T Telêmaco Borba 104,7MHz; T Irati 107,9MHz; T Jacarezinho 96,5MHz; T Imbituva 95,3MHz; T Ubiratã 88,9MHz; T Andirá 97,5MHz; T Santo Antônio do Sudoeste 91.5MHz; T Wenceslau Braz 95,7MHz; T Capanema 90,1MHz; T Faxinal 107,7MHz; T Cantagalo 88,9MHz; T Mamborê 107,5MHz; T Paranacity 88,3MHz; T Brasilândia do Sul 105,3MHz; T Ibaiti 91,1MHz; T Palotina 97,7MHz; T Dois Vizinhos 89,3MHz e também na T Londrina 97,7MHz.