Sexta-feira, 26 de Julho de 2024

Ponto de Vista: Fraude à cota de gênero foi o que mais cassou mandatos desde 2020, afirma ex-juiz do TRE-PR, Thiago Paiva dos Santos

2024-02-10 às 20:08
Thiago Paiva dos Santos, na sua recondução ao cargo de juiz do TRE-PR, em 2022

Em entrevista exclusiva concedida ao programa Ponto de Vista, apresentado por João Barbiero na Rede T de rádios do Paraná, na manhã deste sábado (10), o ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PR) e especialista em Direito Eleitoral, Thiago Paiva dos Santos, destacou quais são as faltas que mais levam à cassação de mandatos no Paraná. As ações que mais cassaram mandatos desde 2020, segundo ele, incluem a fraude à cota de gênero.

“Todos sabemos que os partidos, nas eleições proporcionais, que são as eleições para vereadores e deputados, devem preencher as vagas com a cota de gênero, com no mínimo 30% e no máximo 70% para um dos gêneros”, explica. Ou seja, de cada 10 candidatos, no máximo sete devem ser homens e no mínimo três devem ser mulheres, ou o contrário. “Como são menos mulheres na política, costumamos chamar de ‘cota feminina’, mas é cota de gênero, pois pode ser sete mulheres e três homens, nessa proporção de 10”, emenda.

De acordo com Santos, durante muitos anos, os partidos preencheram essa cota para “inglês ver”, listando mulheres que não fariam campanha e que não recebiam incentivo do partido para fazer campanha. Por isso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu, a partir de 2015, que essa campanha deve ser efetiva. “Não basta preencher e ter uma mulher candidata, que não faz nenhum voto, que não faz campanha. Esse incentivo às mulheres, para que participem da política, tem que ser verdadeiro, tem que ser genuíno. Num caso específico, em que houve lançamento de mulheres candidatas, mas que eram parentes, entre si, de candidatos homens. Elas não fizeram campanha e a prestação de contas dela era clone uma da outra. Ou seja, era apenas uma simulação de um preenchimento de uma cota, mas sem investimento. O TSE construiu o entendimento de que seria cassada toda a chapa que teve uma candidata fictícia, que chamamos de ‘laranja’, dentre as pessoas que se candidataram no preenchimento dessa cota”, diz.

“Essa ação cassou, inclusive, quatro deputados estaduais aqui no Paraná. Isso mostra que é um entendimento que veio para ficar. Por isso, os partidos devem ficar bem atentos em preencher candidatos e candidatas que efetivamente queiram fazer política e não seja uma mera candidatura laranja”, afirma. Em julho de 2022, o TRE-PR cassou os mandatos de quatro deputados estaduais eleitos pelo antigo PSL, atual União Brasil, por fraude no preenchimento das cotas de gênero em 2018 pela coligação PSL/PTC/Patriota. Perderam os mandatos os deputados estaduais: Luiz Fernando Guerra, Ricardo Arruda, Delegado Fernando e Coronel Lee.

Cassação de prefeitos leva a eleições suplementares

Desde 2020, o Paraná teve eleições suplementares para prefeito e vice-prefeito nos municípios de Munhoz de Mello, de Nova Prata do Iguaçu, de Francisco Alves, em 2021, e de Agudos do Sul, em abril de 2022.  De 2001 a 2019, ocorreram 34 eleições suplementares no Paraná, tendo sido duas delas seguidas, no período de apenas nove meses, no município de Santa Fé, em 4 de setembro de 2005 e 4 de junho de 2006.

“As pessoas vão às urnas neste ano de 2024 para eleger prefeitos e vereadores. No Paraná, são 399 municípios com essas eleições para prefeitos e vereadores. É nessa eleição que se discutem os problemas mais próximos das pessoas, que vamos discutir quem vai gerir o poder municipal, que vai atender problemas de creche, de saneamento básico, de educação – até o limite da competência municipal. Questões todas relacionadas aos termos cotidianos que temos”, observa.

Confiabilidade das urnas

Questionado sobre o nível de confiança do processo eleitoral brasileiro, o ex-juiz do TRE-PR pondera que a Justiça Eleitoral brasileira possui uma situação praticamente única, em todo o mundo, “mas porque respeita nossa história enquanto país. A Justiça Eleitoral completou, no ano passado, 91 anos de criação, justamente porque, logo após a República Velha, tínhamos no Brasil muitos casos de corrupção eleitoral. A grande demanda da população nos anos 1930 era que existisse a correspondência à verdade eleitoral, ou seja, que as urnas refletissem a vontade das pessoas. Por isso que depois da Revolução de 30 se resolveu criar a Justiça Eleitoral, confiar ao Poder Judiciário a competência de organizar, administrar e julgar todas as matérias referentes às eleições. A Justiça Eleitoral fez isso muito bem ao longo de toda a sua história, porque, no primeiro momento, conseguiu constituir um cadastro eleitoral, em que há uma organização efetiva de quem pode votar e que essas pessoas votem apenas uma única vez”, explica.

Entre os anos 1940 e 1950, a Justiça Eleitoral começou a emitir as cédulas eleitorais oficiais. Até então, eram os próprios candidatos que o faziam, muitas vezes em jornais, e o eleitor recortava, preenchia a cédula e depositava na urna. “Imagina o candidato que não tinha nem dinheiro para imprimir suas cédulas, se receberia algum voto”, indaga.

A informatização da Justiça Eleitoral a partir dos anos 1980 permitiu novos avanços, até que, nos anos 1990, foi criada a urna eletrônica. Em 1996, foi adotada nos 57 municípios com mais de 200 mil eleitores; mais de 32 milhões de brasileiros, um terço do eleitorado à época, votaram em 70 mil urnas eletrônicas. Em 1998, as urnas eletrônicas chegaram a Ponta Grossa e às demais cidades com mais de 40 mil eleitores. Só em 2000 que as urnas eletrônicas foram adotadas por todas as seções eleitorais.

“Tendo passado pela Justiça Eleitoral como elemento externo – ou seja, sou advogado, cumpri mandato de dois anos, com recondução de mais dois anos – portanto, fiquei sete anos representando a advocacia no Tribunal Eleitoral, um elemento externo, pensado pelo legislador dos anos 1930, de que alguém pudesse, de forma externa, acompanhar todo esse processo por dentro e atuar como juiz dentro da própria estrutura. Tendo visto toda a preparação que a Justiça Eleitoral faz, todos os cuidados com a segurança da urna, hoje, posso dizer que tenho plena confiança no sistema instalado, tal como está hoje, até que algo seja efetivamente comprovado, que macule todo o sistema”, ressalta.

Julgamento de Sergio Moro

O advogado exerceu o cargo de juiz titular do TRE-PR em dois biênios: de dezembro de 2019 a dezembro de 2021 e, posteriormente, foi reconduzido ao cargo, em janeiro de 2022 e permaneceu até o início de 2024. O término do mandato do ex-juiz, que tinha assumido a vaga destinada a juristas oriundos da advocacia, demandou o adiamento do julgamento de ações movidas contra o ex-juiz e atual senador Sergio Moro (União Brasil), inicialmente previsto para a quinta (8). Na apreciação do caso, não pode haver desfalques entre os sete juízes em decisões que possam levar à cassação de mandato.

“Esse é um processo, talvez, dos mais emblemáticos que estão em julgamento na Justiça Eleitoral em todos os estados do Brasil. Ele será julgado pelo TRE-PR. A vaga que ocupei é da advocacia, que passa por uma eleição em lista pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) e, depois, por ser um Tribunal Federal, quem nomeia o juiz entre os três nomes escolhidos pelo TJPR é o presidente da República. Estamos, nesta fase, justamente aguardando essa indicação do sucessor da vaga que ocupei. Por isso que o Tribunal, estando com um juiz a menos, não pode deliberar sobre questões complexas que envolvam a cassação de mandatos”, explica.

“Moro é um personagem conhecidíssimo não só no Paraná como no Brasil todo, que alcançou quase 2 milhões de votos aqui no Paraná e, talvez, por isso, seja tão comentado, pela sua história, pela votação expressiva que teve e também pelas consequências que isso pode levar. O julgamento dele vai tratar de um tema interessante, que são os gastos pré-campanha. A acusação que pesa contra a candidatura do senador Sergio Moro é que ele abusou dos gastos no período anterior ao período eleitoral. Os candidatos todos devem ter um limite de gastos, justamente para que não haja um abuso de poder econômico”, detalha.

Cada candidato a senador poderia gastar até o limite de R$ 4.447.000,00 nas eleições de 2022. Moro já estava muito próximo do teto de gastos, ao investir R$ 4,2 milhões, conforme Santos. O PL e o PT ingressaram com ação para impugnar a candidatura o acusam de ter gasto, na pré-campanha, o que foi também apurado pelo Ministério Público Eleitoral (MPE), um valor de R$ 2.030.000,00. “Somando o período eleitoral com o pré-eleitoral, haveria uma extrapolação do teto de gastos e, com isso, haveria um privilégio da candidatura dele em relação aos demais”, afirma.

Na prestação de contas que Moro fez ao TSE, já se verifica a extrapolação do teto: R$ 5.103.495,12 em despesas contratadas e pagas –  ou seja, R$ 656.495,12 acima do limite. De recursos recebidos, foram R$ 5.266.811,26, com destaque para as doações dos diretórios nacional e estadual do União Brasil – R$2.272.600,77 (43,15%) e R$ 2.041.000,00 (38,75%), respectivamente – e Ricardo Augusto Guerra, que é o segundo suplente de Moro e doou R$ 259 mil (4,92%).

De acordo com Santos, esse tipo de processo possui prioridade de julgamento, pois há interesse tanto da parte processada em ver o resultado para ter segurança jurídica a respeito da continuidade do mandato, quanto os eleitores que elegeram algum candidato “com alguma mácula” têm direito de ter uma nova eleição para que um ocupante legítimo exerça esse mandato. De dezembro a janeiro, houve uma suspensão dos prazos processuais e, sem a corte completa, não se pode julgá-lo. “Acredito que assim que for restabelecida a composição completa, com a nomeação do próximo juiz a integrar o TRE-PR, esse processo será pautado”, diz.

Nesse caso, por tratar do mandato de um senador federal, o TRE-PR vai atuar como a primeira instância de julgamento. Quando o caso é julgado por uma corte colegiada e não por um juiz de 1º grau, numa Comarca, o Tribunal atua como 1º grau, também por ser um caso de foro privilegiado. Por ser de 1º grau, existe o efeito suspensivo automático, isto é, não há aplicação imediata da eventual decisão que o Tribunal do Paraná tomar. A aplicação da decisão só ocorre após definição pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esse efeito suspensivo ocorre a partir de eventuais recursos contra a condenação.

Confira a entrevista na íntegra

Ponto de Vista

Apresentado por João Barbiero, o programa Ponto de Vista vai ao ar semanalmente, aos sábados, das 7h às 8h, pela Rede T de Rádios do Paraná.

A Rádio T pode ser ouvida em todo o território nacional através do site ou nas regiões abaixo através das respectivas frequências FM: T Curitiba 104,9MHz;  T Maringá 93,9MHz; T Ponta Grossa  99,9MHz; T Cascavel 93,1MHz; T Foz do Iguaçu 88,1MHz; T Guarapuava 100,9MHz; T Campo Mourão 98,5MHz; T Paranavaí 99,1MHz; T Telêmaco Borba 104,7MHz; T Irati 107,9MHz; T Jacarezinho 96,5MHz; T Imbituva 95,3MHz; T Ubiratã 88,9MHz; T Andirá 97,5MHz; T Santo Antônio do Sudoeste 91.5MHz; T Wenceslau Braz 95,7MHz; T Capanema 90,1MHz; T Faxinal 107,7MHz; T Cantagalo 88,9MHz; T Mamborê 107,5MHz; T Paranacity 88,3MHz; T Brasilândia do Sul 105,3MHz; T Ibaiti 91,1MHz; T Palotina 97,7MHz; T Dois Vizinhos 89,3MHz e também na T Londrina 97,7MHz.