Além de promover as aprendizagens acadêmicas previstas pelos componentes da grade curricular, é papel da escola contribuir para o desenvolvimento emocional dos estudantes. A educação socioemocional, contemplada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), foca nas habilidades e competências que ajudam as crianças e os adolescentes, entre outras ações, a se relacionar de maneira mais saudável com seus colegas, agir com empatia, conviver de maneira positiva com as diferenças e tomar decisões conscientes.
Simone André, consultora e especialista em Educação Integral, explica que, quando falamos em desenvolver competências socioemocionais como condição para tornar as aprendizagem mais amplas, profundas e resilientes, temos um objetivo maior, que é construir com os estudantes as competências para navegarem com autonomia em um mundo que pede autoconhecimento, colaboração, propósito, escolhas coletivas e criatividade. “A construção de autonomia – que envolve essas competências – precisa acontecer desde a Educação Infantil até os ensinos Médio e Superior, tornando-se a capacidade de aprender ao longo da vida”, afirma. “Desenvolver autonomia – ou seja, a capacidade de se conhecer, se relacionar, construir objetivos e persistir em alcançá-los, fazer escolhas, criar e lidar com as diferenças para resolver problemas de seu cotidiano, de sua existência e de seu tempo – é a tarefa maior da Educação em todas as suas etapas.”
Um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado em abril de 2022, demonstrou que estudantes com competências socioemocionais mais desenvolvidas têm maior probabilidade de ter melhor desempenho na escola e maiores expectativas educacionais. Essas competências servem como alavanca de aprendizagem e indicam um caminho relevante para a mitigação de desigualdades escolares e sociais. No entanto, trabalhar propostas com essa abordagem e integrar a educação socioemocional às competências e habilidades curriculares pode ser um desafio para os professores.
Desenvolvimento socioemocional não é um componente curricular
De acordo com Simone, desenvolver competências socioemocionais não deve ser traduzido apenas em mais um componente curricular e tratado como um conteúdo para os alunos. “Quando propomos, de forma alinhada à BNCC, que o desenvolvimento socioemocional seja curricular, estamos nos referindo a diferentes camadas de integração.”
A primeira delas, segundo a especialista, é em relação aos resultados educacionais, ou seja, o que se quer construir com os estudantes em termos de aprendizagem. “As dez competências gerais da BNCC mostram o compromisso de todas as áreas de conhecimento com a formação de um estudante que, por exemplo, usa o conhecimento para aprender ao longo da vida e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva [com relação à competência 1] e é curioso, crítico, criativo e resolvedor de problemas [com relação à competência 2].”
Uma segunda camada de integração, decorrente da primeira, diz respeito à arquitetura curricular, ou seja, que todas as disciplinas ou componentes curriculares tratem a dimensão socioemocional presente nas competências gerais e específicas de forma integrada na concepção de ensino da disciplina ou da área de conhecimento. “Isso quer dizer que o ensino e a aprendizagem da Matemática, da Língua Portuguesa, das Ciências etc. é socioemocional e requer colaboração, criatividade, autoconhecimento, empatia, determinação e assim por diante”, destaca Simone.
Assim, não faz sentido reduzir o desenvolvimento socioemocional a um conteúdo a ser trabalhado em um único componente, de forma apartada dos campos de conhecimento. “O desenvolvimento socioemocional é parte do ensino das disciplinas acadêmicas e, quando olhado do ponto de vista das competências gerais, é parte do resultado maior a ser buscado com os estudantes”, resume.
Por onde começar?
Silvia Lima, gerente de projetos na formação de educadores do Instituto Ayrton Senna, diz que o primeiro passo é o professor compreender as competências para desenvolver propostas pedagógicas com intencionalidade, para que os alunos possam exercitá-las. “Na sala de aula, ele pode oportunizar esse desenvolvimento. [Entende-se como oportunidade] porque não se ensina a ser empático, não se ensina foco, mas isso pode ser vivenciado em atividades que estimulem e testem as competências [para serem incorporadas em outras situações].”
Ela salienta que isso funciona em qualquer área do conhecimento, basta que o educador determine de que maneira a prática vai acontecer: “[Em Língua Portuguesa], no ensino do gênero cordel, por exemplo, a curiosidade e a abertura ao novo são competências que podem ser oportunizadas para contribuir para a compreensão do tema [e depois exploradas no cotidiano]”.
Para Camila Sanches Miani, professora de Ciências e Práticas Experimentais das turmas de 8º e 9º anos da EE Prof. Antonio Guedes de Azevedo, em Bauru (SP), é necessário olhar para os componentes curriculares e entender quais competências socioemocionais são mobilizadas a cada momento. “No início de cada bimestre, elaboramos um documento chamado Guia de Aprendizagem, com uma organização semanal dos conteúdos e habilidades que serão desenvolvidos no período. Assim, as competências socioemocionais são direcionadas junto às habilidades previstas, integrando também as metodologias e atividades do componente”, descreve. Esse trabalho conta com o acompanhamento dos coordenadores de área, da coordenação geral e, quando necessário, da supervisão da escola.
As principais competências socioemocionais que a professora trabalha em suas aulas são autonomia, curiosidade, criatividade, tolerância à frustração e cooperação. “As metodologias ativas [como a rotação por estações] e as atividades que propõem a resolução de problemas permitem que o aluno seja o centro do processo de aprendizagem. Assim, ele precisa se organizar para cumprir a tarefa solicitada, administrar o tempo, aprender a trabalhar em grupo, lidar com a frustração de um experimento que não deu certo, dividir tarefas e planejar ações para resolver um problema”, exemplifica Camila.
Ana Carolina Bicalho, professora de Ciências das turmas de 6º e 9º anos das EE Manoel Loureiro e EE Alberto Pereira Lima, ambas em João Monlevade (MG), reforça que as competências socioemocionais permitem ao aluno ouvir diferentes opiniões, transmitir suas ideias e desenvolver habilidades de relacionamento. Para isso, ela sugere que o professor invista na construção de vínculos e de uma relação de confiança com os estudantes, mediando rodas de conversa e ajudando a solucionar de forma respeitosa os conflitos que surgem nas dinâmicas de sala.
Para Simone, outro aspecto importante é o professor saber como os conteúdos da disciplina podem ser organizados ou adaptados de acordo com os diferentes interesses e a capacidades dos estudante, de modo a torná-los compreensíveis para todos. “É preciso considerar suas singularidades, seus contextos, suas identidades e seus aspectos socioemocionais.”