Os termos “direita” e “esquerda”, no campo político, remontam ao fim da Revolução Francesa, em 1789, quando se reorganizou o Parlamento. Na época, o orador principal solicitava que os representantes da aristocracia se sentassem à sua direita e os “comuns” à sua esquerda. Com o passar do tempo, os aristocratas desapareceram e, em seu lugar, sentou-se a burguesia. Os comuns, ainda sentados à esquerda, se engajavam sobretudo na defesa dos direitos dos trabalhadores. Mais de 200 anos depois, essas expressões voltaram com tudo ao debate político mundial. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Ponta Grossa ganhou projeção nacional ao ser a cidade brasileira com a maior diferença de votos: 73,75% para o direitista Jair Bolsonaro, contra 26,25% para o esquerdista Fernando Haddad. Mas será que esse pendor para a direita seria uma característica estrutural da cidade ou apenas uma fase? Ponta Grossa, como dizem algumas lideranças locais, é de direita?
SEMPRE DE VANGUARDA
“Ponta Grossa sempre foi de vanguarda. A cidade elegeu vários prefeitos que não representavam o conservadorismo e muito menos os liberais. Nós tivemos Manoel Ribas, Eurico Rosas, Juca Hoffmann, Zuk [Luiz Carlos Stanislawczuk], Jocelito Canto, Péricles de Holleben Mello, todos muito mais à esquerda. A onda da direita é mundial, não é um fenômeno só de Ponta Grossa. O mundo está virando para a direita, e, com ele, todos os oportunistas de plantão. Essa onda é uma revolução social. Nós tivemos o socialismo marxista no século XX, que foi violento e ineficaz, foi a pior praga da humanidade, matou e violentou centenas de milhões de seres humanos. Apesar de tudo, a humanidade evoluiu e não aceita mais o cerceamento da liberdade. A questão da direita engloba uma discussão filosófica liberal, em que se prega o desenvolvimento do ‘ser’ e não do ‘ter’. Não se trata de uma questão econômica e, sim, de uma luta na defesa da liberdade. Politicamente, hoje, não vejo nenhum nome [na cidade] que esteja realmente engajado em uma linha humanista liberal, todos são oriundos de partidos socialistas”
TITO FONSECA, advogado
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DIREITA PREDOMINANTE
“Do ponto de vista político-eleitoral, Ponta Grossa sempre assentou a maioria de seus políticos à direita do orador. Esses políticos representavam, desde 1823, os latifundiários, beneficiados pelas sesmarias, a aristocracia rural. Contrariamente, emergiram poucos opositores que tomaram assento à esquerda, que se opunham ao sistema oligárquico. O avanço do liberalismo conservador fortaleceu ainda mais a direita. Dos resquícios da aristocracia rural emergiram tanto o coronelismo quanto o governo de Getúlio Vargas. Em pouco tempo, a cidade foi tomada pelas bandeirolas dos integralistas e dos nazistas, pela Igreja conservadora do bispo Geraldo Pellanda e pelo regime militar. Assim, a direita tem sido a ideologia predominante em Ponta Grossa. Caminhou tranquilamente por dois séculos impondo a sua hegemonia. Os seus poucos entraves se reduziram às vitórias de Jocelito Canto e de Péricles de Holleben Mello. Mas, a democracia é um sistema aberto e pluralista, e a ‘luta de classes’ de Marx sempre irá combater e resistir ao liberalismo economicista”
FÁBIO ANIBAL GOIRIS, cientista político e professor
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BRASIL CONSERVADOR
“O Brasil é conservador. Historicamente, as civilizações, em si, são conservadoras, pois são baseadas em princípios de família, tradição, Deus etc. Ponta Grossa segue a mesma linha. Nunca foi uma mini-sociedade progressista em luta contra esses valores. Durante a era Dilma, a procura por fontes de estudo em política foi exponencial, pois, diante de seus discursos e frases emblemáticas, o cidadão se viu à beira de um abismo. Nesse momento, a consciência liberal e conservadora, que antes era apenas um sentimento, começou a ter base filosófica, e diversos movimentos se tornaram mais fortes e representativos. Queira ou não, essa foi a contribuição do PT para a formação e para a base ‘acadêmica’, no sentido de embasamento literário, da ‘Nova Direita’, que vem ganhando mais espaço e quebrando paradigmas criados pela esquerda, como aquela máxima de que a direita é ‘rico contra pobre’. Ponta Grossa segue o modelo do Brasil, vide o resultado das eleições presidenciais aqui. Acredito que o mesmo ocorrerá com um candidato a prefeito”
JULIANO RIBAS, empresário
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QUASE UM SENTIMENTO
“Não é possível responder a essa pergunta, por um motivo muito simples: esquerda e direita devem ser pensadas dentro do rigor da ciência política e de critérios muito específicos. Mas, quando se joga isso para a representação popular, há uma difusão de ideias muito variada e plural. Ser ‘de esquerda’ ou ‘de direita’ é quase um sentimento, principalmente entre o pessoal da direita. Acredito que o movimento da população em direção ao voto se dá por vários motivos, e talvez a questão vinculada a ser ‘de esquerda’ ou ‘de direita’ seja o menos importante. Seria o mesmo que dizer que o Brasil é um país conservador. Eu diria que não, diria que tem aspectos conservadores. A esquerda tem um papel fundamental, de construir as pontes para o futuro. Isso se faz a partir de um processo que inclui algo que parece ter se perdido em muitos movimentos: a capacidade de sonhar com o pé no chão. E realmente fazer uma crítica radical, projetando aquilo que acreditamos, que é um mundo mais igual e mais justo”
AKNATON TOCZEK SOUZA, professor e pesquisador
Por Eduardo Godoy | Foto: Reprodução