Sábado, 16 de Novembro de 2024

Ex-prefeitos de PG falam sobre as prioridades e os desafios do próximo governo

2020-12-06 às 10:34

Em matéria publicada na edição 284 (setembro) da revista D’Ponta, conversamos com três ex-prefeitos de Ponta Grossa – Otto Cunha, Jocelito Canto e Péricles de Holleben Mello – para saber o que eles esperam do futuro da cidade, quais devem ser os desafios da nova gestão e que conselhos eles dariam à próxima prefeita 

Ponta Grossa completou 197 anos em setembro último, com uma história rica em crescimento e desenvolvimento. O município conta, hoje, com cerca de 400 mil habitantes, alta infraestrutura, qualidade de vida e economia pujante, formada pelos pilares do agronegócio, indústria, turismo, comércio e serviços.

Situada no centro do maior entroncamento rodoferroviário do sul do país, Ponta Grossa é uma das mais importantes cidades do Paraná, tanto em número de habitantes quanto pelas riquezas geradas. Estar no comando de um município desse porte é um enorme desafio, e, no dia 29 de novembro último, os ponta-grossenses escolheram a sua nova prefeita, a professora Elizabeth Schmidt (PSD), eleita com 52,38 % dos votos válidos.

Para contribuir com o debate, a revista D’Ponta conversou com três ex-prefeitos do município – Otto Cunha, Jocelito Canto e Péricles de Holleben Mello – para saber quais deveriam ser, na visão deles, as prioridades da nova gestora, que áreas merecem maior atenção do poder público e o que eles esperam do próximo governo.

Eleito em 1982 para um mandato de seis anos, Otto Cunha foi o responsável pela retirada dos trilhos da ferrovia que passava pelo Centro de Ponta Grossa, trazendo modernidade e desenvolvimento para a cidade. A gestão de Jocelito Canto, que governou a cidade entre 1997 e 2000, foi marcada, entre outras coisas, pela retomada da industrialização de Ponta Grossa. Péricles de Holleben Mello, que comandou o executivo municipal de 2001 a 2004, se destacou pela proximidade com o funcionalismo público e pela preocupação com o planejamento urbano da cidade.

A seguir, Otto, Jocelito e Péricles revelam o que desejam para o futuro de Ponta Grossa, apontam quais devem ser os desafios da nova gestão e que conselhos dariam à prefeita escolhida pelos ponta-grossenses.

COLOCAR A CASA EM ORDEM
Otto Cunha, prefeito de Ponta Grossa de 1983 a 1988

“Estar à frente de uma prefeitura é sempre um enorme desafio, e nós estamos passando por uma fase bastante complicada. Por exemplo, quando eu assumi o meu mandato, a dificuldade financeira era muito grande. A prefeitura não conseguia pagar o salário dos funcionários, e as contas de água, energia elétrica e telefone estavam atrasadas há mais de dois anos. Eu lembro que cortaram o telefone logo na primeira semana que eu estava lá. Nós tivemos que fazer um acerto e, em dois anos, conseguimos colocar as contas em dia.

“Naquela época, a prefeitura não tinha dinheiro para realizar as obras que eu tinha em mente, e o maior recurso disponível, o ICMS, ia direto para uma companhia que executava serviços públicos de infraestrutura. Eu entrei com uma ação, consegui uma liminar na Justiça, e o recurso passou a vir para a prefeitura. Com isso, passei a ter recursos para poder trabalhar.

“Com o apoio da equipe de secretários, eu consegui entregar a prefeitura sem dívidas, e o orçamento do ano seguinte não estava comprometido com nada. Com um orçamento limpo, quem me sucedeu teve plenas condições de fazer tudo o que queria. Eu não sei como a nova gestora vai assumir o mandato, não sei como está a prefeitura financeiramente, mas é certo que, se o poder público estiver com dívidas, ele vai ter que primeiro colocar a casa em ordem para depois pensar em fazer alguma coisa. É preciso primeiro saber como estão as contas para poder traçar um plano de ação.”

Zoneamento urbano
“É nítido que Ponta Grossa se desenvolveu bastante nas últimas décadas. Quando eu deixei a prefeitura, a cidade tinha perto de 200 mil habitantes, e hoje estamos chegando aos 400 mil habitantes, ou seja, a população da cidade dobrou nesse período. O grande problema é que o município cresceu, mas o zoneamento urbano foi um pouco desordenado. Esse é um dos pontos que precisa receber atenção da próxima gestora.

“Na região central de Ponta Grossa, começaram a surgir diversos prédios de 20 a 30 andares. Eu defendo que a cidade deveria autorizar a construção apenas de prédios de uma altura menor. Imagine que um prédio de 40 andares tenha apenas um apartamento por andar. Isso significa que são 40 famílias morando naquele local ou, no mínimo, 120 pessoas. Com isso, a população se concentra em um lugar só, e o Centro acaba ficando extravasado. O resultado é o congestionamento das ruas em horários de maior movimento.”

Canalização dos córregos
“A nova gestora deve pensar na saúde preventiva e canalizar os diversos córregos existentes no município. Muitos deles acabam virando verdadeiros lixões a céu aberto e contribuem para a proliferação de doenças. Muitos políticos não gostam de investir na rede de esgoto porque são obras que ninguém vê, mas que são extremamente necessárias para a população.”

Repensar Ponta Grossa
“Está na hora de repensar Ponta Grossa, para que o município tenha estrutura e um crescimento ordenado. Quando eu fui eleito, uma das coisas de que Ponta Grossa precisava era que fossem retirados os trilhos de ferrovia que passavam pelo Centro. Pouca gente se lembra, mas onde hoje é o Parque Ambiental existia um grande entroncamento de trilhos. A cidade praticamente parava ali. O barulho de trem na região era intenso durante o dia e a noite, e, consequentemente, não tinha quase nada ali, ninguém queria morar do lado da ferrovia.

“Para retirar os trilhos do Centro, foi necessário fazer um desvio ferroviário de aproximadamente 22 km um pouco antes de chegar no Aeroporto Sant’Ana. A Prefeitura desapropriou e indenizou proprietários de uma área de 40 alqueires. Sem a ferrovia cortando Ponta Grossa ao meio, o município pôde finalmente crescer. Foi uma obra importantíssima e um marco na nossa história, que trouxe modernização e desenvolvimento para a cidade.”

 

GESTÃO FINANCEIRA RESPONSÁVEL
Jocelito Canto, prefeito de Ponta Grossa de 1997 a 2000

“Equalizar as contas públicas será o principal desafio da nova prefeita. A Prefeitura de Ponta Grossa vive um momento delicadíssimo, e a situação financeira do município é uma das mais difíceis de toda a sua história. A  prefeita vai precisar enxugar a máquina pública, cortar gastos e ficar somente com os serviços essenciais. Sem cortar secretarias desnecessárias e cargos comissionados, a Prefeitura vai ficar ingovernável. Para isso, vai ser preciso muito diálogo e, acima de tudo, muita transparência para mostrar à população o que nós estamos vivendo hoje na cidade.”

Gestão de austeridade
“A nova gestora vai ter que terminar as obras que ficarem do atual governo, diminuir custos e fazer uma gestão eficiente. Será uma gestão de austeridade e sem obras faraônicas.”

Saúde e assistência social
“A prefeita precisa continuar com as políticas sociais para o povo, promover o crescimento da cidade e fomentar o processo de industrialização do município. O próximo ano será muito difícil, e o período após a pandemia da COVID-19 vai exigir que a gestora tenha foco nas suas ações. A prioridade, nesse momento, é a saúde. A gente precisa reformar os postos de saúde e colocar para funcionar os que estão abandonados, além de cuidar do Pronto Socorro Municipal, da UPA, do Hospital da Criança e de outros locais onde há maior movimento de pessoas.

“Nós estamos vivendo um momento de transformação na história do país, e a pandemia da COVID-19 mostrou que há muito tempo a saúde foi deixada em segundo plano. É uma área que precisa ser cuidada com transparência, fazendo uma gestão eficiente, com bons projetos, diminuindo os absurdos e exageros, investindo mais recursos, colocando para funcionar o que não está funcionando, trabalhando de forma preventiva e deixando a saúde mais próxima do povo. Não é preciso nem falar que a educação é prioridade, mas ela tem verba própria e caminha muito bem. Outra área que precisa de maior atenção é a assistência social. A nova gestora deve cuidar da população mais simples e fazer um um governo voltado às pessoas que mais precisam.”

Trabalhar pelo povo
“O nova prefeita de Ponta Grossa tem que ser transparente, não pode se permitir fazer acordos com grupos políticos. Ela deve continuar fazendo a cidade crescer e acelerar ainda mais o processo de industrialização, mas, ao mesmo tempo, precisa diminuir os gastos públicos, acabar com o apadrinhamento político e fazer a prefeitura realmente funcionar. A prefeitura precisa de uma verdadeira gestora, e uma verdadeira gestora trabalha sempre pelo povo. Isso significa que os gastos que ela tem são de interesse das pessoas que mais precisam. É assim que ela deve cuidar do maior negócio da nossa cidade: o povo que aqui vive.”

Ouvir mais e falar menos
“O conselho que eu dou à prefeita é conversar muito com a população, discutir os problemas, e não tomar decisões sozinha. As decisões importantes devem ser discutidas com setores produtivos da cidade, com as entidades de classe e, principalmente, com o povo. O segredo é ouvir mais e falar menos. Transparência absoluta e diálogo, porque, quando você está próximo do povo, você erra menos.”

 

LEGADO TRÁGICO E NOVOS DESAFIOS
Péricles de Holleben Mello, prefeito de Ponta Grossa de 2001 a 2004

“O primeiro desafio a ser enfrentado pela próxima prefeita de Ponta Grossa será o trágico legado da pandemia que está sendo agravado pelos tristes equívocos da presidência da República na condução do combate à COVID-19 no país. Os impactos não serão sentidos apenas no sistema de saúde, com tratamentos e diagnósticos que foram adiados em função das prioridades e da necessidade de isolamento social ditado pelo coronavírus; o sistema de ensino e a segurança pública também foram afetados pela pandemia e, no futuro próximo, veremos o aumento do desemprego, da miséria e dos problemas sociais.”

Desenvolvimento social e urbano
“A nossa cidade está próxima de completar 200 anos de história, e a nova gestora deverá traçar importantes ações e escolhas estratégicas para o futuro do município, e consolidar Ponta Grossa como a terceira mais importante cidade do estado. São questões que dizem respeito a estratégias de desenvolvimento social e urbano, crescimento econômico e diretrizes para a mobilidade e planejamento urbano e ambiental. A preservação da Escarpa Devoniana e do Parque Nacional dos Campos Gerais é de extraordinária importância para o meio ambiente e a identidade local, fortalecendo ainda mais Ponta Grossa como polo regional e polo turístico do Paraná.”

Estabelecer prioridades
“O plano de governo e o projeto para a cidade revelam o preparo de quem vai governar Ponta Grossa nesse período tão importante de sua história. As prioridades devem ser saúde, educação, assistência social e segurança pública. Elas dependem da visão e capacidade de governo da nova prefeita, mas também dos recursos públicos do município e da captação de recursos de outras instâncias da Federação.”

Transporte coletivo
“O transporte coletivo passa por um momento de crise profunda e estrutural em todo o país, e uma grande atenção deverá ser dada ao novo contrato de concessão no município. Se a prefeitura não encontrar uma nova forma de financiamento para o sistema, que permita uma tarifa bem menor do que a atual, o sistema entrará em colapso com graves prejuízos às pessoas mais pobres.”

Um novo Contorno
“O Contorno Norte é um elefante branco que deve ser esquecido. O projeto é caro, desnecessário, agrava os problemas de mobilidade na avenida Carlos Cavalcanti, traz prejuízos irrevogáveis para o desenvolvimento urbano da cidade, destrói o que ainda existe da Escarpa Devoniana e abala o Parque Nacional dos Campos Gerais. Deve-se pensar, no momento adequado, em um Contorno Sul que abra um novo território para o Distrito Industrial, valorize o Aeroporto Sant’ana, integre a rodovia entre Ponta Grossa e Palmeira [PR-151], e integre o entorno da avenida Souza Naves com o restante da cidade.”

Canais de participação popular
“A nova prefeita deve ter coragem para enfrentar interesses econômicos poderosos que olham para a cidade sem amor e que se alimentam da especulação imobiliária e da destruição ambiental. Deve ouvir a população e criar, junto com os vereadores, amplos canais de participação popular, como os conselhos de bairro. Também é fundamental trazer a comunidade acadêmica para perto da população e para o centro do poder por meio de projetos como a Universidade Solidária de Ponta Grossa [UNISOL-PG], uma proposta inovadora e inteligente do Partido dos Trabalhadores [PT].”

Dar o melhor de si
“Ser prefeito de Ponta Grossa é uma experiência preciosa, que marca a vida para sempre. Se eu pudesse dar um conselho à próxima prefeita, diria que ela deve dedicar o melhor de si – da sua inteligência, da sua sensibilidade, do seu amor e de sua energia – à cidade que a escolheu para essa tarefa.”

Por Michelle de Geus | Fotos: Divulgação