Com exclusividade ao Ponto de Vista, apresentado por João Barbiero na Rede T de rádios do Paraná, na manhã deste sábado (22), o professor titular do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná, Emerson Urizzi Cervi, comentou sobre o cenário político nacional, o lançamento do seu livro ‘Democracia e Opinião Pública no Século XXI’, pela editora Almedina, e outros assuntos.
Envelhecimento do sistema e crise
O momento político do Brasil não está descontextualizado do que está acontecendo no mundo, de modo geral, segundo Emerson. “O que acontece no mundo em geral [nas democracias ocidentais], é um processo cíclico que você tem uma ruptura de um sistema de representação. Este sistema se reorganiza, cresce, se fortalece e depois de um determinado momento acaba envelhecendo sem conseguir se renovar”, explica.
Neste contexto, em que o sistema não consegue por conta própria se renovar, o professor destaca que começam a aparecer as primeiras crises. “Diante dessas crises que aparecem, sempre há [muitas pessoas] que aproveitam a oportunidade para falar sobre ‘morte da democracia’, que na verdade é um alarmismo inconsequente”, pondera.
Construção e reconstrução da democracia brasileira
Ele relembra que a democracia brasileira foi construída e reconstruída historicamente, em dois momentos. “A nossa República não tem 150 anos, e tivemos um momento de construção da democracia após a Segunda Guerra Mundial, nos anos 50 principalmente. Houve uma ruptura com o regime militar, e depois voltamos a reconstruir a democracia a partir dos anos 80, com um marco pontual que foi a Constituição de 88”, ressalta.
Cenário político atual do país
Após este momento, o Brasil vive o maior período da sua democracia sem interrupção e naturalmente aparecem algumas crises, explica Emerson. “Especificamente no nosso caso, em geral, a gente começa a pensar em democracia associando com as instituições. As pessoas questionam se o judiciário ajuda ou atrapalha, se o parlamento é de alta ou baixa qualidade, se temos um poder executivo que dá espaço para ouvir as demandas da sociedade e responde com políticas públicas ou temos um executivo mais fechado em si mesmo”, aponta.
O professor destaca que o seu ponto de vista em relação à democracia é a partir do cidadão comum. “Eu chamo de democrata anônimo, que é aquele que não faz parte das instituições e não pertence à elite política, porém é constantemente chamado a opinar. Então ele opina sobre diferentes assuntos e temas de interesse público, mas de tempos em tempos ele é chamado a transformar aquela opinião dele em uma cristalização num voto”, destaca. “O cidadão se transforma em eleitor e define para que lado vai o seu voto, agregando aquele conjunto de opiniões. Quando a gente fala que a democracia está em crise é porque esse cidadão comum também está apresentando determinados comportamentos ou tomando decisões, em espaços públicos, que não são democratas ou que são em muitas vezes antidemocratas”, acrescenta.
Diferença entre opinião pública e opinião publicada
A opinião pública consiste na expressão popular de participação na execução, controle, criação e crítica das diretrizes de uma sociedade. Enquanto a opinião publicada não é institucionalizada, mas a participação está ligada a pessoas que possuem ligação direta com o tema e somente apoiam.
“Um exemplo é a participação popular em uma audiência pública ou um projeto de lei da câmara de vereadores, em que é realizada uma audiência pública e participam poucas pessoas, que de modo geral possuem ligação com algum vereador, que possui interesse direto naquele tema. Isso é diferente da opinião pública, que não se institucionaliza, e é o que a literatura chama de opinião publicada, que é a opinião que já está pré-estabelecida”, pondera Emerson.
De acordo com a forma que é realizada a consulta popular e de opinião pública é possível se ter uma ideia sobre a democratização de determinada instituição. O professor orienta as diferentes formas como são conduzidas as audiências públicas.
“Você pode realizar uma audiência pública e decidir, como parlamentar, que vai dar espaço para a opinião pública e destacar que em pesquisa se constatou que a população, em geral, é contra ou a favor determinada posição. Ou você pode fazer uma audiência pública fechada, simplesmente para validar. Nós não estamos medindo o grau de democratização da opinião pública, mas das instituições que decidiram realizar de alguma dessas formas”, destaca. “Foram as instituições que decidiram realizar a audiência de forma fechada e apenas como uma etapa, porque em geral tem uma lei que determina que precisa passar por audiência pública. Nesses casos, ela é mera formalidade e isso indica que as instituições políticas são pouco democráticas, porque a opinião pública não foi consultada”, complementa.
Poder Judiciário no país
Emerson afirma que se olharmos para os últimos 20 anos é perceptível que o Poder Judiciário começa a entrar na ‘arena do parlamento’ por duas portas, que foram abertas pelo próprio parlamento.
“A primeira delas é pelos derrotados, quentão há uma prática no Brasil em que o grupo político derrotado no parlamento recorre ao Judiciário para questionar a tese vencedora. Sempre que tinha uma votação e um grupo era derrotado, ele entrava no Supremo alegando que havia um problema de tramitação e que era inconstitucional. Esse é um movimento do parlamento obrigando o Judiciário a se manifestar”, explica. “A segunda porta é quando o parlamento não toma decisão, e nós temos diferentes exemplos em que o Poder Legislativo não vota, e ao não votar remete para o Judiciário para que ele tome uma decisão, e já tivemos vários temas em que o Supremo precisou se manifestar”, acrescenta.
Ele destaca que essa é uma forma institucionalizada de influência e a presença de cidadãos anônimos não democratas fez com que recentemente o Judiciário tivesse o papel de defender as instituições democráticas, segundo Emerson.
“O que tem acontecido é que tanto atores políticos, lideranças e elite política quanto a base, com cidadãos anônimos não democratas, quando querem corromper e destruir as instituições democráticas, entra o papel do Poder Judiciário”, afirma. “Mais recentemente, o Judiciário tem se apresentado na ‘arena política’ como uma das esferas de sustentação das instituições democráticas, como uma forma de responder aos ataques”, complementa.
O professor usa o exemplo da pandemia da covid e como ela foi guiada dentro do processo político. “Proporcionalmente o Brasil foi o país que teve mais mortes por infectados durante a pandemia. Se a gente teve algum plano de contingência da covid no país, o que foi pouco, foi devido à intervenção do Judiciário, porque teríamos mais mortes [caso contrário]”, pondera. “O Legislativo e Executivo não estavam dando o ponto de partida, que teve que ser feito a partir do Judiciário”, finaliza.
‘Democracia e Opinião Pública no Século XXI’
O professor lançou recentemente o livro ‘Democracia e Opinião Pública no Século XXI’, da editora Almedina, que pode ser adquirido através do site.
Confira a entrevista completa: