Terça-feira, 08 de Outubro de 2024

Comunidade do MST se torna assentamento em PG; evento reuniu ministro e mais de mil convidados

2024-03-19 às 09:08
Nova placa do assentamento, inaugurada neste sábado. Foto: Roberta Aline / MDS

Após 21 anos de resistência, a comunidade Emiliano Zapata conquistou oficialmente o assentamento de 70 famílias camponesas, em Ponta Grossa, Campos Gerais do Paraná, no último sábado (16). A festa, aguardada pelas famílias Sem Terra por mais de duas décadas, reuniu mais de mil pessoas, com ato político, churrasco servido gratuitamente pela comunidade, feira da reforma agrária e da economia solidária e baile.

Entre as autoridades presentes estavam Wellington Dias, ministro do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS); César Fernando Aldrighi, presidente nacional do Incra; Enio Verri, presidente da Itaipu Binacional; Leila Klein, superintendente estadual do MDS; Nilton Bezerra Guedes, superintendente do Incra-PR; ex-governador do Paraná, Roberto Requião; Mônica Valério, do Banco e Brasil; os deputados estaduais do Paraná Professor Lemos e Dr. Antenor; além de representantes da Universidade Estadual de Ponta Grossa, sindicatos e movimento estudantil e popular urbano.

Neumari de Souza Leite, camponesa coordenadora da comunidade e integrante da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), lembrou emocionada os mais de 20 anos de resistência das famílias na área. “Tudo que conseguimos aqui foi com a força do povo e do MST. É um momento de alegria e cobrança ao poder público por incentivo à reforma agrária”.

O ministro visitou a família de Ana Paula Lourenço Gotardo e Josué Araújo, e conheceu a produção agroecológica de mais de 20 variedades de hortaliças, comercializadas por meio da cooperativa da comunidade, a Cooperas. Os alimentos do assentamento chegam toda semana a 50 escolas públicas da cidade, e também a municípios vizinhos, por meio da articulação com outras cooperativas da reforma agrária da região. “É uma felicidade a gente poder mostrar de perto a nossa realidade e a nossa insistência e luta e conquista com a luta diária, o nosso sonho através da reforma agrária. Espero que ele consiga absorver”, contou Ana Paula, sobre a visita de Wellington Dias à sua casa e sua produção.

Wellington Dias enfatiza a importância deste modelo de produção cooperativada da reforma agrária, com articulação de diferentes cadeias produtivas para atender a demanda alimentar do mercado regional e dos programas institucionais de alimentação escolar e de aquisição de alimentos. “A prioridade do presidente é acabar com a fome e aqui temos a solução. Precisamos acelerar o Pronaf, que proporciona moradia, tecnologia, o equipamento”, diz o ministro.

Durante o ato público de celebração do assentamento, Wellington Dias falou da cobrança de Lula para a “regularização de todas as áreas que estamos devendo para trabalhadores\as”. O ministro se surpreendeu com a lentidão para efetivação do assentamento Emiliano Zapata, especialmente por se tratar de uma área pública. A falta de efetivação da Reforma Agrária fez com que as famílias fossem impedidas de acessar políticas públicas de apoio à produção, como o próprio Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o Pronaf.

“Eu pessoalmente sabia da luta de vocês. Não é razoável uma área federal levar 21 anos para chegarmos neste momento de regularização dessa área. Temos que estudar para que situações como essa não se repitam no nosso país […]. O Brasil é devedor do acampamento Emiliano Zapata”, frisou.

O presidente do Incra, César Fernando Aldrighi, reconheceu o papel da reforma agrária para o enfrentamento da fome. “A gente sabe que a reforma agrária tem o papel de alimentar o mundo. O sentimento que eu tenho ao olhar pra vocês é que vocês representam a resistência. Eu quero voltar aqui para anunciar as construções das 50 casas, créditos e Pronafs”, disse, aplaudido pelo público.

Aldrighi relatou o desmonte sofrido pelo Incra na gestão anterior, e garantiu o esforço em assentar as mais de 65 mil famílias acampadas no Brasil. “Este ano vamos assentar as famílias que estão esperando e ano que vem buscar mais terras para novas áreas de reforma agrária e assentar todas as famílias acampadas”.

Roberto Baggio representou a direção nacional do MST durante o ato, e cobrou a efetivação do assentamento ainda. “As 80 que faltam ser regularizadas, e são iguais a essa aqui, estão produzindo, tem escola, tem famílias produzindo. Queremos fazer uma festa por semana. Nossa luta é por justiça, não estamos pedindo esmola, e sim políticas públicas, e precisamos conversar para ampliar esse conhecimento dos nossos direitos”.

O dirigente relacionou a cobrança da efetivação da Reforma Agrária com a vitória histórica conquistada na Corte Interamericana de Direitos Humanos na última quinta-feira (14), sobre o caso do assassinato de Antonio Tavares e agressões a 185 camponeses, em 2000. A sentença condenou o Estado Brasileiro pela violência e reafirmou a legitimidade da luta pela reforma agrária.

Ao final do ato, houve também uma homenagem ao professor, militante e amigo do MST Horácio Martins de Carvalho, que faleceu na manhã de sábado, por complicações de problemas de saúde. O professor se consolidou como um dos principais intelectuais do Brasil no tema agrário, dedicando parte dos seus estudos para a formação e articulação com os movimentos populares.

MDS e Itaipu assinam programa de fomento à agricultura familiar

Durante o ato de comemoração pela criação oficial do assentamento, o MDS anunciou parceria a ser firmada com Itaipu Binacional para a inclusão de até 2.500 famílias paranaenses no Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais.

O Programa do MDS, também conhecido como Fomento Rural, combina duas ações: acompanhamento social e produtivo e transferência direta de recursos financeiros não-reembolsáveis, no valor de R$ 4.600 por família, para que as famílias rurais mais pobres desenvolvam seus projetos produtivos.

O anúncio foi feito pelo ministro Wellington Dias em conjunto com o diretor-geral brasileiro da Itaipu Binacional, Enio Verri. Caberá à Itaipu Binacional a viabilização do serviço de assistência técnica para apoiar as famílias na elaboração de projeto produtivo e ao MDS a disponibilização do recurso financeiro para apoiar a implementação do projeto.

O ministro também recebeu um documento com reivindicações da comunidade, com demandas relacionadas ao fomento da produção e infraestrutura. Wellington Dias garantiu apoio para efetivar o acesso ao Pronaf A e B, que atendem diferentes fases de desenvolvimento das famílias.

Ao longo de todo o dia, a festa continua com Feira da Reforma Agrária com alimentos agroecológicos do assentamento e de outras comunidades do MST, e da Economia Solidária, com participação da Feira Permanente da Economia Popular Solidária e da Associação das Feirantes da Economia Solidária dos Campos Gerais, a Rede Mandala, Black Quadros.

Palestina Livre!

MST também denunciou o genocídio em curso na Palestina, pelas mãos do Estado de Israel. A violência extrema se expressa pelo número de crianças mortas: em 4 meses de guerra, de outubro de 2023 a fevereiro de 2024, o número de crianças mortas na Faixa de Gaza foi maior do que o total de crianças mortas em todas as guerras do mundo durante 4 anos, de 2019 a 2022. Os números foram compilados pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Enquanto todas as guerras combinadas de 2019 a 2022 mataram 12.193 crianças, os quatro primeiros meses do conflito em Gaza tirou a vida de 12.300 crianças. Se acrescentarmos as mortes computadas em março, o número de crianças mortas em Gaza ultrapassou os 13 mil, de acordo com o Ministério de Saúde do enclave palestino, divulgados pela Agência Brasil.

21 anos de construção da Reforma Agrária

A comunidade Emiliano Zapata está localizada a 20 quilômetros do perímetro urbano de Ponta Grossa, rodovia do Talco, próximo ao Parque do Botuquara. Quem visita o local hoje, encontra uma grande diversidade de produção, casas estruturadas, espaço comunitário e cooperativa. É um cenário bastante diferente do que havia ali há quase 21 anos.

Os 630 hectares de terra pertenciam à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), havia recebido por meio de doação pela União para a realização de pesquisas. No entanto, a área estava sendo utilizada para o monocultivo de pinus, voltado a interesses da iniciativa privada, além do plantio de soja e experimentos com sementes transgênicas. Parte da área também passava por ameaça de grilagem por fazendeiros da região.

A área foi ocupada no dia 26 de agosto de 2003, desde então, se iniciou uma transformação, quando as famílias passaram a se dedicar à produção de alimentos, principalmente sem o uso de agrotóxicos. O desenvolvimento da produção ganhou impulso quando a comunidade conseguiu criar a Cooperativa Camponesa de Produção Agroecológica da Economia Solidária (Cooperas) em 2011, para comercialização de alimentos.

Muito trabalho coletivo e cooperado possibilitou a entrada em programas nacionais como o de Aquisição de Alimentos (PAA) e o de Alimentação Escolar (PNAE), com impacto direto na geração e na distribuição da produção.

Somado a isso, a comunidade ampliou laços com o mundo urbano por meio de parcerias com diversos programas de extensão da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), como o Projeto Lama (Laboratório de Mecanização Agrícola), Iesol (Incubadora de Empreendimentos Solidários) e do Curso de Jornalismo, entre diversos apoios de entidades sindicais, religiosas e movimentos sociais de Ponta Grossa e região.

Os camponeses que vivem no Emiliano Zapata já participaram das ações de solidariedade que estão sendo promovidas pelo MST desde o início da pandemia. São toneladas de alimentos produzidos pela comunidade e doados para famílias vivendo em vulnerabilidade na região urbana.

do MST