Domingo, 05 de Maio de 2024

Debate D’P: Ponta Grossa está bem de calçadas?

2023-06-11 às 16:47

Em um mundo que prioriza cada vez mais o automóvel, é necessário lembrar que as calçadas ainda são de fundamental importância para a mobilidade nas cidades. Neste debate, dois engenheiros, um representante do poder público e uma representante dos deficientes físicos falam sobre o estado geral das calçadas locais

por Edilson Kernicki

Uma calçada com dimensionamento adequado é formada por uma faixa livre (onde transitam os pedestres), uma faixa de serviço (onde fica alocado o mobiliário urbano, como lixeiras e bancos) e uma faixa de transição (onde se dá o acesso às edificações). Em Ponta Grossa, essas faixas costumam se sobrepor, especialmente fora das vias principais, e o pedestre não consegue caminhar em linha reta por uma quadra inteira.

Em sua versão mais recente, aprovada em dezembro de 2022, o Código de Obras e Edificações do Município (Lei 14.522/2022) reforça a responsabilidade dos proprietários de imóveis sobre a construção, reconstrução, reforma e conservação de calçadas públicas conforme padrões fixados pela administração municipal. Se for de interesse público, o município pode executar melhorias que envolvam a acessibilidade, mas os custos podem ser cobrados dos proprietários dos imóveis próximos.

No entanto, o próprio relevo acidentado e a condição histórica de alguns logradouros, que datam do século XIX, fazem das calçadas uma pista de obstáculos. Pedras soltas ou lisas demais pelo desgaste do tempo; calçadas muito estreitas, inclinadas ou irregulares; árvores, postes, lixeiras, antigos suportes para orelhões ou o mato que toma conta do espaço obrigam o pedestre a se equilibrar pelo meio-fio, descer para a pista de rolamento ou, talvez, atravessar a rua, se existir calçada do outro lado.

As condições de acessibilidade das calçadas devem atender às especificações técnicas da NBR 9050, estabelecida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), ou de norma técnica oficial que venha a substituí-la. Não faz nem 20 anos que a acessibilidade passou a ser objeto de preocupação da administração pública, quando ocorreram as revitalizações das avenidas Vicente Machado e Balduíno Taques, na gestão do ex-prefeito Pedro Wosgrau Filho. Nessas vias, a fiação elétrica passou a ser subterrânea e permaneceram apenas postes de iluminação pública. Também foram adotadas rampas de acessibilidade e pisos táteis, que orientam deficientes visuais.

No entanto, ainda que a intenção fosse boa, os materiais empregados são insatisfatórios: o piso tátil adotado nessas ruas é de um material que se torna bastante escorregadio em dias de chuva. Na sinalização de acessibilidade nas rampas (o quadrado azul com um ícone de cadeirante, em branco), ocorre o mesmo.

Na página ao lado, engenheiros, poder público e a presidente de uma entidade de deficientes físicos dão os seus pareceres sobre a funcionalidade, a segurança, a acessibilidade e a limpeza das calçadas locais, apontando os seus aspectos positivos e negativos.

DESINCENTIVAM O CAMINHAR

“As nossas calçadas não motivam as pessoas a adotarem o caminhar como forma de deslocamento e, consequentemente, restabelecer relações interdependentes com o meio urbano. Elas não são, em sua maioria, voltadas a promover a acessibilidade.

No quesito segurança, é comum culpar o tipo de material como inadequado – caso do ‘petit pavê’ considerado escorregadio – em oposição ao verdadeiro problema, que é a falta de conservação. E a razão principal de insegurança é a presença de buracos, pedras soltas, desníveis e obstáculos, como totens de propaganda, lixeiras mal posicionadas, rampas de garagens etc.

Aliada a isso, a falta de limpeza, de mobiliário urbano atraente e, principalmente, de conectividade a uma rede urbana de movimentação pedonal são os maiores desafios para que exista aqui um planejamento urbano moderno e eficiente.

E como conseguir isso? Uma faixa livre nas calçadas, adequada para a caminhada, sem obstáculos, com pavimentação contínua, sem buracos ou desníveis, piso tátil de alerta, direção interligada em rede e áreas para descanso, são alguns dos aspectos mínimos que podem contribuir para a melhoria do espaço urbano.

Investimentos em infraestrutura urbana para melhorar as condições de caminhabilidade são urgentes para uma cidade dita inteligente”

Carlos Mendes Fontes Neto, engenheiro civil e mestre em Planejamento e Projeto Urbano

PEDESTRE NÃO É PRIORIZADO

“Os passeios para pedestres em Ponta Grossa são a última preocupação dos responsáveis pelo trânsito. Todas as intervenções que o poder público realiza nas vias se concentram nas faixas de circulação de veículos. Por esse motivo, as nossas calçadas são, no centro, muito estreitas – datam do tempo das carroças – e, nos bairros, sujas e abandonadas.

Além disso, não há, nos órgãos técnicos da Prefeitura, uma cultura de boas práticas em relação aos passeios, tratados como uma coisa unitária, concentrada na faixa de calçada, destinada ao tráfego de pedestres. Não há faixa de serviço nem faixa de acesso.

Do ponto de vista técnico, os pisos empregados são frequentemente derrapantes, e falta, em muitíssimas ruas, a faixa de acessibilidade para deficientes visuais, além de rampas para cadeirantes, que são verdadeiros desafios à geometria. Os meios fios são altos, apropriados para veículos de carga – inclusive as carroças do século XIX e começo do XX –, aumentando o comprimento das rampas.

Quanto à estética, esta cidade parece odiar o verde; desperdiça muitas oportunidades de paisagismo, que poderiam ser usadas para tornar a ‘selva de pedra’ um pouco mais humana.

O maior problema decorre de que os passeios são responsabilidade dos proprietários fronteiriços, e não do poder público, a quem cabe só cobrar respeito aos regulamentos. Somente quando a administração dos passeios for incorporada à manutenção das vias em geral é que se poderá falar em uma condição satisfatória”

Joel Larocca Junior, engenheiro civil, arquiteto e professor do Departamento de Engenharia Civil da UEPG

REALIDADES DISTINTAS

“A disposição de calçadas bem estruturadas e conservadas é muito importante no sentido de garantir a mobilidade da população. No entanto, devido ao crescimento da cidade nos últimos anos e as mudanças nos processos que envolvem a execução de obras de infraestrutura em diferentes épocas, temos realidades distintas nos bairros. Alguns já contam com passeios padronizados, enquanto outros têm elevações e declives que desfavorecem o deslocamento.

Hoje, todas as obras do município contam com a previsão da execução de obras de acessibilidade, incluindo calçadas, piso tátil e rampas já nos projetos, tudo para facilitar o trânsito de pedestres, permitir a inclusão dos cidadãos e garantir uma estrutura adequada.

Já no caso das calçadas em frente aos imóveis particulares, conforme a legislação vigente, elas são de responsabilidade dos proprietários e estão sujeitas a todas as variáveis das épocas em que foram construídas. Diante disso, a Prefeitura tem buscado fortalecer os processos que envolvem a identificação, fiscalização e orientação da população, assim como a tomada de medidas voltadas à garantia do cumprimento da lei pelos proprietários”

Luiz Henrique Honesko, secretário municipal de Infraestrutura e Planejamento de Ponta Grossa

AVANÇOU, MAS PRECISA MELHORAR

“Eu não me preocupo tanto com a estética. Eu preferia que as calçadas tivessem mais segurança e acessibilidade. A limpeza, pelo menos no Centro, é ótima. E algumas calçadas têm postes no meio da pista tátil, para a pessoa com deficiência visual.

Para nós, cadeirantes, o rebaixamento das calçadas é difícil. Principalmente na Balduíno Taques e na Vicente Machado, há algumas rampas que são extremamente perigosas. Não têm segurança e não estão 100% acessíveis. Precisamos de muito mais, com certeza; e esperamos que a população e o município venham a olhar com carinho para isso.

Não falo só por mim, que sou cadeirante, mas por outras pessoas que também têm mobilidade reduzida, como a pessoa idosa, a mãe com carrinho, uma mãe grávida; e também o deficiente visual, porque o piso tátil que eles colocam é muito precário e perigoso.

Positivamente, a nossa cidade está se preparando. A maioria dos locais têm rampas de acesso, as calçadas não são ‘aquela coisa’, mas já têm acessibilidade para que possamos andar. Mas também penso que todas as calçadas de Ponta Grossa não poderiam ser exigidas só do poder público. As pessoas que estão construindo casas, fazendo comércios, também poderiam pensar no acesso, porque, muitas vezes, nós, cadeirantes, não chegamos ao local devido à falta de acesso”

Maria Liliane Vieira de Souza, presidente da Associação dos Deficientes Físicos de Ponta Grossa (ADFPG)

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #295