Quarta-feira, 02 de Outubro de 2024

Enfoque D’P: APACD em novas mãos

2024-05-10 às 17:02
Foto: Rafael Guedes

Depois de pelo menos quatro anos no vermelho, a APACD vê uma luz no fim do túnel com a ajuda recebida de um grupo de empresários e de lideranças comunitárias que se articulou para sanar as dívidas que a instituição vinha acumulando

por Edilson Kernicki

Uma luz no fim do túnel se acendeu para que a Associação Ponta-grossense de Assistência à Criança com Deficiência (APACD) mantenha o atendimento. O advogado José Eli Salamacha, membro do Rotary Club Lagoa Dourada, articulou um grupo de empresários, profissionais liberais e rotarianos para ajudar a entidade a quitar débitos e buscar maior autonomia. “O pessoal realmente estava com muita dificuldade: salários atrasados, penhoras de veículos da instituição para dívidas trabalhistas, parcelamento de dívida na Prefeitura, no Estado e não estavam conseguindo pagar. Então, eles avaliaram, seriamente, a possibilidade de fechar a instituição”, explica Salamacha.

Foto: Enaira Schoemberger

Débitos se acumulavam desde 2019, quando a Controladoria-Geral do Município (CGM) descobriu irregularidades cometidas por uma ex-diretora, afastada da função por desvios de quase R$ 1 milhão. Essa antiga diretoria teria deixado de recolher regularmente o fundo de garantia, imposto de renda e INSS dos funcionários. A improbidade obrigou a instituição a devolver à Prefeitura, com juros, recursos recebidos via convênio. Somente em agosto de 2023, uma liminar concedida pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) permitiu que a Prefeitura, através da Fundação de Assistência Social (FAS), voltasse a assinar termo de contrato de colaboração com a APACD. Como entidade de utilidade pública estadual, a entidade também já celebrou convênios com o Estado, através da Secretaria Municipal de Educação (SEED).

Nova diretoria

A importância do trabalho desenvolvido pela APACD sensibilizou o grupo a contribuir para resgatar a saúde financeira da entidade, que atende a cerca de 130 assistidos a partir dos dois anos de idade. “Tão logo começamos a ter contato com a entidade, fomos surpreendidos com a renúncia do presidente, Bortolo Moro, que, por problemas de saúde, teve de se afastar”, explica Salamacha. Moro permaneceu quatro anos à frente da APACD, desde o afastamento da antiga diretoria. Em 15 dias, foi eleita uma nova diretoria, que permanece até o final de 2024: Tonimar Ribeiro Severiano (Toko) – presidente; Márcia Schasiepen – vice; Oscar Simão Souza Nasseh – 1º tesoureiro; Otto Cunha – 2º tesoureiro; Francielle Heise – 1ª secretária; e Jorcy Pires – 2º secretário. Como uma organização não-governamental (ONG) filantrópica, os cargos de diretoria e do conselho fiscal deliberativo e consultivo são voluntários e não remunerados.

“De forma organizada com a entidade, estamos buscando apoio de empresários e fazendo reuniões periódicas para buscar, neste momento crucial, recursos para resolver os problemas trabalhistas e pagar as dívidas que estão pendentes”, aponta Salamacha.

Foto: Enaira Schoemberger

A APACD já obteve certidões negativas que permitem receber recursos públicos, mas deve levar um ano ou dois para conseguir saldar o deficit, que pode chegar a R$ 2 milhões. “O nosso objetivo é dar um jeito de pagar essas dívidas, para que a entidade fique zerada delas, e, paralelamente, estamos buscando melhorias para a Oficina de Próteses, a fim de ampliar a sua atividade, assim como tentar avaliar outras fontes de receitas, para que a instituição seja autossuficiente. Claro, sempre vai depender do auxílio da comunidade, mas, quanto menos auxílio a gente depender, melhor”, observa.

“Estamos buscando apoio de empresários e fazendo reuniões periódicas para buscar recursos com o objetivo de resolver os problemas trabalhistas e pagar as dívidas”, José Eli Salamacha, advogado e articulador do grupo gestor da APACD

 

“O auxílio que temos prestado à entidade é fazer negociações dessas dívidas, parcelamentos, ir pagando, e, ao mesmo tempo, a comunidade tem ajudado também. Como lá são fornecidas refeições o dia todo, para os que lá frequentam, temos recebido muito auxílio também com doação de alimentos”, acrescenta Salamacha.

Comissão

Ainda conforme o advogado, o grupo gestor montou uma comissão, chamada de Banco de Projetos, para elaborar projetos específicos dentro da APACD, com o objetivo de ampliar a sua arrecadação e prestação de serviços. “Vários membros do grupo gestor fazem parte da diretoria. Como na diretoria são só oito cargos, os demais membros estão participando como grupo gestor coletivo, ajudando a diretoria. A diretoria, também junto a esse grupo gestor, não decide nada sem um alinhamento em conjunto”, detalha.

Foto: Enaira Schoemberger

Situação difícil

Na entidade, crianças, adolescentes e adultos com múltiplas deficiências, muitas delas com paralisia cerebral, recebem transporte, escolaridade, alimentação acompanhada por nutricionista, contraturno no Centro-Dia, fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia e atendimento médico de ortopedia e neurologia. A APACD convenciona chamar os assistidos de “crianças”, mas não deixa de ampará-los quando atingem a maioridade e estende a assistência enquanto a família depender dela.

Foto: Enaira Schoemberger

“A situação não é boa. Temos bastante dívidas, e a nossa ideia é fazer a população saber como está a APACD”, explica Toko. Uma auditoria também foi contratada a fim de apurar débitos, despesas e outras questões financeiras para nortear a nova gestão, que conseguiu regularizar as ações trabalhistas, com a quitação da última parcela em março deste ano. “Há um número razoável de pessoas ajudando, que vai pagar uma parcela por mês. Só que a nossa dívida não é mais de R$ 1 milhão, é muito mais”, comenta o presidente da APACD, sobre o grupo de benfeitores anônimos.

“A população tem de estar inteirada da situação da APACD para nos ajudar, nem que seja com um pouquinho, senão a situação ficará cada vez mais difícil”, Tonimar Ribeiro Severiano (Toko), presidente da APACD

 

O contabilista Amarildo Pramio, voluntário na APACD, observa que a pandemia reduziu a prestação de serviços na entidade e, consequentemente, houve rescisões de contratos. Porém, sem verbas para indenizar as rescisões, surgiram ações trabalhistas. Somado a isso, faltou dinheiro para pagar fornecedores. “Quando se tem essa dificuldade, acaba se estendendo para os convênios, que têm as verbas todas ‘carimbadas’, não se pode gastar diferente. Acabou atrapalhando um pouco ali também. Tem algumas situações difíceis também com a Prefeitura, que já estamos resolvendo. A Prefeitura está ajudando bastante nesse sentido”, afirma Pramio. “A população tem de estar inteirada da situação da APACD para nos ajudar, nem que seja com um pouquinho, senão a situação ficará cada vez mais difícil”, acrescenta Toko.

Resgate de credibilidade

Nesse período, uma equipe multidisciplinar, que já chegou a ter 62 profissionais, foi significativamente reduzida. Em outubro do ano passado, parte desses funcionários já tinha sido reposta. Os salários dependem de convênio, e a APACD solicitou aditivo ao convênio para poder ampliar esse quadro, aumentar a capacidade de atendimento e dar conta de uma fila de espera. O novo convênio, que tinha previsão de início em fevereiro, inclui a contratação da profissional de fonoaudiologia e de terapia ocupacional que faltavam na entidade. Enquanto não havia uma contratada, uma fonoaudióloga prestou atendimento voluntário, mas a APACD demanda um profissional fixo.

Foto: Enaira Schoemberger

Pramio e Toko destacam que há um esforço em sensibilizar a população para a importância da assistência prestada às cerca de 130 crianças atendidas, das quais 30 só conseguem se alimentar via sonda. As crianças são atendidas de segunda a sexta, das 7h30 às 19h30, com rotinas variadas de entrada e saída, conforme a necessidade individual. Além do atendimento social e educacional especializado, a APACD visa habilitar e reabilitar pessoas com deficiência físico-motora e incluí-las na vida comunitária. “Precisamos resgatar essa credibilidade e convidar a população para visitar a instituição, senão ficará cada vez mais difícil. Lógico que vem as verbas, só que precisa estar com tudo em dia para obtê-las”, afirma o presidente.

Melhorias e ampliações

Na estrutura, o objetivo é promover melhorias em um dos barracões para dar melhores condições aos assistidos nesse espaço. Havia a intenção de aproveitar o espaço como uma nova fonte de renda para a APACD, com aluguel para eventos aos finais de semana, por exemplo, ideia que, por ora, foi abolida. A ampliação do atendimento depende não apenas do aumento da estrutura física do prédio, mas da contratação de mais profissionais. “O problema é que ou o profissional está no convênio ou temos de ter recurso próprio para bancar, que é a grande dificuldade”, diz Pramio. Há um projeto em andamento para a ampliação do barracão, com reforma e melhorias na cozinha.

Oficina Ortopédica

A APACD é a única instituição da região dos Campos Gerais, em um raio de 40 municípios, a ter uma fábrica que produz próteses. “Se fechasse, seria mais um problema para atendimento. Diante disso, o clube se motivou, através de seus companheiros, a auxiliar a entidade”, destaca Salamacha. A Oficina Ortopédica provê órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção.

Foto: Enaira Schoemberger

Até outubro de 2023, sem produção, o estoque estava praticamente zerado. A produção foi retomada e já voltou a atender tanto a convênios quanto a particulares, para novas solicitações. Aos poucos, a APACD negocia e quita pendências financeiras com fornecedores e ajusta as entregas que estavam pendentes.

“Temos recebido apoio da Prefeitura, da UEPG [Universidade Estadual de Ponta Grossa], de deputados federais e estaduais da nossa região e dos nossos vereadores, que estão muito sensibilizados com a situação da APACD. Graças a esse esforço coletivo, temos certeza de que vamos conseguir pagar essas dívidas, recuperar a instituição e fazer todas as reformas de que o prédio precisa e também a melhoria na estrutura de atendimento para aquelas crianças que dependem da instituição”, finaliza Salamacha.

Recursos e ajuda

Entre os políticos com emendas indicadas para a APACD, incluem-se o senador Flávio Arns, os deputados federais Gleisi Hoffmann, Aliel Machado e Beto Richa, e os vereadores Julio Kuller e Paulo Balansin. As emendas, com aplicação direcionada, são contribuições pontuais.

“A APACD nunca vai deixar de depender do apoio da população, como em todas as entidades”, Amarildo Pramio, contabilista da APACD

 

Além do que é coberto pelos convênios, a APACD demanda arrecadar cerca de R$ 100 mil mensais para alcançar a sonhada autossuficiência, isto é, dar conta das despesas e ter sobra em caixa para bancar eventuais necessidades extras. “Boa parte disso queremos ver se sai da Oficina e uma outra parte de atendimento SUS, que prestamos aqui. Mas, mesmo assim, a APACD nunca vai deixar de depender do apoio da população, como em todas as entidades”, conclui Pramio, reforçando que a prioridade atual é sanar as dívidas anteriores e, a partir daí, manter o fluxo de caixa para as despesas mensais.

Foto: Enaira Schoemberger

Políticos que já conquistaram recursos para a APACD:

Flávio Arns (senador)
Gleisi Hoffmann (deputada federal)
Aliel Machado (deputado federal)
Beto Richa (deputado federal)
Julio Kuller (vereador)
Paulo Balansin (vereador)

Ajude

Toda contribuição à APACD pode ser feita pelo PIX (e-mail): [email protected].

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #300