Domingo, 05 de Maio de 2024

Enfoque D’P: Devagar quase parando

2023-04-30 às 12:34
Foto: Verônica Silva

Contando atualmente com 239.361 veículos motorizados registrados e vias que chegam a receber mais de 50 mil veículos por dia, Ponta Grossa enfrenta um trânsito que em diversas regiões da cidade tira qualquer motorista do sério. O que fazer para mudar esse cenário?

Por Vitor Carvalho

Se você mora em Ponta Grossa e transita de carro pela cidade – seja com automóvel próprio ou em viagens solicitadas através de aplicativos –, certamente já teve, em algum momento, a experiência de levar mais tempo do que deveria para chegar a um determinado lugar. Em horários de pico, como início do dia, almoço e fim de tarde, já virou praticamente uma regra: quem precisa passar pelas principais ruas e avenidas da cidade vai ficar parado.

Será que existe solução para desafogar o trânsito local? Atualmente, de acordo com a Secretaria Nacional de Trânsito, em dados repassados pela Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, a cidade conta com 239.361 veículos motorizados registrados – uma média de pouco mais de um veículo para cada dois habitantes, considerando a população total da cidade (391.654 habitantes, segundo prévia do Censo de 2022). Somente nas avenidas de maior fluxo, como Balduíno Taques e Dr. Vicente Machado, são quase 50 mil veículos transitando por dia.

A maior concentração de veículos ocorre, como seria de se esperar, no Centro ou em vias que ligam os bairros mais populosos às áreas centrais. Segundo informações do Departamento de Engenharia de Tráfego da Prefeitura, os bairros que registram maior fluxo de veículos são Nova Rússia, Oficinas, Uvaranas e Centro.

Alargamento de vias com ampliação de faixas, mudanças de sentido e implementação de binários foram algumas das medidas de curto prazo adotadas nos últimos tempos para melhorar o trânsito na cidade. No entanto, para pesquisadores da área, é o planejamento urbano que precisa sofrer transformações drásticas para que as medidas atuais não sirvam apenas para “enxugar gelo”.

Não bastasse o obstáculo representado pelo grande número de veículos, a forma como a cidade se desenvolveu ao longo do tempo e a sua geografia acrescentam mais desafios para a questão da trafegabilidade. A somatória de todos esses fatores não é lá muito animadora. Aos poucos, Ponta Grossa se transforma cada vez mais em uma cidade para veículos e fica cada vez menos acessível para as pessoas.

A visão do motorista

Pedro Henrique de Mesquita é motorista de aplicativos como Uber e 99 há três anos. Ele afirma que acompanha de perto o aumento de automóveis nas ruas e as iniciativas do Poder Público para melhorar a mobilidade urbana da cidade. Tendo o transporte de passageiros de um ponto a outro como a sua principal atividade, Mesquita enfrenta diariamente os períodos de maior fluxo de veículos e demanda de passageiros.

“Para atravessar o Centro a partir das 17h, que é o pior horário para mim, eu levo, pelo menos, 30 minutos”

Pedro Henrique de Mesquita, motorista de aplicativo

 

Ele conta que costuma ligar o carro e ficar on-line nos aplicativos já às 6h. É o primeiro período do dia, em que as pessoas começam a sair para trabalhar, os viajantes chegam à rodoviária e as trocas de turnos nas grandes indústrias acontecem. Apesar dos eventuais desafios do trânsito, os horários de pico são mais vantajosos para ele do ponto de vista financeiro, pois concentram um maior número de passageiros e, por conta disso, o valor da tarifa se eleva, proporcionando maior ganho a cada corrida.

A primeira “jornada” de Mesquita segue até as 9h. Nessas situações de maior fluxo de veículos, ele evita aceitar passageiros que vão desembarcar ou entrar em locais como a Rua do Rosário e as avenidas Balduíno Taques e Dr. Vicente Machado. Até mesmo o Palladium Shopping Center – o principal desse tipo na cidade até o momento –, localizado no Centro, é motivo de preocupação para o motorista, por ser uma região onde é mais difícil parar e há mais possibilidades de acidentes e danos ao veículo.

Ponta Grossa conta atualmente com 239.361 veículos motorizados registrados, uma média de pouco mais de um veículo para cada dois habitantes, considerando a população total da cidade (391.654 habitantes, segundo prévia do Censo de 2022) (Foto: Verônica Silva)

Se as primeiras faixas do horário de pico já exigem cautela, a situação fica muito mais difícil a partir das 17h, aponta ele. “Para atravessar o Centro a partir das 17h, que é o pior horário para mim, eu levo, pelo menos, 30 minutos, porque nesse horário ocorre a saída simultânea dos alunos em todas as escolas, travando as ruas”, explica.

Cuidado: área escolar

O engenheiro civil e professor do departamento de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Joel Larocca, também aponta a saída de alunos como um dos maiores entraves do trânsito. Ele observa que as principais vias da cidade contam com colégios estaduais, com fluxo de alunos em vários horários.

Como exemplo, podem ser citados os colégios Regente Feijó (Rua do Rosário, no Centro), General Osório (Avenida Carlos Cavalcanti, no bairro de Uvaranas) e Professor Colares (Avenida Visconde de Mauá, no bairro de Oficinas, paralela ao Estádio Germano Krüger, que dependendo do dia também causa grande concentração de veículos e pedestres).

Regiões que abrigam grandes colégios estaduais são as que mais “entopem” as artérias urbanas da cidade, apontam motoristas e pesquisadores. Cidades como Curitiba já mudaram a localização dos colégios (Foto: Verônica Silva)

No fim da tarde, bem no momento de pico, quando a maioria das pessoas sai do trabalho, ao menos uma faixa dessas principais avenidas fica “anulada” por conta da saída dos alunos. Como forma de resolver ao menos esse problema, Larocca cita o exemplo de Curitiba, onde boa parte dos principais colégios se mudou para os bairros. “Isso acabou retirando o problema das ruas centrais”, aponta.

As causas do problema

Na visão do pesquisador, há duas causas relacionadas ao grande número de veículos em circulação na cidade. A primeira diz respeito ao automóvel como principal meio de locomoção das famílias em virtude do aumento da renda média da população. A segunda causa, talvez a mais grave, é, nas palavras de Larocca, “a quase falência do sistema de transporte coletivo, que poderia transportar muitíssimo mais pessoas”.

O engenheiro civil destaca que o trânsito problemático de Ponta Grossa é similar ao que ocorre em muitas cidades da Europa. “Ponta Grossa é uma cidade antiga, de 200 anos, com um Centro cujas ruas foram pensadas para o tráfego de cavalos e, eventualmente, de carroças. Basta comparar com qualquer cidade da Europa, onde também há antiguidade e os problemas são os mesmos – com exceção de Paris, que recebeu as obras faraônicas do Barão von Haussmann. A solução, em todas as cidades europeias, passou pelo transporte coletivo, que, aliás, é gratuito em muitos locais”, detalha.

E, ao que tudo indica, o desafogamento do trânsito na cidade passa mesmo pelas soluções aventadas ao longo desta matéria, já que, conforme o diretor do Departamento de Engenharia de Tráfego da Prefeitura de Ponta Grossa, Juarez Alves, a região central está, de certo modo, “truncada”. “A configuração atual da malha viária na região central não permite grandes intervenções”, aponta, ressaltando que o grande fluxo de veículos em horários de pico é, de fato, a principal causa dos congestionamentos.

Soluções de curto prazo

Para garantir melhor fluidez ao trânsito, Alves afirma que há estudos sendo desenvolvidos e aplicados pelo município. Segundo o responsável pelo tráfego da cidade, houve ampliação no número de faixas de rolamento, mudança no sentido de fluxo, implantação de binários e novas ligações interbairros, criando rotas alternativas.

Dentre os esforços para desafogar o trânsito, Alves também cita as integrações entre bairros, com o objetivo de fugir das principais vias, como as ligações entre Jardim Gralha Azul e Chácara Santa Tereza, e, mais recentemente, o direcionamento do fluxo entre os bairros Boa Vista e Órfãs através da Avenida Anita Garibaldi.

Essas mudanças pontuais, no entanto, são soluções de curto prazo que logo se tornarão insuficientes, opina Larocca. O pesquisador diz que tirar os estacionamentos nas vias de maior tráfego, liberando uma ou duas faixas para o fluxo do trânsito, também “é um problema que voltará mais adiante”.

Na opinião do especialista, para desatar o nó do trânsito, só havendo um planejamento urbano integrado, de modo que os polos geradores de tráfego sejam estudados e cada acesso mereça atenção especial.

Mais pedestres e menos veículos

Larocca menciona que uma “pedestralização” do Centro também poderia se mostrar uma solução adequada para aliviar o tráfego na região central. “Algumas cidades importantes da Europa reduziram ou aboliram completamente o trânsito de automóveis em determinadas vias centrais. A alternativa já foi estudada, mas dependeria também de um planejamento urbano integrado”, explica.

Para o engenheiro civil e professor universitário Joel Larocca, o Centro de Ponta Grossa precisa passar por um processo de “pedestralização”, priorizando mais os pedestres e menos os automóveis (Foto: Gabriel Ramos de Lima)

O pesquisador também opina que deveria começar a ser analisada a criação de um conjunto de estacionamentos em regiões estratégicas do Centro. “Como o comércio da região central já está focado em compras de pequeno porte, na escala das pessoas e não dos veículos, deveria começar a ser estudado um conjunto de estacionamentos na primeira periferia do Centro, provavelmente subterrâneos, para aproveitar a topografia acidentada da cidade. Desse modo, parte do Centro poderia ser inteiramente convertida em ruas de pedestres, com talvez apenas uma faixa destinada a veículos de emergência e acesso de pessoas com deficiência”, conclui.

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #294 Março/Abril de 2023