Ponta Grossa completou 201 anos e você ainda não conhece as datas mais importantes da cidade? Três profundos conhecedores da história local listam os 15 momentos que todo ponta-grossense deveria conhecer
por Edilson Kernicki
Dos campos que serviam de pouso para os tropeiros até o panorama urbano cada vez mais preenchido de arranha-céus, muitos ciclos econômicos e sociais se sucederam e ditaram a transformação da paisagem de Ponta Grossa, um dos núcleos urbanos mais importantes do estado, que recebeu influências culturais e arquitetônicas das variadas etnias que imigraram para a cidade. A seguir, três especialistas – a historiadora Aida Mansani Lavalle, o juiz aposentado e escritor Josué Corrêa Fernandes e o professor universitário Jefferson Mainardes – enumeram e comentam os 15 episódios que definiram transformações cruciais no decorrer da história ponta-grossense.
Diogo da Costa Rosa partiu de Paranaguá e foi o primeiro a desbravar e se instalar na exata região onde brotaria Ponta Grossa. Nessa área fez cultivos e criou gado até que, em 8 de novembro de 1721, requereu às autoridades coloniais carta de sesmaria “onde fazia barra o rio Verde no rio Pitangui, com légua e meia de testada correndo ao rumo do noroeste rio abaixo do Pitangui até o rio de Tibagi, que poderiam ser duas léguas pouco mais ou menos”.
Os padres jesuítas Christóvão e Estêvão, irmãos de Diogo, também peticionaram a emissão de sesmarias, cujas áreas, no futuro, integrariam o patrimônio dele e abarcariam milhares de hectares, cita o juiz aposentado e escritor Josué Corrêa Fernandes, autor de uma série de obras sobre a história princesina. “Essas áreas deram origem a quase todo o município de Ponta Grossa, principalmente no que concerne ao perímetro urbano”, aponta.
Os sucessores de Diogo, em especial o seu genro Domingos Martins Fraga, casado com Isabel Costa Rosa, mantiveram esses imóveis sob a denominação de Estância de Santa Fé, que, durante o século 18 e o começo do 19, fragmentaram-se em dezenas de glebas menores, atraindo novos moradores e possibilitando a criação da freguesia e do desenvolvimento local.
Em 15 de setembro de 1823, após o Governo Imperial receber uma comissão de fazendeiros da região dos Campos Gerais, que teve entre os seus líderes Miguel da Rocha Carvalhaes, com reivindicações para benefício de populações rurais numerosas, Dom Pedro I, por meio do Decreto nº 15, criou a Freguesia de Ponta Grossa. O ato imperial dava início à separação entre uma região bastante povoada e Castro – da qual Ponta Grossa era um povoado. “Foi o primeiro ato tirando da autoridade castrense o então bairro de Ponta Grossa e delineando o futuro da cidade”, explica a professora e historiadora Aida Mansani Lavalle.
O decreto imperial que elevou a localidade de povoado a freguesia é interpretado como o ato de fundação da cidade. A ordem imperial determinou o desmembramento do povoado da vila de Castro, originando a Freguesia de Sant’Ana de Ponta Grossa, com a construção de uma capela em homenagem à padroeira e a nomeação de um juiz de paz, encarregado dos registros de nascimento e da celebração de casamentos civis.
Já sob o governo imperial de Dom Pedro II, em 1855, a Freguesia de Ponta Grossa foi elevada a Vila. “Qual a diferença, politicamente considerando? Ora, partindo da explicação que o termo ‘freguesia’ foi criado para designar, pela Igreja, uma pequena parte de população para cobrança de dízimos, neste caso não tínhamos direito de estabelecer um governo direto. Continuação do poder de Castro, os pesquisadores sabem que os nossos documentos emitidos por volta de 1800 – e até antes – continuam nos arquivos daquela cidade”, observa Aida. “Vila já está em caminho de cidade. A população denota crescimento, mas ainda não possui governo próprio. Algumas questões legais ou administrativas poderiam ser atentadas, mas continuava o atrelamento a Castro”, acrescenta.
A Lei nº 82, de 24 de março de 1862, marca a passagem da condição de vila para cidade. Segundo Aida, a data foi um momento inicial do grande crescimento econômico e populacional do interior da Província do Paraná. “Ao ascender ao status de cidade, Ponta Grossa assistia aos passos finais do grande movimento do tropeirismo no sul do Brasil. Uma força se erguia, lenta, mas crescente: a economia da erva mate e a extração de madeira, coincidindo com a chegada de levas de imigrantes que se instalaram em colônias nas terras do município no quartel final do século 19. Tudo isso combinado para tornar Ponta Grossa, às vésperas da queda do Império e instalação da República, na cidade mais importante de nosso estado”, detalha a historiadora.
Nesse período, indústrias de erva mate se fixaram na cidade e recebiam a erva cancheada do interior. Também foram instaladas serrarias, para transformar toras de pinheiro e imbuia em tábuas, madeira para mobiliário e para a construção de casas.
Após a criação da freguesia e do município, um dos mais importantes fatos foi a visita do imperador Dom Pedro II, da imperatriz D. Thereza Cristina e de sua comitiva a Ponta Grossa, em maio de 1880. Cerca de 500 cavaleiros os recepcionaram no dia 25 e lhes fizeram guarda de honra até a residência de Domingos Ferreira Pinto (futuro Barão de Guaraúna), no Largo da Matriz, onde se hospedaram e receberam as autoridades locais, lideradas por Augusto Ribas, ao som de banda de música e foguetes, e da presença maciça do povo.
Na manhã seguinte, partiram em inspeção aos núcleos Uvaranas, Taquari e Tavares Bastos. À noite, o monarca recebeu pessoas que desejavam cumprimentá-lo. “Em sua volta de Castro, o soberano permaneceu na cidade para visitar a Câmara, o mercado, o matadouro, a biblioteca e as escolas para meninos e meninas, e também para a entrega de cartas de alforria a escravos de seu anfitrião. Fez doações aos pobres, à Igreja, à sociedade de teatro e para a construção de uma escola. Governante íntegro, democrático, educado desde criança para governar, a sua presença por dois dias e duas noites atestou o nível de importância que Ponta Grossa já assumia”, descreve Fernandes.
Os imigrantes alemães-russos, ou “alemães do Volga”, chegaram em vários grupos entre 1878 e 1879 e foram assentados em imóveis adquiridos sob ordem de Dom Pedro II nas localidades de Moema, Taquari, D. Gertrudes, Pelado, Guaraúna, Botuquara e Tavares Bastos. “Sobrenomes de relevo semearam a sua descendência em Ponta Grossa, onde fundaram clubes, exerceram o comércio e a indústria, e influíram na cultura e na imprensa: Hollzmann, Justus, Hilgenberg, Schwab, Schneider, Schamber, entre outros”, destaca Fernandes.
Também na Colônia Moema, em 1878, 84 imigrantes marcaram o início da colonização polonesa, que se expandiu no quadro urbano do município e é simbolizada, até hoje, pela Igreja dos Polacos, na praça Barão de Guaraúna. De 1880 a 1890, chegaram os italianos, alguns egressos da colônia anarquista Cecília, em Palmeira. Em menor número, já no século 20, vieram os sírio-libaneses, ucranianos e russos da Colônia Santa Cruz. “À fibra e ao trabalho dos povoadores portugueses e de seus milhares de descendentes, ajuntaram-se essas etnias que fazem parte da história econômico-cultural da cidade”, sublinha o escritor.
Até 1912, havia em Ponta Grossa diversas escolas particulares e professores remunerados pelo poder público, que trabalhavam em casas escolares, geralmente alugadas, que eram chamadas de escolas isoladas, explica o doutor em Educação Jefferson Mainardes, professor do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Em 1912, foi criado o Grupo Escolar nº 2, a primeira escola pública do município, que mais tarde seria denominado Grupo Escolar Senador Correia, atual Colégio Estadual Senador Correia.
“A criação da primeira escola pública, em 1912, ampliou o acesso da população à escolarização e deu início à história da educação pública em Ponta Grossa. Outro fator de destaque foi a criação da Escola Normal de Ponta Grossa, em 1924, que permitiu a formação de professores, em um contexto no qual a maioria era leiga, sem formação específica”, observa Mainardes.
Conforme Aida, prefeitos que exerceram os seus mandatos até 1946 se empenharam no que faltava na construção da cidade, em um período que havia mais problemas que soluções. “Coisas importantes foram alcançadas, sem muita sincronia, mas em 1930 já éramos uma bela cidade. Pequena, mas tinha uma bela Catedral, a Prefeitura possuía uma sede urbana bonita, praças, ruas calçadas, escolas, até uma fonte luminosa”, descreve.
No Governo Provisório (1930-1934) da Era Vargas, o presidente Getúlio Vargas nomeou o fazendeiro Manoel Ribas como interventor do Estado do Paraná. “Ribas trouxe para a Prefeitura de Ponta Grossa o senhor Albary Guimarães, que abriu ruas em direção dos bairros, e trouxe muitas melhorias urbanas”, ressalta.
Filho de Augusto Ribas e Pureza Ribas, Manoel Ribas nasceu em Ponta Grossa em 8 de fevereiro de 1873 e se mudou para o Rio Grande do Sul, onde trabalhou na estrada de ferro da Brazil Railway Company. Dirigiu a Cooperativa de Ferroviários e foi eleito prefeito de Santa Maria (RS). Getúlio Vargas o convocou para assumir a Interventoria Federal do Paraná – cargo hoje equivalente ao de governador – em 30 de janeiro de 1932, mandato que exerceu até o fim de 1945.
“Simples, íntegro, severo, bom administrador, Manoel Ribas saneou as finanças estaduais, recuperou extensas áreas do estado que estavam em mãos de grileiros, modernizou o Porto de Paranaguá, trouxe as indústrias Klabin, abriu a Rodovia do Cerne com 700 quilômetros, integrando a região norte ao resto do estado e melhorou a pecuária, com a importação de reprodutores. Na agricultura, construiu escolas rurais e distribuiu sementes selecionadas. Deu ênfase à educação, construindo escolas. Em Ponta Grossa, fez erigir as escolas Júlio Teodorico, Dr. Colares, General Osório, Escola de Trabalhadores Rurais Augusto Ribas, além da criação da Exposição Estadual de Animais e Produtos Derivados”, menciona Fernandes. Manoel Ribas morreu em 28 de janeiro de 1946 e foi sepultado no Cemitério Municipal São José.
Nos anos 1940, Ponta Grossa vivia uma efervescência cultural, e a criação de cursos superiores se tornou uma necessidade. A criação da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Ponta Grossa, em 1949, tornou-se um marco na interiorização do ensino superior no Paraná.
“A criação da faculdade, no governo Moisés Lupion, foi resultado do esforço de várias lideranças da época, especialmente de Lourival Santos Lima, Mário Lima Santos, José Pinto Rosas, Valdevino Lopes e Faris Michaele, que integraram uma comissão para a criação da faculdade. A criação das faculdades, posteriormente reunidas, formaram a Universidade Estadual de Ponta Grossa, em 1969. É difícil imaginar o que seria da cidade de Ponta Grossa e dos Campos Gerais sem a UEPG, visto que alterou o cenário cultural, político e econômico de Ponta Grossa e região”, opina Mainardes.
Várias mulheres se destacaram na literatura ponta-grossense, como Anita Philipovsky, Eleonora Amaral de Angelis, Maria Eulina Santos Schena, Amalia Max, entre outras. Emília Dantas Ribas nasceu em Ponta Grossa em 1907 e foi professora na Escola de Aplicação e no Grupo Escolar Senador Correia. Já na década de 1930, publicou crônicas e poemas em jornais. Em 1949, publicou o romance “A Primavera Voltará”, considerado o primeiro romance de autoria feminina dos Campos Gerais a ser publicado.
O pioneirismo de Emília também se estende ao fato de ter sido a primeira mulher diretora da Escola Normal de Ponta Grossa, criada em 1924. “A publicação desse romance foi importante, pois abriu espaço para que a literatura produzida por mulheres fosse reconhecida e valorizada. Em virtude da importância desse feito, o livro foi reeditado em 2022 pela editora UEPG, no contexto das comemorações dos 200 anos da cidade de Ponta Grossa”, explica Mainardes.
Ainda que, desde a sua gênese, Ponta Grossa demonstrasse vocação para ser um polo industrial, o fornecimento deficitário de energia elétrica pela Cia. Prada, que prestou o serviço por 45 anos, impedia a vinda de indústrias de porte. “Nesse meio século, homens públicos lutaram arduamente para anular a concessão feita à tal empresa, sem conseguir resultados”, aponta Fernandes.
A encampação da Prada pela Copel ocorreu somente na gestão do ex-prefeito Cyro Martins (1969-1973), permitindo executar um amplo projeto de industrialização que situou Ponta Grossa entre os maiores centros industriais do país. Foi Martins quem concebeu o Plano de Desenvolvimento Industrial (PLADEI), que trouxe novo alento ao município. A aquisição de 242 hectares da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) resultou na criação do Distrito Industrial, que atraiu importantes empresas do Brasil e exterior.
“Graças à visão administrativa desse prefeito e de outros que o sucederam, o Distrito Industrial, que hoje leva o seu nome, continua a ser o ancoradouro de grandes empresas que abrem muitas vagas de trabalho e aceleram o desenvolvimento econômico de Ponta Grossa”, acrescenta.
Vários estudos sobre a Catedral antiga precederam a sua demolição, concluída em 26 de junho de 1978. “Em 1977, o Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico considerou que a construção era sólida, mas que não possuía excepcional valor artístico que justificasse o seu tombamento, de acordo com uma lei de 1953. A demolição da antiga Catedral causou revolta em uma parcela da população e alguma rejeição à modernidade do novo templo”, detalha Mainardes.
O planejamento era de que a nova catedral fosse finalizada em seis anos. Em 1990, somente a estrutura de alvenaria estava de pé. Depois, foi adicionada a cúpula metálica e, em 1995, uma campanha nas paróquias custeou os vitrais. Desde meados dos anos 1990, já eram celebradas as missas na nova catedral, que só teve as obras oficialmente concluídas em 23 de julho de 2009, em uma Celebração Eucarística Solene da Bênção e Dedicação da Nova Igreja Catedral.
Após muitas negociações, em 1990 foram retirados do Centro de Ponta Grossa os trilhos da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), em um espaço que mais tarde abrigaria o Terminal Central, a avenida Dom Geraldo Pellanda, o Parque Ambiental Manoel Ribas e, em Oficinas, o Parque Linear. A remoção dos trilhos transformou o urbanismo de Ponta Grossa e trouxe melhorias ao trânsito, que enfrentava transtornos ocasionados pelas manobras dos trens em vários trechos, notadamente nas ruas Benjamin Constant e Padre Lux.
“A retirada dos trilhos trouxe também desafios: a preservação dos prédios Estação Paraná, o barracão [Estação Arte], a Estação Saudade e a Maria Fumaça. Na verdade, todo o entorno deveria ser preservado. É uma região bonita da cidade e que possui uma importância história, pois no passado a ‘estrada de ferro’ foi muito importante para o desenvolvimento local”, avalia Mainardes.
Ainda que haja críticas severas contra a derrubada de belos exemplos da arquitetura original dos fins do século 19 e “a insidiosa troca de uma linda Catedral por uma construção sem muito significado”, na visão de Aida, ao completar 200 anos, a Princesa dos Campos se apresenta como uma verdadeira cidade, que soube crescer bela. “Temos assistência de saúde, hospitais, postos de atendimento, uma Santa Casa, atendimento infantil, Siate, SAMU, médicos e até um curso de Medicina”, destaca.
A professora salienta o desenvolvimento industrial oportunizado a partir do planejamento de Ciro Martins e mantido pelos prefeitos que o sucederam. Enaltece também a pujança da cultura local, que cresce com medidas oficiais e particulares: escolas de arte, escolas de música, bandas, conservatório, museus. E exalta as belezas naturais, como Vila Velha e outras atrações turísticas, e a expansão das praças, em número e tamanho.
Estudiosos da história ponta-grossense que contribuíram nesta reportagem