Em entrevista ao programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba), nesta sexta-feira (21), o doutor em educação Nei Alberto Salles Filho falou sobre a violência nas escolas, as possíveis causas e soluções que podem ser aplicadas. Salles conta que toda a questão é multifacetada. “Não podemos ter respostas simples para problemas complexos. É importante entender que a violência tem vários fatores. Os estudos de características de atentado têm um marco muito forte a partir do ano de 1999, que foi o ataque em uma escola em Columbine, nos Estados Unidos. Historicamente, principalmente nos Estados Unidos, nos anos 1960 até os anos 2000, 80% praticamente dos atentados eram por conta de bullying. Alguém sofreu uma violência e ia fazer uma vingança na escola”, afirma.
Se tratando do território nacional, o educador enumera que de 2002 a 2022 foram registrados 20 ataques às escolas. “Esses atentados aconteceram mais espaçadamente, eventualmente com efeito contágio, quando a mídia mostra e acontece mais próximo, mas só no segundo semestre de 2022 foram sete desses vinte”, pontua. Salles afirma que inicialmente o bullying era um motivador, mas a partir da segunda década do século XXI há mudanças no cenário com a inserção de fatores como internet, juventude, discurso de ódio e misoginia. “Os jovens vão encontrando na internet, especialmente nos jogos online, grupos que se xingam muito, com muito preconceito. A gente não pode falar que isso é ‘mi mi mi’. A gente ouve as pessoas falando ‘no meu tempo era assim e eu nunca fiz nada’, mas essa é a exceção”. diz.
Muito além do bullying
Para o educador, os jovens que cometem atentados possuem algumas características de perfil: são homens, de 10 a 25 anos, brancos, com presença nas redes sociais e histórico de sofrimento ou presenciar violência doméstica em casa e ouve discurso de ódio. “São várias coisas nesse combo e que vai gerando aquilo que a gente diz que é um caldo violento. Com a internet, eles vão ao submundo dos jogos, onde grupos radicais acolhem esse adolescente, que não é ouvido na família e em outros espaços da sociedade e se sente inferiorizado, passando a ter uma sensação de pertencimento nesses grupos de ódio”, afirma.
Integrante do Núcleo de Educação para Paz nas Escolas da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Salles acredita que ações de curto, médio e longo prazo devem ser tomadas para a reversão do cenário atual. “Em curto prazo, as ações já estão acontecendo. O Ministério da Justiça tem falado. As polícias unidas está acontecendo. A escola é espaço social. Nos Estados Unidos, em 2021, foram investidos três bilhões de dólares nas escolas em mais detectores de metais e segurança armada. Em 2022, foi o ano onde teve mais atentados nas escolas”, detalha. Sobre as ações de médio e longo prazo, o educador defende os projetos de cultura de paz, que já estão presentes em algumas escolas de Ponta Grossa. “A gente tem parceria com a Secretaria de Educação em um projeto chamado Formação Humana, que atua junto com o ensino religioso de forma laica para ensinar valores humanos e refletir sobre a vida”, conta, complementando em seguida que as escolas buscam educar os alunos bem para a convivência, mas que as instituições e os professores não fazem esse trabalho sozinhos.
Família e professores
“Os filhos ficam solitários, não tem diálogo. Não é só dizer ‘filho, não faça isso’ ou ‘vá lá e reze’. É necessário acompanhamento diário da família, de quem estiver próximo. Não é a família perfeita, é a possível”, afirma Salles sobre a importância dos parentes. Ele destaca ainda que a “família não pode ser inimiga da escola”. “Eles (escola e família) precisam trabalhar juntos, podem dar suas opiniões, mas sempre propondo o que pode ser feito”, afirma.
Sobre os profissionais da educação, Salles ressalta que os professores também estão na linha de frente quando se fala em ataques em escolas. “A gente precisa entender que os professores também estão muito sensíveis nesse momento. O que a gente tem feito é discutir o que pode ser pensado na educação no viés da não-violência. Se fala em paz e as pessoas falam que é utopia e não é isso. É entender a relação da violência com a não-violência e o papel dos conflitos”, afirma.
“Os professores têm se desdobrado na educação porque os alunos , na média, estão envolvidos com TikTok, internet, e a escola parece uma coisa chata, mas os professores têm feito muita coisa para tentar segurar a questão de esperança, mas isso precisa reverberar na família também. Não é só o pai ficar olhando o celular ou a mochila do filho. Tem que sentar, olhar no olho, trocar ideia, bater papo sobre a vida, falar do futuro. O mundo está cheio de possibilidades e os jovens ficam perdidos”, complementa.
As três dimensões da violência
O educador aponta que existem três dimensões da violência: a direta (o ato em si), estrutural (referente ao país e políticas públicas) e a cultural (padrões que são reproduzidos). “No Brasil você tem uma violência cultural com padrões machistas. As pessoas não gostam que falem isso, principalmente nós homens, mas a violência tem gênero. Todos que cometeram esses crimes são homens. Essa coisa da truculência, que tudo se resolve no grito, no braço, isso é cultural. Racismo, xenofobia, comunidade LGBT, quando se começa a trabalhar em discurso de ódio, que para nós às vezes são piadinhas, você está trabalhando com violência cultural. A estrutural é o caldo da desigualdade social, da miséria, da falta de comida e isso também gera um ambiente ruim no país, que é a desesperança com o futuro, muito presente nos jovens”, afirma. “O que a gente pode fazer de maneira muito urgente é fazer essas crianças e adolescentes acreditarem que eles podem ter um futuro legal, trabalhando, estudando. Na falta de alguém falar isso, eles vão para as redes sociais”, complementa.
“Nunca deixem de investir, de olhar nos olhos, de ouvir seus filhos, independente da idade. A gente acha que o filho já está no sexto ano e não precisa, mas precisa sim. Na falta dessas referências próximas da família, ele vai buscar outras”, afirma o educador. “A sociedade está em movimento. As pessoas precisam entender que a gente está em 2023, século XXI, e tem formas de conviver que não podem mais serem aceitas”, pontua Salles.
Confira a entrevista na íntegra abaixo: