REVISTA—O desempenho sexual e suas falhas exercem uma influência bastante significativa à autoestima masculina e, há 27 anos, a indústria farmacêutica lançou o primeiro medicamento oral para tratar a disfunção erétil: o Viagra (sildenafila). Logo apelidado de “azulzinho”, o comprimido em forma de losango da Pfizer foi descoberto por acidente: o laboratório estudava a aplicação da sildenafila para o tratamento de angina – a dor no peito pela falta de oxigênio no músculo cardíaco.
E qual seria a razão do sucesso desse medicamento? A Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), em uma pesquisa com 1,5 mil homens acima de 40 anos, divulgada no ano passado, revela que 52% dos homens consultados admitiu já ter falhado na hora H. O número foi maior entre aqueles com 55 a 59 anos – 63% disseram já ter sofrido com a incapacidade para obter ou manter uma ereção. No entanto, o presidente da SBU, Luiz Otávio Torres, observa que a falha ocasional pode ocorrer com qualquer homem, por ser de fundo psicológico. A disfunção erétil, porém, ocorre quando o indivíduo não consegue ter ou manter a ereção com frequência, a ponto de prejudicar sua vida sexual.
O uso do tadalafila para melhorar o desempenho na prática da musculação “é um conceito extremamente equivocado e perigoso”, segundo o médico urologista Bruno Fontoura m
De 2023 para cá, um “parente” do Viagra começou se popularizar cada vez mais entre homens com problemas de ereção, praticantes de musculação e jovens: o Cialis (cujo genérico é conhecido como tadalafila, aliás, a sua nomenclatura mais famosa). No primeiro semestre daquele ano, mais de 31 milhões de caixas do remédio foram vendidos no Brasil, conforme os dados mais recentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Conhecido como “novo azulzinho”, o tadalafila chegou para ficar.
O tadalafila, segundo o cardiologista Marcelo Freitas, que atende em Ponta Grossa, foi desenvolvido para tratar a disfunção erétil de causa orgânica e atua através da inibição de uma enzima responsável pela constrição vascular, promovendo assim a vasodilatação. “Essa ação nos corpos cavernosos do pênis permite que o sangue chegue ali e se concentre, propiciando ereção e rigidez peniana”, descreve.
“No caso de pessoas que são cardiopatas isquêmicos, que usam medicamentos para essa condição, a hipotensão severa causada pelo tadalafila pode causar infarto, isquemia cerebral e morte” (Marcelo Freitas, médico cardiologista)
O urologista Bruno Fontoura, que também atende na cidade, entra em detalhes. “O tadalafila é um medicamento que inibe a fosfodiesterase. Ele provoca uma vasodilatação no corpo e um relaxamento das artérias do corpo cavernoso, promovendo uma ereção mais prolongada. A fosfodiesterase causa a inibição da GMPc [guanosina monfosfato cíclico], uma enzima que gera essa vasodilatação. Como o tadalafila bloqueia a fosfodiesterase, ele gera uma dilatação maior, por maior tempo, dos vasos cavernosos, o que resulta no efeito de uma ereção prolongada”, explica.
“A vantagem de fazer uso diário do tadalafila de 5mg é que você não precisa ter um horário específico para a relação sexual. Você sempre vai ter, teoricamente, uma facilidade de ereção” (Bruno Fontoura, médico urologista)
O remédio é o tratamento de primeira linha para pacientes com disfunção erétil, sendo o mais recomendado e eficaz, com menor risco de efeitos colaterais, e usado inicialmente para tratar a questão, antes de serem considerados outros tratamentos. “Esse medicamento também age relaxando a musculatura da uretra e da bexiga, gerando uma melhora em homens com sintomas de inchaço de próstata”, acrescenta Fontoura.
Formalmente, o tadalafila é recomendado para homens no tratamento de dificuldades de ereção com causa vascular, muitas vezes relacionadas à hipertensão, diabetes, obesidade, dislipidemias – alterações nos níveis de gorduras no sangue, incluindo colesterol e triglicerídeos – e ao próprio processo de envelhecimento. “Em casos muito especiais, também pode ser usada para tratar hipertensão pulmonar grave”, explica Freitas.
O efeito esperado do medicamento surge em 30 minutos, de acordo com Fontoura. “Temos o tadalafila de 5mg, que é de uso diário, e o efeito pode perdurar por até 36 horas. Mas, no caso do tadalafila de 5mg, o interessante é que seja usada todo dia. Isso faz o efeito melhorar, gerando efeito cumulativo no organismo. Também existe o tadalafila de 20mg, que é usado sob demanda. Normalmente, também tem efeito com 30 minutos e pode permanecer por até 36 horas no que se refere à ereção”, observa.
Enquanto o de 5mg, de uso diário, pode ser ministrado em qualquer horário, a versão de 20mg, para uso pontual ou sob demanda, deve ser tomada uma hora antes da relação sexual. “A vantagem de fazer uso diário é que você não precisa ter um horário específico para a relação. Você sempre vai ter, teoricamente, uma facilidade de ereção, independente do momento que você tenha uma relação”, compara Fontoura.
Fontoura afirma que, por ser tratamento de primeira linha, a ação do tadalafila é muito eficiente. No entanto, nos casos em que a medicação não apresenta resposta, outros fatores precisam ser investigados. “A disfunção sexual tem causas hormonais, psicogênicas e vasculares. Então, existem muitos fatores envolvidos e isso é muito individualizado. Você tem de analisar as comorbidades do paciente: se ele tem diabetes, pressão alta, deficiência hormonal, algum problema cardiológico, alguma alteração neuropsiquiátrica – depressão, ansiedade. Tudo isso está envolvido no mecanismo da ereção. Muitas vezes, o tadalafila acaba não repercutindo efeito e isso tem que ser avaliado individualmente”, detalha o urologista.
Ainda que seja um medicamento bastante seguro para ser usado, é necessário ficar atento a algumas contraindicações e efeitos colaterais. Segundo Freitas, a incidência de efeitos colaterais varia de 1% a 10% e, os mais comuns, são dor de cabeça; indigestão ou azia; náuseas; diarreia; vermelhidão facial; dor de estômago, nas costas, músculos, braços ou pernas; tosse; e congestão nasal. Já os efeitos colaterais menos comuns são tontura; refluxo ácido; aceleração de batimentos cardíacos; alterações na pressão arterial; sangramento nasal; inchaço nas mãos ou no corpo; e cansaço.
O cardiologista alerta que efeitos colaterais graves, ainda que sejam raros, exigem atenção médica imediata: diminuição ou perda repentina da visão; visão turva ou alterações na percepção de cores; diminuição ou perda repentina da audição, possivelmente acompanhada de zumbido ou tontura; ereção com duração superior a quatro horas (priapismo); dor no peito; reações alérgicas (erupção cutânea, urticária, inchaço nos lábios, língua ou garganta); dificuldade para respirar e até convulsões.
Freitas também adverte que, como qualquer medicamento, há risco de interações medicamentosas potencialmente severas. “No caso do tadalafila, o uso por pacientes que fazem uso de medicações cardiológicas, como o dinitrato de isossorbidas, o mononitrato de isossorbido e a nitroglicerina, podem levar a uma vasodilatação muito severa, cursando com hipotensão grave e perda de consciência. Como esses pacientes que usam esses medicamentos são cardiopatas isquêmicos, essa hipotensão severa pode causar infarto, isquemia cerebral e morte”, alerta.
Fontoura acrescenta que os pacientes que usam nitrato para tratar alguma cardiopatia devem evitar o tadalafila, especialmente pelo risco da hipotensão – queda de pressão mais significativa. “A interação mais perigosa seria com o nitrato, que é um medicamento que alguns cardiopatas usam. O nitrato com o tadalafila poderia gerar uma baixa na pressão”, frisa.
Outro risco apontado por Fontoura é o da dependência psicológica. “Tem muitos homens jovens que estão usando. A partir do momento que usa por muito tempo, ele pode achar que só vai funcionar se ele usar. Esse seria o risco de dependência. Mas não de dependência metabólica”, relata.
Sobre o risco do uso prolongado da medicação, Freitas aponta que o risco mais frequente é o da chamada taquifilaxia, ou seja, a perda do efeito do medicamento nas doses habituais.
Em meio à popularização do tadalafila, muitos jovens começaram a usar o tadalafila para melhorar a performance sexual. Conforme Fontoura, o uso recreativo do remédio pode gerar dependência psicológica. Além disso, o urologista aponta que esse mesmo jovem pode não obter o efeito esperado pelo medicamento quando, de fato, tiver necessidade, pela exposição ao uso prolongado.
Já o uso do tadalafila para melhorar o desempenho na prática da musculação, de acordo com ele, “é um conceito extremamente equivocado e perigoso”. “Não há nenhuma evidência científica minimamente séria que mostre que a vasodilatação causada pelo tadalafila aumente a performance física ou melhore o ganho de massa muscular. As pessoas que assim afirmam, dizendo que sentem os músculos mais cheios, na verdade estão motivados pelo efeito placebo”, explica.
A principal diferença entre o tadalafila (Cialis) e o sildenafila (Viagra) é o tempo de início de ação no organismo e a sua duração, aponta Freitas. “O Viagra também é um inibidor de fosfodiesterase. Só que a tadalafila acabou mostrando, comparativamente, menos efeitos colaterais”, acrescenta o urologista.
De acordo com Freitas, o sildenafila age mais rápido sobre o organismo: de 30 a 60 minutos após tomar o comprimido. Já a ação do tadalafila pode demorar até quatro horas desde que o comprimido é administrado. No entanto, o efeito do sildenafila é menos duradouro: de quatro a seis horas, enquanto no caso do tadalafila pode chegar a 36. “O tadalafila também é mais versátil, pois há formulações para uso diário [5mg] e para uso ocasional [20mg]”, destaca.
“Em muitos pacientes, o tadalafila é mais bem tolerado e tem a vantagem de podermos usar uma dose menor, de forma diária. Isso gera um tratamento contínuo, em que o paciente sempre terá o benefício da melhora da ereção, não apenas quando tomar o medicamento para a relação”, conclui Fontoura.
Por Edilson Kernicki
Texto publicado originalmente na edição 307 da Revista D’Ponta News