A psicóloga, Dra. Simone Sanson Silva, e duas mulheres vítimas de abuso sexual, falaram sobre o tema, em entrevista ao programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,3 para Ponta Grossa e região e 92,9 para Telêmaco Borba), nesta sexta-feira (28).
Abuso sexual
O abuso sexual é a atividade sexual não desejada, onde o agressor usa a força, faz ameaças ou exclui vantagens da vítima que se torna incapaz de negar consentimento.
A Dra. Simone destaca que o abuso sexual relacionado às crianças e aos adolescentes infelizmente acontece no mundo todo e é um tema que precisa ser debatido para evitar que isso aconteça. “No Brasil temos uma grande tarefa e proposta de abordar esse tema dentro da doutrina da proteção integral de crianças, adolescentes e também das mulheres”, afirma. “Desde a nossa Constituição de 1988, nós viemos tendo muitos avanços nesta área. Foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, e todos os anos viemos tendo avanços dentro da legislação, mas ainda não são avanços que resolvem por completo toda essa temática”, acrescenta.
Ela também aponta que o seu objetivo é de informar as pessoas sobre o tema para evitar que ele aconteça e encontrar saídas para isso. “Nós buscamos o caminho de informação para toda a população que busca um caminho de superação dessa violência toda. Então a psicologia ajuda muito, porque é a ciência que ajuda a pessoa a se reestruturar na vida, mas ela também depende de outras áreas de trabalho que vão auxiliar”, explica a psicóloga.
Segundo a Dra. Simone, o abuso sexual está sempre inserido em um contexto, e em alguns casos o abuso acontece por familiares que convivem no mesmo ambiente que ela, que são os casos de família incestuosa. A relação incestuosa consiste no ato sexual entre pessoas consanguíneas.
“Essas famílias incestuosas acabam incluindo na dinâmica familiar essa questão do abuso e relacionamento com as pessoas que vivem juntas. E isso acaba sendo naturalizado, porque a criança pensa ‘se aconteceu com as outras pessoas, por que não pode acontecer comigo também?'”, ressalta. “A criança aprende a sexualidade e os contatos sexuais da mesma maneira que é ensinada a ler e escrever. Então ela acha que se está recebendo de um adulto de confiança ou de uma pessoa maior que ela, que é capaz de lhe ensinar uma coisa divertida, ensinamentos na área da sexualidade ela não vai entender que aquilo está sendo abusivo”, complementa.
Combate do abuso dentro de casa
Muitos casos de abuso sexual relacionados às crianças acontecem dentro do lar ou de parentes e pessoas próximas à família. A informação é a principal ferramenta que existe para combater este tipo de situação desde a origem, segundo a Dra. Simone.
Todo o processo é difícil, e a condição de vulnerabilidade que a vítima está, muitas vezes, é uma barreira para que ela faça a denúncia ou conte para alguém que está passando por aquela situação. “É preciso que a gente compreenda também que todos os passos relacionados à violência são difíceis, até antes do momento em que pode começar a acontecer [esse tipo de situação]”, explica a psicóloga. “Se acontece com crianças e adolescentes, por exemplo, elas são vulneráveis, ou seja, estão expostas à ação de outras pessoas que têm poder sobre elas”, acrescenta.
A denúncia é a última instância que a vítima recorre e também faz parte do processo de violência, segundo a Dra. Simone. “Uma criança precisa de um adulto pra fazer essa revelação e essa denúncia. Existem canais de comunicação que podem ser acionados como o ‘disque 100’, que você será atendido por uma pessoa que registrará sua denúncia anônima, porém são necessárias informações consistentes para a realização dela”, ressalta.
Ela ainda afirma que muitas vezes as pessoas, que passam por este tipo de situação, não conseguem fazer a denúncia no momento em que a situação aconteceu. “Ela precisa conseguir fazer a denúncia, porque possui a necessidade de ter uma pessoa de apoio que acredite nela, respeite o seu sofrimento e busque essa via de comunicação. Ela é uma etapa que também faz parte desse ciclo de superação da violência”, pondera.
As alterações de comportamento da criança podem ser um sinal de que ela possa estar passando por uma situação de abuso, porém dificilmente esta possibilidade é colocada como primeiro plano pelos responsáveis, segundo a Dra. Simone. “A dificuldade [nesse processo] é que dificilmente os responsáveis tem pensamento sobre a possibilidade daquela criança ou adolescente estarem passando por abuso, na primeira opção. Geralmente colocam possibilidades como envolvimento com drogas, má companhias ou alguma doença em primeiro plano”, explica.
A psicóloga afirma que o adulto que sabe que alguma criança está passando por uma situação de abuso, ele deve fazer a denúncia. “O adulto que sabe deve fazer uma denúncia compulsória, que significa que se você sabe que houve [abuso], você tem que buscar ajuda para aquela criança, porque sozinha ela não vai conseguir. E o adolescente também precisa de uma rede de apoio que o ajude a enfrentar a situação”, pondera.
Processo judicial
A psicóloga destaca que o processo pode ser demorado, devido à complexidade que envolve.
“O processo de investigação policial tem um prazo determinado para ser feito, quando iniciado, e o processo judicial dependerá de muitas etapas, e isso também gera uma morosidade”, destaca a psicóloga. “Para a pessoa que espera uma solução, todo tempo é demorado e é preciso que se encontre mecanismos de agilização do processo judicial, mas não se pode fazer um processo muito rápido sob o risco de tomar medidas inadequadas ou atropeladas, que não se consiga chegar ao esclarecimento dos fatos”, complementa.
A fala da vítima é muito importante no processo de apuração judicial, segundo a Dra. Simone. “A fala da vítima é preponderante para a tomada de decisões, por isso ela deve ser uma fala plena. Ela dever ser plena de significado, congruência e consistência, porque a verdade aparece”, ressalta.
Vítimas relatam dificuldades em denunciar e superar o ocorrido
As mulheres, que foram vítimas de abuso, preferiram não ser identificadas. Uma delas destaca que o momento da denúncia foi uma situação muito difícil e também a primeira vez que falou sobre o acontecimento.
“Quando você é adulta e decide expor um acontecimento assim, você tem que lutar por si muitas vezes sozinha. O dia da minha denúncia foi a sala mais fria que eu já estive e foi a primeira vez que eu falei em voz alta o que tinha acontecido comigo”, relembra. “Falar com os familiares sobre ter sido abusado é uma coisa, porém chegar na frente de uma pessoa e falar como você foi violada é muito mais difícil”, afirma.
A outra mulher ressalta que a sociedade muitas vezes culpa a vítima e busca uma maneira de justificar o acontecimento. “As pessoas sempre vão te culpar, principalmente se você for uma mulher adulta. Falam que você estava com roupa curta e consumiu bebida alcoólica”, comenta. “E não é essa a situação que deve ser levada em consideração, mas que o culpado de tudo isso foi o abusador, a vítima é só mais uma vítima”, acrescenta.
No caso da segunda vítima, o abuso aconteceu através de uma pessoa de dentro da sua família, e algumas pessoas se mostraram contra a denúncia, segundo ela. “No meu caso, o abusador pertencia ao meu núcleo familiar. Nessas situações o que acontece é que a própria família começa a questionar ‘mas se você denunciar estará colocando um pai de família na cadeia’, e eu afirmava que foi ele que se colocou nessa situação [pois foi ele que cometeu o crime]”, complementa.
Confira a entrevista completa: