Um professor do curso de Direito de uma instituição de ensino superior em Ponta Grossa registrou um Boletim de Ocorrência (BO) em que relata ter sido vítima de um caso de ameaça e LGBTfobia durante uma aula ministrada no último dia 9 de junho. O documento, registrado na Polícia Civil (PCPR), classifica formalmente o episódio como ameaça e LGBTfobia. A situação também foi comunicada à direção da faculdade, que instaurou uma Sindicância Acadêmica para averiguar os fatos. Para preservar os envolvidos, os nomes e a instituição de ensino não serão divulgados.
Segundo o relato do docente à Polícia Civil, a situação teve início durante a apresentação de um conteúdo sobre Direitos Humanos. O aluno, de maneira contínua, enviava mensagens aos colegas, ria e fazia comentários enquanto o professor explicava os slides, tornando o ambiente desconfortável. Ao perceber o comportamento, o professor questionou o estudante, que reagiu com tom agressivo e, segundo o boletim, passou a intimidá-lo diante da turma.
Ainda conforme o relato, o aluno respondeu reiteradas vezes que “era homem” e que conversariam lá fora, frases que o docente interpretou como ameaças. O professor reforçou que a postura do estudante foi intimidadora, e que a repreensão feita em sala não teve como objetivo constranger, mas sim conter atitudes recorrentes que atrapalhavam o andamento das aulas.
No boletim, o docente informou que comunicou oficialmente os canais da instituição e solicitou providências. De acordo com o professor, após essa situação, na quarta-feira (11) pediu desligamento da instituição.
Por fim, o documento registra que a situação escalonou de uma maneira desproporcional após o caso ter sido divulgado através de redes sociais. O professor reforça que também encaminhou às autoridades documentos e arquivos que podem fundamentar a denúncia.
“Em relação ao episódio ocorrido no dia 09 de junho de 2025, informo que relatei à Direção da Instituição de Ensino Superior (IES) uma situação que compreendo como prática de homofobia, posteriormente agravada por ameaça proferida pelo acadêmico envolvido.
Diante da gravidade dos fatos, solicitei meu desligamento da IES e foi instaurado procedimento interno para apuração dos acontecimentos. Ressalto que os documentos pertinentes foram devidamente encaminhados à Polícia Civil, a fim de que sejam adotadas as medidas cabíveis no âmbito criminal.
Até que os fatos sejam integralmente apurados pelas instâncias competentes, não serão divulgadas novas informações a respeito do caso”, finaliza a nota.
A equipe de jornalismo do D’Ponta News entrou em contato com a defesa e com o aluno citado no Boletim de Ocorrência, o qual está sendo acusado de ameaça e LGBTfobia.
Questionado sobre como começou a situação que culminou nas denúncias, o aluno afirmou que o episódio não teve início na aula mencionada no B.O. (9 de junho), mas sim em encontros anteriores, onde, segundo ele, o docente teria mudado o comportamento após um debate em sala de aula. “Desde então, percebi uma certa implicância e esperei que a situação se acalmasse”, expõe.
Sobre as acusações de LGBTfobia, o acadêmico ainda cita que não tem nenhum preconceito em relação ao professor. “Nunca tive qualquer problema com o professor, seja na figura de autoridade ou em relação à orientação sexual dele”, diz.
O aluno encaminhou para a equipe de jornalismo uma captura de tela (veja abaixo) que demonstra uma mensagem enviada ao docente através de um aplicativo de mensagens, na terça-feira (10). Na imagem, é possível observar que o acadêmico reconhece que foi desrespeitoso e que reagiu mal à situação por ter “se sentido exposto naquele momento”. Ele ainda destaca que está arrependido e que não busca justificar as suas atitudes. Também sugere realizar uma retratação perante a classe e ao professor. Por fim, reitera o pedido de desculpas. A mensagem foi visualizada pelo docente e não foi respondida.
Arquivo cedido
O professor confirmou à equipe de jornalismo que, de fato, recebeu a mensagem do acadêmico e optou por não responder. O docente reforça ainda que a mensagem do acadêmico foi enviada posteriormente à situação que ocorreu na segunda (9) e após a reprovação da turma via grupo de aplicativo de mensagens.
Sobre as acusações de LGBTfobia, o aluno disse que a situação ganhou outra proporção após comentários de colegas em aplicativo de mensagens e uma publicação anônima em rede social. “Alguns colegas de turma começaram a insinuar que houve um caso de homofobia da minha parte. Posteriormente, surgiu uma publicação anônima no Instagram mencionando um episódio de homofobia. Naturalmente, muitas pessoas repudiaram o ato com toda razão, pois esse tipo de comportamento é inaceitável e deve ser combatido”, afirma.
No entanto, o acusado criticou a falta de posicionamento do professor diante das repercussões. “Após essa publicação, uma acadêmica da minha turma mencionou meu nome diretamente em relação ao ocorrido. Em nenhum momento o professor veio a público esclarecer os fatos ou desmentir as informações que estavam sendo divulgadas. Pelo contrário, sua postura acabou contribuindo, mesmo que de forma indireta, para a perpetuação de uma narrativa falsa sobre minha conduta”, finaliza.
Por fim, o advogado do acusado, Renato Aparecido Borges (OAB/PR 129.022), fez um posicionamento jurídico via nota encaminhada para a equipe de jornalismo do D’Ponta News, veja na íntegra:
“Sobre a acusação de homofobia do meu cliente, nós refutamos todas as acusações. Em momento algum, ele cometeu esse crime muito pelo contrário. Quero deixar claro que este advogado tem o máximo respeito por toda a comunidade LGBT, também o máximo respeito na pessoa do professor. Vamos rebater todas essas acusações e se chegar a haver um processo criminal sobre, nós vamos refutar, com certeza”, finaliza a nota.
A equipe de jornalismo também contatou a instituição de ensino à fim de compreender o que está sendo feito acerca da situação. Confira o posicionamento na íntegra:
“No dia 10/06, durante uma aula na disciplina de Direito Público estruturado do curso de Direito da instituição de Ponta Grossa (PR), aconteceu uma discussão acadêmica, quando, em um determinado momento, um dos alunos proferiu uma frase para o professor, que, por sua vez, a considerou homofóbica.
A Direção da Instituição, no mesmo momento em que foi notificada sobre o ocorrido, iniciou a abertura do Protocolo de sindicância interna para realizar a apuração rigorosa dos fatos e compreender o cenário. Logo após o ocorrido o professor solicitou o desligamento da faculdade mesmo com o Protocolo de sindicância sendo aberto.
A sindicância está em andamento e todos os envolvidos estão sendo ouvidos atenciosamente. Após a conclusão dos fatos, todas as medidas serão tomadas por parte da instituição, em consonância com o regimento interno da empresa e a legislação vigente“, cita.
Além disso, a nota segue citando que dois advogados representantes da causa LGBTQIA+ compareceram até a instituição para esclarecer informações que circularam de que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi procurada.
“A instituição recebeu, nessa semana, dois advogados representantes da causa LGBTQIA+ na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os quais informaram que não haviam recebido nenhuma denúncia formal sobre o caso. Como a primeira Instituição de Ensino Superior (IES) a acolher esses representantes, a instituição deixou suas portas abertas para que possam ministrar palestras aos alunos do campus, promovendo a conscientização contra a homofobia. A faculdade repudia qualquer ato discriminatório de raça, sexo e crença, assim como outros discursos de ódio contra qualquer classe, e reforça seu compromisso com o respeito, o diálogo e a integridade de toda a comunidade acadêmica“, finaliza a nota.
Ademais, a reportagem também compareceu presencialmente na instituição para entender os trâmites. De acordo com o diretor da faculdade em Ponta Grossa, os envolvidos foram ouvidos, bem como testemunhas, todos em horários diferentes e de forma individualizada durante processo de sindicância realizada na última terça-feira (17).
O diretor pondera que esse procedimento realizado pela instituição é interno e não possui cunho jurídico e muito menos administrativo, reservando-se a um processo acadêmico. De acordo com o representante, quando o fato chegou através do docente, a instituição abriu uma Comissão Interna formada por coordenadores de cursos, exceto o coordenador do curso de direito à fim de garantir a imparcialidade do processo.
Ao fim da sindicância e em um prazo aproximado de 15 dias, um relatório inicial será gerado apreciando todos os relatos oriundos da sindicância. Por fim, após o trâmite, a instituição de ensino tem até uma semana para emitir o relatório final que deve trazer as sanções acadêmicas, caso seja constatado a situação de homofobia. “Dentre as sanções estão as advertências verbais ou por escrito, ainda há a possibilidade de suspensão ou até mesmo a expulsão do aluno. É um processo cauteloso e ouvimos ambos os lados”, garante o diretor.
Por Camila Souza.